A importância de olhar para quem é cliente na promoção da agilidade nos negócios
Aproveitando as festividades dos 20 anos da publicação do manifesto ágil, trago no texto a seguir uma reflexão sobre a relevância do olhar para quem é cliente através da perspectiva da agilidade de negócios.
O termo cliente, aparece de forma explícita no manifesto no valor “Colaboração com o cliente acima de negociação de contratos” e no princípio “Satisfação do cliente: A maior prioridade está em satisfazer o cliente por meio da entrega adiantada e contínua de software de valor”.
Mas, afinal, como as sentenças mencionadas conectam-se com a promoção da agilidade organizacional?
Customer Success
Em meados de 2016, aproveitando a onda das empresas de software como serviço que passaram a ganhar uma relevante fatia do segmento de tecnologia, emergiu uma definição de gestão das relações com quem é cliente chamada “Customer Success” (CS).
Independente da natureza do negócio, o conceito reforça que qualquer organização deve conceber e ofertar soluções que façam com que os clientes sejam bem sucedidos. Assim, eles se manterão fiéis à organização, serão promotores da marca e, de quebra, adquirirão soluções que serão futuramente ofertadas.
Uma gestão de CS eficaz leva em consideração os seguintes aspectos:
- Mecanismos para a aquisição de novos clientes;
- Aumento das taxas de retenção;
- Crescimento das vendas para os clientes atuais.
Gerenciando os fatores acima, a organização terá uma maior consciência da evasão de clientes, promoverá o aumento do valor dos contratos vigentes e, melhorará a experiência e a satisfação das pessoas que consomem seus produtos e serviços.
O livro de Nick Mehta, Dan Steinman e Lincoln Murphy gerou relevantes provações para as disciplinas de vendas e de marketing, ao reforçar que a gestão do sucesso dos clientes vai além de um contrato assinado ou da entrega de uma mensagem sobre a proposta de valor oferecida pela organização.
No fundo, pelo bem da sustentabilidade do negócio, todas as ações da organização que tocam a jornada de quem é cliente, devem ter como direcionamento a receita previsível e a lealdade duradoura.
Conectando o conceito de CS com a agilidade nos negócios, é possível desenvolver a hipótese de que uma alta percepção de sucesso por quem é cliente levará a organização a gerar melhores resultados. A pergunta que fica é: como medir o sucesso das ofertas?
Algumas empresas têm utilizado o Net Promoter Score (NPS) como uma métrica de sucesso.
Particularmente, considero o NPS uma referência de recomendação. A informação relatada pelo score que é a razão entre as pessoas que promovem um produto ou serviço menos as pessoas que são consideradas detratoras, pelo total de pessoas que avaliaram o serviço, manifesta o potencial de indicação da organização ou do serviço e não necessariamente a capacidade da organização de resolver um problema ou dor.
Para de fato identificar o tamanho da assimetria entre a necessidade e a oferta, é preciso ir além do NPS.
Fit for purpose
Em 2017, Alexei Zerghov e David Anderson apresentaram um conceito chamado Fit for Purpose (F4P) que se propõe a ser uma ferramenta de gestão que apoia as organizações na análise dos seus produtos e serviços levando em consideração três dimensões: o design, a forma de implementação e a experiência da entrega.
O framework apresenta 3 tipos de métricas a serem consideradas para a gestão efetiva de um serviço ou produto:
- Critérios de aderência: O que faz o cliente selecionar o serviço? Demonstram o diferencial da empresa frente a concorrência. Ex: lead time, qualidade e preço.
- Indicadores de saúde: Indicadores que sinalizam a performance do produto ou serviço. Ex: receita, margem, engajamento das pessoas, satisfação das empresas clientes.
- Direcionadores de melhoria: Alvos que devem ser atingidos ao longo do tempo, mas que não predizem aderência e satisfação. Ex: uso, número de engajamentos estratégicos.
Além dos tipos citados anteriormente, os autores enfatizam que as métricas de vaidade — números que nos fazem sentirmos bem, mas que não têm impacto no processo de decisão e não predizem resultados ou satisfação — devem ser evitadas de forma consciente.
A avaliação da aderência do produto ou serviço acontece através de uma pesquisa que segue um modelo chamado cartão F4P, composto pelos seguintes elementos:
- Por que você (cliente) escolheu nosso produto ou serviço (informe 3 motivos)?
- Para cada um dos motivos informados, quanto o produto ou serviço atendeu o seu propósito?
- 5 — Extremamente — Recebi tudo o que esperava e um pouco mais.
- 4 — Plenamente — Tudo que eu precisava foi atendido.
- 3 — Na maior parte — Em geral foi atendido, mas algo ficou faltando.
- 2 — Parcialmente — Alguns foram satisfeitos, mas uma parte relevante não.
- 1 — Um pouco — Existiram pontos positivos, mas o problema não foi resolvido.
- 0 — Nada — Nenhuma das minhas necessidades foi atendida.
3. Nos diga o porquê da sua nota em cada motivo avaliado.
O F4P apoia as organizações que estão em busca de identificar os motivos pelos quais os clientes procuram suas soluções e o quão aderente as soluções propostas estão com as razões informadas.
A capacidade de sentir o que se passa com quem é cliente
Os dois conceitos apresentados oferecem uma base sólida para a sensibilização do quanto aquilo que a organização oferece para o mercado conecta-se com as necessidades existentes.
