Esqueça a obsessão pelas avaliações e comece a fazer acontecer

Como as avaliações de performance tradicionais podem emperrar a evolução do seu negócio e das pessoas

Mauricio Bueno
Bud review
6 min readSep 2, 2021

--

Todos os anos o processo se repete. Tudo começa com as lideranças investindo muitas horas decifrando formulários que reúnem tudo o que as pessoas do time devem saber, fazer ou respeitar. A partir daí, é olhar individualmente e começar a dar notas para cada um dos quesitos pelo que aconteceu durante o ano (na verdade pelo que é lembrado naquele momento). Como ninguém é infalível, é melhor então colocar as avaliações a prova em intermináveis conversas para que outras lideranças deem o seu pitaco. No final, cada pessoa finalmente é enquadrada em uma nota. Com estrelinhas ou caneta vermelha cada um recebe o seu resultado sem entender muito bem o que fazer com aquilo.

Não sei como isso acontece para você, seu time ou sua empresa. Mas pelo mundo inteiro, diversos negócios ainda gastam milhares de horas em um processo estático, pouco eficiente e que quase ninguém gosta, de avaliação de desempenho.

Um processo estático

Já reparou que uma estratégia, uma ação ou uma iniciativa que você ou seu time está priorizando agora, pode do dia para a noite, não ajudar mais?

Pois bem, isso porque em contextos como o que vivemos agora — extremamente volátil e turbulento-a única certeza é mesmo a mudança. Dessa forma, a rápida inovação é uma fonte vital de vantagem competitiva. Com tudo mudando a toda hora, as necessidades e desafios se tornam incertos. Nossas respostas para esses desafios também precisam ser únicas e rápidas.

Se não podemos continuar fazendo as mesmas coisas, não faz sentido se apoiar em um sistema que é construído principalmente para avaliar e responsabilizar as pessoas por práticas anteriores ou atuais.

Um processo pouco eficiente

O estudo mais amplo já feito sobre o que as avaliações de performance medem de verdade foi publicado no Journal of Applied Psychology em 2000. Na pesquisa, 4,492 gerentes foram ranqueados em algumas dimensões de performance por dois superiores, dois pares e dois subordinados. A revelação foi que 62% da variância da nota estava atrelada a percepções individuais dos avaliadores. De fato, apenas 21% da variância estava atrelado à performance propriamente dita. A conclusão dos autores foi que: “Embora seja implicitamente assumido que as classificações medem o desempenho, muito do que está sendo medido pelas notas são as tendências de classificação exclusivas do avaliador. Assim, as classificações revelam mais sobre o avaliador do que sobre a taxa.” Putz 🤯

Na Deloitte, o sistema de avaliação de performance era feito da seguinte forma: Objetivos anuais eram definidos para as mais de 65,000 pessoas da empresa no começo do ano; depois que um projeto era finalizado, cada pessoa do time avaliava o desempenho e o quão bem a pessoa foi naqueles objetivos. Os gestores também comentavam onde a pessoa havia performado bem ou mal. As avaliações eram combinadas em uma única nota anual final e levadas para reuniões de consenso nas quais um grupo de “conselheiros” discutia sobre milhares de pessoas. Em 2015 a Deloitte resolveu avaliar a própria avaliação de desempenho. O resultado é que não só ela não era eficiente em contar a história do desempenho, como todo o processo consumia incríveis 2 milhões de horas por ano.

Um processo que ninguém gosta

Se a avaliação de desempenho diminui a capacidade de inovação, não revela a realidade da performance e ainda consome um volume incrível de tempo. Ela deve ser algo que dá prazer de fazer então. Não mesmo. E nesse ponto o ser humano corporativo deve ser um pouco sadomasoquista por usar isso durante tanto tempo.

Dessa vez, em uma pesquisa aberta, realizada também pela Deloitte, mais da metade dos executivos questionados (58%) acreditavam que a atual avaliação do desempenho que realizavam não melhorava nem engajamento nem performance. Willis Tower Watson encontrou algo parecido também em seu estudo: 45% dos gestores não viam valor no sistema que utilizavam.

Mesmo consumindo em média 210 horas de cada gestor todos os anos, o processo de avaliação de desempenho é de longe o mais odiado pelas pessoas. Um estudo de 2018 realizado por Josh Bersin, associou o processo de avaliação de performance a um impressionantemente negativo Net Promoter Score de -60.

