Eu quero falar com o robô!

Gisela Sender
Business Drops
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4 min readApr 18, 2018

O ano era 1995 e eu era estagiária em uma grande empresa multinacional. Não pude deixar de ouvir um colega na mesa ao lado falando ao telefone com o banco, bastante irritado: “eu não quero falar com você, eu quero falar com o robô, com o robô!!!”, ele insistia, “por favor me devolva para o robô que ele vai resolver meu problema melhor que você!”.

O robô ao qual meu colega se referia era a URA (unidade de resposta audível), aquela gravação por vezes irritante que antecede o atendimento humano nas centrais de atendimento, mas que resolve muito bem questões simples como fornecimento de informações de saldo, solicitações de segunda via, entre outras.

Esta frase me marcou muito, tanto que nunca esqueci esta situação. Mas não poderia imaginar o quanto estes “robôs” poderiam evoluir e trabalhar de forma mais eficiente que os seres humanos, como meu colega estagiário já percebera naquele momento.

Na época, a imagem dos robôs era associada à Rosie, a simpática e eficiente empregada da família Jetson ou aos queridos R2-D2 e C-3PO de Guerra nas Estrelas.

De lá para cá, de forma crescente, estamos sendo bombardeados por notícias da expansão do uso de tecnologias como inteligência artificial, machine learning, bots e outras formas de automação nas organizações.

A aplicação destas tecnologias traz impactos importantes para os indivíduos tanto como consumidores e usuários de serviços, quanto — e talvez principalmente — como trabalhadores e funcionários destas empresas.

Aqui mesmo no Brasil, a Mercedes tem praticamente toda a sua linha de produção automatizada, com robôs parecidos com a Rosie, o R2-D2 e o C-3PO, que conseguem ter uma melhor precisão e uma capacidade de carregar muito mais peso. O ser humano entra no final da linha, mas, mesmo assim, quem vê o processo se pergunta se ele não foi mantido ali por medo, ou mesmo pena, de automatizar a linha por completo. → veja aqui

O CD (centro de distribuição) da Amazon, por sua vez, possui um dos mais impressionantes sistemas de automatização do seu setor. → veja aqui

O uso destas tecnologias parece mais fácil em ambientes como fábricas e CDs, mas elas estão sendo aplicadas em praticamente todos os setores da economia, mesmo em alguns não tão óbvios assim.

O Walmart, por exemplo, passou a contar com robôs que examinam os corredores em busca de itens fora de estoque, coisas que foram colocadas no lugar errado pelos clientes, preços incorretos e rótulos errados ou ausentes. Os robôs geralmente são mais eficientes do que os funcionários que executam tarefas semelhantes e são projetados para liberar o tempo dos funcionários para que eles possam usá-lo para ajudar os clientes.

A Unilever, por sua vez, utilizou inteligência artificial (IA) para avaliar todos os funcionários que ingressaram na empresa no último ano. Os candidatos submetem sua candidatura via LinkedIn, participam de jogos baseados em neurociência para medir traços de personalidade tais como foco, memória e aversão a risco e depois gravam entrevistas para serem analisadas por IA.

Os robôs estão invadindo até mesmo serviços profissionais notadamente baseados em conhecimento, como a advocacia. Haroldo, da empresa Hurst, fundada em 2017, é um bot do Facebook Messenger que realiza todos os procedimentos burocráticos inerentes a uma ação judicial, para que você receba seus direitos sem dor de cabeça. E o melhor: se você perder, você não precisa pagar.

Com toda essa informação acerca da tecnologia dominando os ambientes de negócio circulando por aí, fica a questão: isso é bom ou ruim para os indivíduos?

Talvez para o meu colega lá de 1995, e para todos os demais consumidores, isso seja bom. A tecnologia, quando bem desenvolvida e implementada, aumenta a eficiência e a qualidade do serviço. A falta do “toque humano” normalmente é sentida somente quando algo dá errado.

No entanto, o maior impacto é no emprego e no perfil do trabalho.

A Adidas passou a usar impressão 3D para agilizar a fabricação de tênis esportivos, possibilitando a redução de cerca de mil postos de trabalho. O mesmo ocorreu na Ford, Whirlpool e Caterpillar.

Por outro lado, na mesma ocasião na Adidas, foram criadas 160 novas vagas, indicando que a especialização em trabalhos digitais pode ser uma solução para que as pessoas não fiquem sem emprego por causa da automação industrial e outras tecnologias. No entanto, como se vê nesse exemplo, a criação de empregos na área digital não é tem a mesma proporção da queda em áreas operacionais. Além disso, nem todos têm o perfil e as condições para se qualificarem nesta nova área.

O que vai acontecer então com essa massa de indivíduos que trabalhariam em funções que serão extintas e não conseguem se adequar às demandas de habilidades e capacidades dessa nova realidade?

Yuval Noah Harari, autor de Homo Sapiens e Homo Deus, prevê que muitos profissionais não apenas ficarão desempregados, como também não serão mais empregáveis, criando, assim, uma nova classe de pessoas até 2050: a dos inúteis. De acordo com Harari, esse grupo poderá acabar sendo alimentado por um sistema de renda básica universal. A grande questão então será como manter esses indivíduos satisfeitos e ocupados.

Sob esta perspectiva, as discussões que temos hoje, seja nas empresas ou em meios acadêmicos, acerca de temas como direitos trabalhistas e bem-estar no trabalho parecem pequenas, imediatistas e obsoletas, uma vez que pressupõem a existência do trabalho como ele é hoje. Tais questões devem sim continuar a ser discutidas, mas na perspectiva temporal das mudanças que ocorrem na configuração deste. Ou então estaremos aprendendo a lidar com gestores e equipes, mas só encontraremos robôs.

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Gisela é professora da disciplina “Estratégia e Inovação” do curso Jovens Profissionais em Marketing, do Alumni Coppead.

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Gisela Sender
Business Drops

Atua em consultoria de gestão há mais de 20 anos, tendo sido executiva de grandes empresas. Engenheira, mestre e doutoranda em Adm, leciona em cursos de pós.