Quanto mais bem sucedido um negócio se torna, maior é a chance dele se fechar, ignorando os estímulos externos provenientes de quem é cliente.
Para uma busca de soluções cada vez mais eficazes, as organizações precisam desenvolver capacidades dinâmicas que trazem a voz do cliente para dentro da estratégia que é desenhada, para os modelos de priorização das iniciativas nas camadas de coordenação e para direcionar o trabalho das equipes.
Sem a sensibilidade sobre o que se passa na perspectiva de quem é cliente, é muito provável que as organizações desperdicem energia, dinheiro, engajamento das pessoas e tempo, em uma conjuntura de mercado em que tais ativos são valiosos demais para serem desconsiderados.
Caso prático: medindo a aderência de serviços através do Customer Success Score
Em 2017, enquanto atuava em um contexto de consultoria na Plataformatec, tive a oportunidade de participar da concepção de uma métrica chamada Customer Success Score (CSS).
Naquele momento, a empresa tinha uma diretriz clara de mudança no patamar de faturamento e para isso seria fundamental criar estratégias que fizessem com que as empresas clientes adotassem os serviços adquiridos, transformassem os contratos vigentes em acordos longínquos e adquirissem novas ofertas do portfólio.
A premissa adotada era de que quanto mais conectada com os problemas de quem era cliente a Plataformatec estivesse, mais valor percebido estaria posto na transação, ou seja, mais estratégica tornaria-se a relação.
Quem atua no mercado de B2B (venda de empresas para empresas) sabe o quão desafiador é manter um vínculo de longo prazo produtivo, valoroso e benéfico para ambos os lados.
O CSS era coletado trimestralmente, através de uma survey com a base de pessoas que interagiam com os serviços da Plataformatec dentro das empresas clientes.
O questionário era composto pelas seguintes perguntas:
- Quais eram suas expectativas em relação ao serviço (campo aberto)?
- Como o serviço atendeu às suas expectativas?
- 5 — Excepcional
- 4 — Excelente
- 3 — Bom
- 2 — Regular
- 1 — Ruim
3. Quais recomendações você faria para que o serviço seja classificado como Excepcional?
Com a finalidade de classificar a satisfação quanto ao serviço, o seguinte critério era empregado nas respostas recebidas:
- Pessoas que avaliavam o serviço entre 1 e 2 eram classificadas como insatisfeitas.
- Pessoas que avaliavam o serviço em 3 eram classificadas como neutras.
- Pessoas que avaliavam o serviço entre 4 e 5 eram classificadas como satisfeitas.
O score final era calculado considerando a fórmula: CSS = (#total de pessoas satisfeitas — #total de pessoas insatisfeitas)/#total de pessoas que participaram da pesquisa.
O gráfico abaixo demonstra o valor do CSS ao longo do tempo, bem como a taxa de engajamento de cada coleta (total de pessoas que responderam dividido pelo total de pessoas que receberam a pesquisa para preencher).
Manter o CSS em um patamar de excelência era relevante, porém, sem uma participação expressiva, o número não revelaria a qualidade do serviço.
Outro ponto válido de ser compartilhado, é que o CSS compunha o programa de distribuição de renda variável de toda a empresa.
A Plataformatec entendia que todas as áreas (vendas, atendimento, time de pessoas consultoras, financeiro e marketing) impactavam a experiência das empresas clientes em algum momento da jornada, seja na entrega do serviço, nas interações de cobrança, nas interações para o fechamento de contratos e assim por diante.
Sendo assim, quanto melhor o resultado do CSS global da empresa, maior a distribuição do variável para todas as pessoas.
Após as coletas e uma sumarização dos resultados qualitativos, parte das equipes que lidavam com as empresas clientes e pessoas das áreas de marketing e vendas, reuniam-se para discutir as expectativas que haviam sido relatadas, avaliavam o desempenho do índice e produziam planos de ação para evoluir os serviços.
Tais encontros geraram ideias como: capacitar melhor a equipe de pessoas consultoras em técnicas de negociação; aprimorar as mensagens expostas no site institucional; repensar as práticas de gestão de contas; desenvolver novas ofertas de serviços de consultoria a partir das dores identificadas; tangibilizar o valor do serviço com os resultados do negócio da empresa cliente.
A aplicação do CSS não resolveu os problemas da Plataformatec, afinal, um número sem ação é apenas um dado.
Contar com a disciplina de escutar quem é cliente, evidenciou pontos de melhoria na estratégia, nos fluxos operacionais e no engajamento das pessoas com a Plataformatec, tornando-a mais responsiva ao que acontecia fora dela.
Conclusão
Em um ambiente de negócios que encontra-se em constante mudança por conta do impacto gerado pelas tecnologias digitais na estratégia e nos sistemas de trabalho das organizações, criar melhores interações com quem é cliente é a base para a produção de resultados financeiros favoráveis e sustentáveis.
Compreender as expectativas, dores e motivações das(os) clientes é um tipo de capacidade que permitirá a organização compreender seu estado atual, aproveitar as oportunidades identificadas e se transformar.
Tratar de agilidade nos negócios sem considerar quem consome os produtos e serviços é um sinal de que a organização esteja ancorada em práticas que produziram sucesso até aqui, mas que dificilmente a farão prosperar em um futuro cada vez mais incerto.