Até rainhas precisam de feedback

Gisela Sender
Business Drops
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5 min readMar 21, 2018

Em 1957, após um discurso infeliz na fábrica da Jaguar, a Rainha Elizabeth foi alvo de um artigo agressivo publicado por Lorde Altrincham, jovem com uma carreira política malsucedida e editor da National and English Review.

O autor das críticas era um homem liberal, que enxergava a necessidade de mudanças na sociedade britânica daquela época e utilizou o conteúdo do discurso, no qual a rainha chamava os trabalhadores da Jaguar de homens e mulheres “comuns” e dizia que suas vidas eram “solitárias” e “monótonas”, como exemplo do que queria dizer.

Ouvir críticas nunca é fácil, imagine para uma rainha. No entanto, a forma como ela lidou com a situação é digna de nota.

A postura de Lorde Altrincham não foi uma unanimidade entre os seus súditos. Algumas pessoas e instituições tomaram partido da monarquia, acreditando que era um desrespeito tecer comentários deste tipo. No entanto, a rainha, ao invés de se apegar àqueles que a apoiavam, optou por aproveitar a oportunidade para ouvir, entender e melhorar a sua atuação.

Para a surpresa de todos, inclusive dele mesmo, Lorde Altrincham foi chamado ao palácio. A sua atitude nesta ocasião também é digna de nota. Ele realmente se preparou, elaborando uma lista de seis pontos para melhoria: três itens que a rainha deveria passar a fazer e três que ela deveria deixar de fazer.

A rainha aceitou algumas de suas sugestões imediatamente, como televisionar o discurso de natal naquele ano e receber súditos para visitas no palácio, de forma a aproximar a monarquia do povo. Outros pontos foram implementados gradativamente.

Esta história traz uma lição de como dar e receber feedback e se aplica a qualquer situação, inclusive em ambiente de trabalho.

O mecanismo de feedback, em fisiologia, pode ser definido como um conjunto de respostas produzidas pelos sistemas do nosso corpo diante de um desequilíbrio. O corpo busca a homeostase, ou manutenção das condições estáveis, a fim de que haja equilíbrio funcional, através do perfeito funcionamento de todos os sistemas. Quando esse equilíbrio do corpo é desestruturado, o organismo lança mão de mecanismos auto reguladores para voltar ao estado inicial. Dentre estes mecanismos está o feedback.

A palavra feedback significa em português “dar resposta” ou “dar um retorno”, e normalmente é traduzida como retroalimentação. Na aplicação funcional orgânica, o feedback é o conjunto de respostas produzido pelos nossos sistemas frente a um desequilíbrio, no sentido de diminuir os efeitos que o geraram. Por exemplo, quando a pressão arterial se eleva além da normalidade, o organismo inicia a ativação de mecanismos que atuam em diferentes locais do corpo com o objetivo de diminuí-la.

As organizações, como os organismos, também buscam um equilíbrio e um bom funcionamento de seus sistemas. Assim, é compreensível que tenham se apropriado do termo “feedback”, inicialmente através da Teoria Geral dos Sistemas, para denotar o mecanismo por meio do qual as pessoas que atuam nelas saibam que precisam corrigir sua forma de agir (feedback negativo) ou continuar agindo da mesma forma, quando correta (feedback positivo).

Ainda assim, o processo de feedback costuma ser muito difícil tanto para quem dá, quanto para quem recebe, principalmente quando este é negativo. Talvez um destes motivos sejam as descobertas de que uma rejeição pode desencadear os mesmos mecanismos no cérebro humano que a dor física. E, salvo algumas raras exceções, ninguém gostaria de bater em um membro da equipe, certo?

Logo no início da minha carreira, trabalhei em uma empresa na qual o processo de avaliação era extremamente estruturado. Os critérios eram muitos claros e via-se o vínculo entre este processo e a atuação das pessoas no dia-a-dia, efetivamente refletindo os valores da empresa. Os feedbacks que recebi eram certeiros e moldaram de forma contundente a minha forma de atuar, não só nos sete anos que fiquei na empresa, mas em toda a minha vida profissional.

Ao evoluir na carreira e mudar de empresa algumas vezes, deixei de receber feedbacks, ainda mais com este grau de estrutura. E apesar de muitas vezes dolorosos, senti muita falta. Quando não recebemos feedback, só podemos nos guiar pelo nosso bom senso, instinto e experiências prévias. Assumindo que ninguém erra de propósito, ter alguém (um gestor, um par ou um subordinado, no caso das avaliações 360 graus) que te ajude a enxergar onde você pode melhorar é ótimo.

Segundo Bill Gates, todos nós precisamos de alguém que nos dê feedback. É assim que evoluímos.

O feedback, portanto, é o melhor presente que você pode dar (e receber).

Encarando desta forma, deveria ficar mais fácil passar por este processo. As dicas abaixo procuram ajudar também.

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Fornecendo feedback…

  • Prepare-se. Escreva os pontos positivos/a melhorar e justifique-os com fatos e dados. Para isso, dê o feedback imediatamente após aos fatos ou mantenha um registro por escrito das ocorrências de cada membro da sua equipe, para embasar esta conversa. Como se diz por aí, “contra fatos e dados não há argumentos”, e você sai da armadilha da subjetividade do julgamento pessoal da situação.
  • Associe os pontos a melhorar com o que isto pode trazer de benefício para a própria pessoa, como desenvolvimento pessoal e de carreira, levando em conta os valores da empresa na qual está inserido.
  • Ao contrário do que fez Lorde Altrincham com a publicação aberta de um artigo de críticas, não dê feedback em público. Expor a pessoa em uma situação como esta não é ético e faz com que ela já se sinta acuada e resistente desde o início do processo.
  • Não deixe de apontar os pontos positivos da atuação da pessoa, preferencialmente começando por aí, de forma a “esquentar” a conversa.

Recebendo feedback…

  • Escute. Faça perguntas. Não saia da conversa sem entender profundamente o que deu errado e porque isso é errado, e, mais, o que deve ser feito de concreto para mudar a situação.
  • Não leve para o lado pessoal. Salvo raras exceções, a pessoa que está do outro lado da mesa está legitimamente preocupada com o seu desempenho.

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Então, da próxima vez que receber um feedback, agradeça. E quanto mais duro e justo, melhor para você, como a febre que sinaliza que há algo errado com o seu organismo — é desagradável, pode até doer, mas te ajuda a ficar melhor.

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Gisela Sender
Business Drops

Atua em consultoria de gestão há mais de 20 anos, tendo sido executiva de grandes empresas. Engenheira, mestre e doutoranda em Adm, leciona em cursos de pós.