O fracasso do mercado de capitais no Brasil e a ascensão das criptomoedas

Carlos Russo
BRZ — Brazilian Digital Token
5 min readMay 28, 2019

Apesar do arcabouço regulatório que garante a lisura no mercado de capitais ser necessário, há um consenso de que a regulação em excesso em torno deste mercado tem gerado barreiras muito elevadas, especialmente para empresas menores que buscam capital. As discussões a respeito da regulação do mercado de capitais, contudo, vêm de longa data.

Nos Estados Unidos, as Blue Sky Laws, conjunto de leis que buscam garantir a lisura do mercado de capitais e variam de estado para estado, remetem ao início do século XX. O termo que faz referência a este conjunto de leis tem sua origem na fala de um juiz da suprema corte que chamou os valores mobiliários oferecidos à época, ironicamente, de “patch of blue sky” — uma expressão que significa algo como a esperança em um mundo melhor.

O objetivo destas leis seriam o de garantir justiça e equidade para os investidores e a redução da assimetria de informação entre emissores e compradores de securities. Entre outras medidas, estas leis exigiam que empresas fornecessem um prospecto no qual os promotores (vendedores / emissores) declaravam o montante a ser arrecadado e o objetivo do aumento de capital — estas leis ainda vigoram hoje.

Após o crash da bolsa de Nova York, em 1929, reguladores buscaram medidas adicionais para a regulação do mercado, considerado na época a versão capitalista do velho oeste americano. Nesse cenário, a SEC nasceu na década de 30 em conjunto com uma série de atos, nomeadamente a Public Utility Holding Company Act (1935), a Trust Indenture Act (1939), a Investment Advisors Act (1940) and a Investment Company Act (1940). A fiscalização de todos estes atos ficou a cargo da própria SEC.

Crise de 1929 provocou um aperto regulatório no mercado de capitais visando a retomada da confiança

Nesse contexto, uma das medidas mais controversas na história da regulamentação dos mercados foi a que criou a figura do investidor qualificado. Tal medida limitou, sobremaneira, o acesso a investimentos com maior potencial de retorno apenas para determinados investidores. Se até o pré-crise de 1929 qualquer investidor poderia participar de veículos de investimento dos mais diversos, após este arcabouço regulatório ter sido implementado, apenas instituições financeiras e seguradoras, além de indivíduos que pertencem ao topo da pirâmide social, passaram a ter esse acesso.

Naturalmente, nos anos que se seguiram, a maioria dos países seguiram o exemplo dos Estados Unidos da América e implementaram legislação semelhante, inclusive o Brasil. Apesar da limitação ao livre mercado de capitais, os benefícios, à época, gerados por uma legislação que protegesse o pequeno investidor, pareciam superar os malefícios causados pela restrição ao livre mercado.

O que devemos nos questionar, nos dias de hoje, é se os malefícios de uma legislação restritiva já não superam os benefícios de uma suposta proteção dos não-tão-ingênuos investidores. Deveria o governo nos proteger de nós mesmos? O nível educacional e o acesso a informação em 2018 são totalmente diferentes de 1929. Privar investidores não “qualificados” de terem acesso a veículos de investimento em Private Equity ou Hedge Funds, por exemplo, é algo que cedo ou tarde precisará ser revisto. Aliás, em um país onde o porte de armas é garantido pela segunda emenda e comprá-las é tão fácil quanto adquirir qualquer outro produto ou serviço, impedir investidores de alocar seu capital como queiram é, sem dúvida, um contrassenso.

O caso brasileiro — outrora quinta maior economia do mundo — é, nesse sentido, um dos mais emblemáticos no que se refere ao enfraquecimento do mercado de capitais devido a uma legislação demasiado restritiva. Apenas 600 mil bravos brasileiros investem na bolsa de valores nacional, a B3 (antiga Bovespa). Isso é menos do que toda a população carcerária do país, de aproximadamente 800 mil pessoas. O número de empresas com papéis negociados na bolsa brasileira também é irrisório. Apenas pouco mais de 300 empresas ainda se aventuram por aqui, a maioria com quase nenhuma liquidez em seus papéis. Para se ter uma ideia de quão pequeno é nosso mercado de capitais, qualquer uma das Big Four de tecnologia (Apple, Google, Amazon ou Microsoft), tomadas isoladamente, superam a capitalização total de todas as empresas que compõem o índice Bovespa, cujo valor soma aproximadamente US$ 700 bilhões.

População carcerária brasileira supera a de investidores individuais no mercado de ações

O fato de o mercado de compra e venda de criptomoedas já ter capturado, em apenas 5 anos, mais investidores do que a nossa bolsa mostra como uma legislação adequada poderia melhorar o nosso incipiente mercado de capitais. Um mercado de capitais livre e ativo, além de ser um meio importante para o desenvolvimento do ambiente econômico, com impactos inclusive na redução do spread bancário e das taxas de juros, é um instrumento de justiça social, pois permite que pessoas dos mais distintos extratos sociais participem de investimentos com maior ou menor grau de risco.

Enquanto o necessário afrouxamento regulatório não acontece, a emissão de ativos que utilizam a blockchain para liquidação e custódia continua a crescer. A livre circulação destes digital assets em um ambiente de difícil controle por parte das autarquias nacionais faz com que um mercado de capitais mais livre floresça. Embora o risco de fraudes exista, investidores têm, hoje, amplo acesso à informação e o argumento de que o investidor desconhece os ardis desses mercados é, muitas vezes, forçado e falacioso.

Além dos benefícios para os investidores, centenas de pequenas e médias empresas serão beneficiadas ao poderem recorrer a um mercado de capitais com menos restrições regulatórias e com mais acesso ao capital de risco. Aliás, a ideia de que o brasileiro seria avesso ao risco não encontra respaldo na realidade de que grande parte dos investidores em criptomoedas são daqui. Por fim, um ambiente empresarial onde este tipo de capital seja amplo, facilitaria muito o ambiente de inovação, tão embrionário em nosso país.

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Carlos Russo
BRZ — Brazilian Digital Token

Partner & Head of Investment at Transfero, a cryptocurrency boutique focused in special projects and portfolio management. Engineer, MsC and MBA.