Robôs são solução para saúde mental no trabalho?
Pesquisa indica que trabalhadores preferem falar sobre estresse com robôs em vez de gestores e mostra que as relações de trabalho estão na UTI
A Oracle, uma das gigantes da tecnologia do Vale do Silício, realizou um estudo em 11 países — entre eles o Brasil — com mais de 12 mil pessoas para avaliar os impactos da pandemia do novo coronavírus na saúde mental dos trabalhadores. Além de apresentar 2020 como o ano mais estressante da história recente, os números mostram que 68% dos entrevistados preferem falar com um robô em vez de falar com o gestor sobre ansiedade e estresse. A inteligência artificial é apresentada como uma solução para melhorar a saúde mental dos trabalhadores pela multinacional, é claro, mas cabe aqui um questionamento importante: o que está acontecendo com as nossas relações de trabalho?
Impacto da pandemia nos trabalhadores brasileiros
O estudo indicou que os brasileiros são os que mais perdem o sono devido ao estresse e à ansiedade relacionados ao trabalho em 2020. Vamos aos números:
- 70% dos brasileiros tiveram mais estresse e ansiedade no trabalho em 2020, em comparação com qualquer outro ano anterior;
- Esse aumento afetou negativamente a saúde mental de 73% dos trabalhadores brasileiros;
- 53% dos brasileiros relataram perda de sono pelo estresse no período;
- O estresse da pandemia se somou a estressores que já existiam, como a pressão para atender aos padrões de desempenho (44%), lidar com tarefas rotineiras e tediosas (46%) e lidar com cargas de trabalho imprevisíveis (39%);
- 90% dos brasileiros dizem que problemas de saúde mental no trabalho afetam sua vida doméstica.
O estresse e desgaste emocional dentro e fora do trabalho é uma realidade muito forte em 2020. Segundo a multinacional, a tecnologia pode ser a maior aliada para “resolver” essa questão. Vamos a mais números divulgados por eles:
- 64% dos brasileiros preferem falar com um robô sobre estresse e ansiedade em vez de seu gerente;
- 86% estão abertos a ter um robô como terapeuta ou conselheiro;
- apenas 14% dos trabalhadores brasileiros preferem humanos a robôs para apoiar sua saúde mental, já que o restante acredita que os robôs oferecem uma zona de teste livre (46%), uma saída imparcial para compartilhar problemas (31%) e respostas rápidas a perguntas relacionadas à saúde (30%).
Tecnologia é solução, quando a raiz é justamente a falta de humanidade nas organizações?
Não há nada de errado com os avanços tecnológicos e com a inteligência artificial. Não é isso. A questão aqui é que ninguém está olhando para a causa do problema. A pesquisa também mostra que 84% dos entrevistados no Brasil acredita que sua empresa deveria fazer mais para proteger a saúde mental. O número não é baixo e não clama por tecnologia, mas sim por cuidado. E nada mais humano do que cuidar.
Então, enquanto os robôs chegam com uma solução milagrosa para “salvar” a saúde mental, vender mais tecnologia e, óbvio, fazer o nosso trabalho render mais por menos, proponho algumas reflexões:
- Como estão as nossas relações de trabalho?
- Como andam as relações entre líder e liderado?
- As organizações estão realmente prestando atenção à saúde e bem estar dos colaboradores ou apenas olhando para soluções, como diz o próprio estudo, de respostas rápidas e imparciais para fechar uma lacuna e dizer que se importam?
- Como a lógica do desempenho colabora para esse esse distanciamento entre as pessoas nas relações de trabalho?
Recorte da pesquisa
O estudo ouviu 12.347 pessoas de 22 a 74 anos do meio corporativo (funcionários, gerentes, líderes de RH e executivos C-level) nos Estados Unidos, Reino Unido, Emirados Árabes Unidos, França, Itália, Alemanha, Índia, Japão, China, Brasil e Coreia. No Brasil, foram 1.004 entrevistados.