Sobre a Vida Pueril

A contracultura da quaresma

Bruno Maroni
LADO B
2 min readFeb 16, 2024

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O calendário cristão é um antigo recurso que segue por séculos na história da igreja. É um meio que nos ajuda a entender e viver o tempo a partir das Escrituras, sob a história de Jesus. Um roteiro traçado pelos ritmos de Cristo.

A quaresma, estação que antecede a celebração da Páscoa, propõe memórias, reflexões e práticas que falam do nosso pecado, necessidade e insuficiência, despertando assim o maravilhamento com a inspurável riqueza da graça, perdão e amor que há em Jesus. Na quaresma enfrentamos o tumulto do mundo, batalhamos com a escuridão do nosso coração, atravessamos um deserto — lamentamos. E neste caminho torto encontramos esperança e alegria. Sobre esta estação, Esau McAulley diz:

Não há maior alegria ou alívio do que saber que somos perdoados por Deus. O primeiro passo para receber esse perdão é reconhecer nossos pecados pelo que são. Para fazer isso, precisamos de corações renovados repetidamente, pois, se não cuidados, nossos corações se tornam frios e insensíveis. Precisamos da ajuda do Espírito Santo para nos mostrar as maneiras como falhamos.

— Esau McAulley, Lent

A quaresma alude aos momentos finais da vida de Jesus, focando em sua obediência sacrificial, sua crucificação. Hoje, a quaresma opera como um protesto, move-nos em liturgias contraculturais. A luz da história de Cristo, ela é um manifesto contra as narrativas contemporâneas da autossuficiência, justiça própria, a satisfação instantânea. Desafia a nossa ambição por autopromoção, nosso desejo por conforto (do lado de dentro e de fora da alma), troca o sucesso — a (falsa) “melhor versão de si mesmo” — pela total dependência e entrega. O ser humano é frágil. Ser humano é ser falho e falível. Na quaresma assumimos nossa fome, nosso estado pueril.

Somos pó e Deus se lembra que somos pó, somos acolhidos por sua misericórdia que transforma morte em vida.

— Vanessa Belmonte

É na falência de si que se vê a fartura em Cristo. Esta estação propõe uma contracultura de lamento e arrependimento, confissão e perdão, justiça e serviço. É uma jornada até a cruz de Jesus, e a cruz de todo discípulo — onde a morte revela vida. A morte de Cristo, afinal, para nós não é só uma lembrança, mas identidade e disciplina (Rm 6:4).

Eu lhes digo a verdade: se o grão de trigo não for plantado na terra e não morrer, ficará só. Sua morte, porém, produzirá muitos novos grãos.

— João 12:24

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Bruno Maroni
LADO B
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Marido da Lari e pai do Tim. Teólogo, jornalista cultural (improvisado) e escritor em formação. Gosto de livros, discos, pizzas e tartarugas.