Você Não Pode Mudar o Mundo!

Bruno Maroni
LADO B
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3 min readMar 4, 2021

O incômodo com uma fé dualista e com uma igreja retraída — e o esforço para reverter esses dois estigmas evangélicos — tem despertado um resgate de tradições e conceitos úteis para formar um cristianismo mais abrangente, engajado e culturalmente transformador. Claro, a história da igreja mostra que isso não é de hoje. Mas pense por exemplo na ascensão e excesso de expressões como “cosmovisão” e “engajamento cultural” no contexto evangelical de hoje.

Como toda terminologia, o desgaste de palavras pode comprometer a virtude do que elas projetam. O ímpeto para “ver o mundo” e “pensar de modo cristão” é legítimo, mas tem seus limites.

Por exemplo: reajustar o intelecto é suficiente para mudar uma cultura? Boas ideias bastam para promover reconciliação e desenvolvimento na sociedade? Não. Na verdade, o caminho para uma interação saudável com a cultura — que envolve leitura, diálogo e ação — demanda mudanças muito mais invisíveis do que o ativismo visível, e iniciativas mais concretas do que a especulação abstrata. Mas temos um impasse mais profundo: para transformar a cultura precisamos reconhecer que não podemos mudar o mundo.

É perigoso o tanto que as boas intenções para fazer a diferença nas múltiplas áreas da sociedade cai facilmente em um triunfalismo autodestrutivo. Isso significa que no impulso de redimir a cultura acabamos engolidos por ela, pela crescente expectativa por revoluções pessoais e coletivas. Já percebeu que os livros mais vendidos e lidos pressupõem promessas do tipo “10 passos para revolucionar suas finanças”, “o segredo pro seu bem-estar”?

Bem, essas tendências denunciam nosso ímpeto de mudar as coisas — em larga escala e de uma vez por todas — , mas que acarreta em tudo menos transformações significativas para as pessoas, os relacionamentos e a cultura.

Afinal, a influência que a cultura imprime sobre a gente é muito mais iminente e determinante do que nossos esforços para remodelá-la. Aí que está: enquanto o mundo está disponível para fazermos algo a partir dele, estamos suscetíveis a ele fazer algo de nós. É irreal prever e controlar o rumo da cultura, porque ela é, em certa medida, caótica. Em outras palavras, o sucesso de ideias, produtos e instituições não é linear e, por isso, garantido.Quer dizer que, como cristãos, somos determinantemente incapazes de fazer qualquer diferença se quer no mundo? Não.

O ponto é que os rumos para a transformação cultural, como um dos frutos da restauração todo-abrangente do Evangelho, são muito mais discretos do que os meios que pretendemos. Isso porque a redenção da cultura está, acima de tudo, sob os cuidados do próprio Criador. Em termos práticos, isso inclui simplicidade e criatividade. Essa é a diferença.

Não posso revolucionar a relação da sociedade com a arte, mas posso, de momento a momento, criar hábitos que despertem nas pessoas apreciação e maravilhamento, por exemplo. Somos incapazes de arrancar os problemas familiares que desgastam tantos lares, mas podemos de pouco em pouco, criar mundos particulares dentro das nossas casas, cultivados com amor legítimo. A profunda dependência de Deus, consequência de uma espiritualidade vibrante, é imprescindível para uma interação saudável com a cultura.

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Bruno Maroni
LADO B
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Marido da Lari e pai do Tim. Teólogo, jornalista cultural (improvisado) e escritor em formação. Gosto de livros, discos, pizzas e tartarugas.