Todos Menos Você

Por Que (Ainda) Amamos Comédias Românticas

Bruno Maroni
LADO B
5 min readFeb 27, 2024

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A fórmula, a fome e o fim das histórias de amor

Sempre aquela história: “Eu sei que é clichê, mas quero ver esse filme”. Essa é a impressão que se repete desde que as comédias românticas, que explodiram entre os anos 1990–2000. E elas sempre reaparecem. Além disso, tornaram-se “símbolo” do tipo de filme que cativa pelo clima descontraído, que conforta e alivia a tensão de se viver num mundo onde é necessário pensar demais. Muitas são superficiais, sim — limitadas por roteiros repetitivos, tantas vezes apelativas e sentimentalistas. A fórmula já é bem conhecida.

Ao longo da história do cinema, as comédias românticas refletem a sociedade em que vivemos. Quer a história ocorra no mundo moderno que habitamos, em um planeta futurista ou em uma era há muito passada, no momento em que um filme é criado, ele mostra os sentimentos gerais da sociedade atual sobre o amor.

— Shanna Yehlen, A Brief History of Romantic Comedies

Isso no entanto, não faz das comédias românticas uma linguagem artística, um subgênero cinematográfico, menos digna de atenção. Elas fazem sucesso pela rentabilidade? É claro, a cultura pop é uma indústria. Pela estética dos atores e atrizes meticulosamente selecionados? Também. Mas a popularidade comercial dá pistas também para um anseio espiritual, mesmo nas obras mais despretensiosas e irreverentes. Como diz Josh Larsen, filmes são como “orações”: expressões involuntárias do que ansiamos.

Se uma história captura a atenção do público, ela diz algo sobre seu coração. Comédias românticas pedem por amor, claro.

A história das comédias-românticas começa quando Deus, no início da história diz que “Não é bom que o homem esteja sozinho” (Gn 2.18).

Todos Menos você e o estado do amor moderno

Todos Menos Você (Anyone About You), dirigido por Will Gluck e estrelado por Ben Powell e Sidney Sweeney, segue o script. Na trama, Bia e Ben encontram-se ocasionalmente numa cafeteria, começam um romance inusitado interrompido por uma frustração. Coincidências se seguem e os dois se vêm novamente unidos por amigos e familiares, dando início então a um esquema de simulação e atuação para, apesar do ódio instalado, convencer as pessoas de que se apaixonaram. E se apaixonam, obviamente.

O filme adapta a comédia de Shaekespeare, Muito Barulho Por Nada, segundo dizem, a mais espirituosa do dramaturgo. Ele é referência comum para as rom-coms contemporâneas, como para a clássica Dez Coisas Que Odeio em Você. Entre apelos esperados numa comédia romântica e o humor pelo constrangimento, Todos Menos Você pontua aspectos vitais do amor moderno: a busca por realização afetiva, a fluidez das relações, o interesse pela beleza física e a atração afetiva movida pelo desgosto — o ranço como combustível para o romance, sabe?

Nesse sentido, o filme rompe com a tradição das comédias do século XX. Benjamin Lee, crítico do The Guarda argumenta que:

Como o próprio filme, o apelo do par central está enraizado na estética, mas historicamente […] figuras proeminentes do gênero eram atraentes, mas raramente eram sexy de forma explícita e nunca estavam tão constantemente nus como esses dois, com o apelo fundamentado na simpatia em vez da sexualidade. Sweeney e Powell, reluzentes e tonificados nas fotos de pré-lançamento e no próprio cartaz, não foram escolhidos por sua identificação. […] Este gênero não é amado por sua realidade crua — mas tem que haver algo mais profundo.

— Benjamin Lee, Anyone But You review — slick but soulless romantic comedy

Penso muito nos efeitos das comédias românticas. Como qualquer outra narrativa cultural — excentricamente cult ou sinceramente trivial — elas são formativas. Tramas superficiais podem acessar e moldar intimamente nossa imaginação. Pode não haver profundidade no roteiro do filme, mas seu apelo estético tem impacto profundo nos roteiros da nossa vida.

O espetáculo do romance e a realidade do amor

Aqui vale lembrar da ambivalência da cultura pop. Ela opera em duas direções: reflete e projeta. Ou seja: as histórias pop são um reflexo do que nós cremos e desejamos, dos nossos comportamentos e atitudes, e funcionam também como projeção desses mesmos desejos, crenças e modos de vida. É um ritmo cíclico de influência.

O que nos leva a pensar: o que as rom-coms expressam sobre e o que elas prometem para nós?

Comédias românticas assumem que há redenção na realização afetiva e na satisfação sexual. E nisso não há problema. Fomos criador para o amor, e mesmo que ele tenha sido desfigurado pelo pecado, não foi arrancado da nossa identidade. O romance pop, contudo, pode despertar — e alimentar — a expectativa de que pares românticos, pela sintonia física e retorno afetivo, nos libertem do medo da solidão, da angústia existencial e do desenraizamento espiritual. Essas histórias instigam a esperança de que o mesmo conforto e bem-estar que as rom-coms oferece a espectadores estressados se reproduza nas relações reais. E isso não acontece.

O que acontece quando o amor romântico se torna expressivo externamente? E se o amor significasse trabalhar lado a lado para o florescimento e o bem do mundo? E se significasse agir corretamente pela outra pessoa, mesmo através do sofrimento ou às custas de sua satisfação imediata? E se significasse tomar medidas para preservar e proteger o outro? E se o amor romântico na verdade não fosse algo em que você cai, mas algo que você escolhe — algo tão difícil quanto gratificante?

— Shara Drimalla (Bible Project), 3 Love Stories in the Bible That Help Us Rethink Romance

Será que o amor do mercado pop tem frustrado pessoas em busca de relações autênticas? Será que as comédias românticas estão acostumando o público a um amor com excesso de corpo e falta de alma? Será que o idealismo dos casais do cinema gerou pessimismo nos casais no chão da vida? Tim Keller, comentando o declínio do casamento na atualidade afirma:

Hoje em dia, as pessoas tornam o casamento mais penoso do que precisa ser, pois o esmagam sob o peso de suas expectativas absurdamente impossíveis.

— Timothy Keller, O Significado do Casamento

Em outras palavras, é possível que nosso fascínio pelo romance ficcional esteja esvaziando o nosso encanto pelo amor real.

No amor vivido de segunda à segunda, entre rotinas ocupadas e humores instáveis, encontros fortuitos são raros, conflitos não são facilmente resolvidos e nem a sexualidade é facilmente cultivada. Mas é nesse choque de realidade que um modo de amor mais denso é cultivado, com contornos de compromisso, cumplicidade e coparticipação espiritual. É fato, esse não é o tipo de amor vendido que as histórias do entretenimento — não é um espetáculo provocativo — , mas no roteiro que a grande história das Escrituras propõe, na contracultura das rom-coms, o amor floresce.

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Bruno Maroni
LADO B
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Marido da Lari e pai do Tim. Teólogo, jornalista cultural (improvisado) e escritor em formação. Gosto de livros, discos, pizzas e tartarugas.