Microcosmos criativos

formando curadores e criadores culturais

Bruno Maroni
LADO B
3 min readApr 12, 2024

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Transformar a cultura é uma ambição para muitos cristãos. De fato, digamos, “fazer a diferença onde estamos” é consequência natural do discipulado. Há maneiras distintas, no entanto, de pensar na e articular a transformação cultural. É de costume irmos para o lado imposição, beirando o domínio, ao invés de seguirmos o caminho do cultivo silencioso. Transformamos a cultura enquanto os horizontes do Reino invadem a paisagem inóspita desta terra caída. E como a própria chegada do Reino de Deus, a transformação cultural também começa como um grão de mostarda.

De baixo para cima

Para a igreja, o desejo agudo de mudar o mundo pode até ser honesto, mas é também traiçoeiro. Queremos mudar as coisas de cima para baixo, com planos de ação pretensiosos e projetos de poder agressivos. Sem lembrar que o solo da nossa cultura só pode ser curado por jardineiros humildes, generosos e compassivos, à imagem de Jesus. Pensamos que a semelhança com Cristo serve apenas para a piedade pessoal, mas justamente isso que é mais necessário para a transformação cultural: pessoas parecidas com Jesus. Em outras, o trabalho de renovar a cultura se dá de baixo para cima. São pequenas transformações invisíveis.

E qual seria o papel da igreja? Em um duplo movimento, acolher e enviar curadores e criadores culturais. Bastante gente me pergunta sobre qual deve ser a influência dos cristãos na arte e na cultura popular.

Em primeiro lugar, há décadas de influência já sedimentadas no terreno cultural. Quantitativas? Sim. Qualitativas? Nem sempre. O mercado gospel, por exemplo, é um meio de presença cultural cristã. Um rótulo, contudo. Assim como eu, as pessoas que me perguntam sobre o tema esperam por um tipo de influência distinta. Em segundo lugar, discordo da ideia de que para fazer a diferença na cultura a igreja deva travestir-se do que ela não foi vocacionada para ser, copiando os protocolos, processos e produtos da indústria cultural. A igreja não precisa emular a Netflix para transformar o cinema, não precisa lançar hitmakers para mudar os rumos da música e assim por diante.

Microcosmos culturais

A igreja deve formar pessoas comprometidas com Cristo e, por isso, apaixonadas pela cultura — zelosas pelo solo da criação e pela alma da sociedade. Como tão bem coloca o artista plático Makoto Fujimura, a igreja pode assumir o privilégio de moldar comunidades gerativas, dispostas e disponíveis para contribuir com o florescimento humano, devolvendo beleza e virtude à cidade (ou aos campos). Isso é o que ele chama de cuidado cultural. A igreja pode não ser um conservatório musical, uma escola de cinema ou uma academia de arte. Mas certamente é uma comunidade de pessoas maravilhadas com a criação de Deus e suas milhares possibilidades de florescimento (ou, como diria Fujimura, momentos de gênese).

Qual seria o desfecho prático desta ideia? O pastoreio — no sentido de “acompanhamento” — de microcosmos culturais, pequenas plataformas de discipulado cultural. Como sugeri, espaços do tipo ensinam, encorajam e enviam criadores e curadores culturais, de corações renovados para uma jornada de renovação humilde (sejam eles artistas, cozinheiros, empreendedores, cientistas, faxineiros). Este é um movimento que pode começar pelo simples incentivo, pela sugestão de curiosidade. Quem em sua comunidade se interessa por arte e cultura popular? Você percebe pessoas vocacionadas ao ofício artístico? Você conversa sobre cultura em sua igreja? Sua comunidade valoriza a cultura como dávida da criação?

São pequenos passos com efeitos duradouros. Mircocosmos culturais, acredito, funcionam como lugares seguros para quem abraça a vocação de servir a cultura. E não estou falando só de artistas “profissionais”. Todo mundo e qualquer um é, instintivamente, um ator cultural. A diferença é qual história estamos encenando: o drama que corrói o chão da cultura ou o que promete regenerar sua terra.

Este texto foi inspirado na leitura do livro Cuidado Cultural: Buscando a Beleza Para a Vida Em Comum, de Makoto Fujimura.

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Bruno Maroni
LADO B
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Marido da Lari e pai do Tim. Teólogo, jornalista cultural (improvisado) e escritor em formação. Gosto de livros, discos, pizzas e tartarugas.