Caminhos alternativos

O velho modelo que acabou de ser descrito aqui (ranqueamento, notas, distribuição forçada) era baseado em um modelo industrial de trabalho-aquele que a gestão adicionava valor e a “mão de obra” era mais ou menos substituível. Hoje, mais de 85% do valor de mercado das empresas é propriedade intelectual, marca, serviços e software. Então, cada pessoa é muito importante.

Como eu trouxe no artigo anterior, o paradigma mudou. Ajudar as pessoas a performar bem e encontrarem a sua melhor versão — em tese esse deveria ser o objetivo da liderança e das avaliações de desempenho- demanda centralizar o processo de fato nas pessoas. Algo mais ágil, contínuo e individualizado. Realmente focado em impulsionar o desempenho no futuro ao invés de avaliá-lo no passado. Lembrando que os feedbacks sobre desempenho podem partir de todos os lados: liderança, pares e colegas.

Estima-se que 70% das empresas já estão se movendo nessa direção. Alguns exemplos:

  • A Adobe foi uma das pioneiras e primeiras a abandonar as avaliações anuais. Em 2012 implementou um modelo de Check-in: Uma conversa de duas vias entre líderes e pessoas do time. Isso se tornou o novo padrão resultado em ganhos importantes de eficiência, performance, engajamento e retenção de talentos.
  • Em 2015 a Deloitte substituiu o processo estruturado de avaliação de desempenho por um modelo mais frequente e informal de check-in 1:1 entre líder e liderado. Centralizou também a análise de desempenho em poucas perguntas futuras medidas em uma escala de “concordo totalmente ou discordo fortemente”: 1) Dado o que eu conheço da performance dessa pessoa, e se houvesse dinheiro, eu a recompensaria com o maior bônus possível; 2) Dado o que eu sei da performance dessa pessoa, eu ia sempre a querer em meu time; 3) Essa pessoa está em risco por baixa performance 4) Essa pessoa está pronta para uma promoção.
  • Outras como o Google por exemplo, mantém uma revisão de performance anual baseada em alguns poucos critérios como: aderência aos valores, resolução de problemas, execução, liderança e presença. Combinando a revisão com outros mecanismos mais contínuos e individualizados como a auto avaliação, o feedback 360 e uma cultura de abertura ao feedback.
  • Há ainda modelos muito mais abertos e recentes, como o do Netflix. Que focam em deixar claro o desafio, estimular conversas informais sobre performance e deixar o caminho livre para que as pessoas possam performar. Desvinculando inclusive a questão de performance da remuneração. Como Patty McCord, ex-Chief Talent Officer da Netflix escreveu em seu livro: “As boas equipes são aquelas em que cada membro sabe aonde está indo e faria qualquer coisa para chegar lá. As boas equipes não são criadas com incentivos, procedimentos e benefícios. São criadas por meio da contratação de pessoas talentosas, que são adultas e não querem nada além de enfrentar um desafio, e por meio da explicação clara e contínua sobre qual é esse desafio…Dizer aos funcionários se você fizer X, será recompensado com Y, pressupõe um sistema estático. Mas nenhum negócio é estático hoje em dia”.

A melhor maneira de gerir a performance é fazer ela acontecer e não usar de avaliações para punir ou recompensar. Modelos mais contemporâneos apontam que, deixar claro para todos os objetivos é o primeiro passo, porém, a complexidade da estrutura criada para liderar equipes e monitorar os resultados dificulta que as metas sejam alcançadas. Não existe uma receita pronta, mas fica cada vez mais claro o pressuposto de que fazer a performance acontecer em um ambiente de mudança constante, onde todo talento possível conta, é construir um sistema e uma lógica simples, inspiradora e saudável, capaz de ajudar as pessoas a encontrarem sua melhor versão.

Referências

Bersin, J. “Continuous Performance Management: Innovation Reigns.” Retrieved from JOSH BERSIN Insights on Corporate Talent, Learning, and HR Technology: https://joshbersin. com/2018/07/continuous-performance-management-innovation-reigns (2018).

Bock, Laszlo. Work rules!: Insights from inside Google that will transform how you live and lead. Twelve, 2015.

Buckingham, Marcus, and Ashley Goodall. “Reinventing performance management.” Harvard Business Review 93.4 (2015): 40–50.

Cappelli, Peter, and Anna Tavis. “The performance management revolution.” Harvard Business Review 94.10 (2016): 58–67.

McCord, Patty. “How Netflix reinvented HR.” Harvard Business Review 92.1 (2014): 71–76.

Sam, Milan Jacob. “Redefining Performance Evaluation: General Electric, Deloitte and Adobe.” Global Journal of Management And Business Research (2020).

--

--