Consultoria nas empresas: ter ou não ter, eis a questão…
Um pastor cuidava das suas ovelhas, quando avistou no horizonte um carro chique vindo em sua direção, que ao chegar perto, parou ao seu lado. Desceu um homem que sem mais nem menos perguntou: “Se eu disser quantas ovelhas existem aqui, você me dá uma?” O pastor humildemente disse que sim. Rapidamente o homem sacou seu notebook, fez alguns cálculos e rapidamente respondeu: “Trezentos e trinta e cinco”. O pastor sem nada falar, deu a ele a ovelha. Em seguida indagou: “Se eu adivinhar sua profissão, você me devolve a ovelha?” “Sim”, respondeu o homem. “O senhor é consultor”, afirmou o pastor. Surpreso, o homem devolveu a ovelha ao pastor, perguntando como ele adivinhou. “O senhor chegou aqui sem ser chamado, se meteu no meu negócio, me disse o que eu já sabia e ainda cobrou por isso!”
Piadas sobre consultores são bastante comuns. Outra bastante conhecida é aquela na qual o consultor, contratado para dizer as horas exatas, pede o relógio emprestado de quem o contrata. Como a solução dos problemas de cada empresa está sempre dentro da própria empresa, esta piada tem certo fundo de verdade.
Piadas à parte, a consultoria tem um papel bastante relevante no desenvolvimento de negócios e das empresas.
O termo consultor é muito amplo e pode ser empregado em vários contextos. Recentemente vem-se usando este termo de forma a dar uma conotação mais qualificada a algumas funções. O vendedor é chamado de “consultor de vendas”, o corretor de imóveis, de “consultor imobiliário”. Mas vamos focar aqui no formato clássico de consultoria, na qual um consultor é um profissional externo à empresa, que traz algum elemento adicional à sua operação do dia-a-dia, normalmente para resolver um problema ou explorar uma oportunidade.
A consultoria pode ser prestada por indivíduos ou por empresas de consultoria, de diferentes portes. Sempre houve uma demanda por trabalhar com consultoria. Profissionais mais jovens normalmente almejam entrar em uma firma internacional, trilhando notadamente árdua em termos de carga horária e dedicação, mas cercada de “glamour” com viagens, treinamentos e benefícios, além de um enorme aprendizado e exposição profissional. Profissionais mais velhos e qualificados vêm na consultoria — neste caso, individual — uma alternativa interessante para o fim da carreira, quando já têm uma bagagem de conhecimento que podem “vender” para as empresas e ao mesmo têm uma empregabilidade menor devido à idade e desejam uma maior flexibilidade de horário.
Com a crise financeira no Brasil e a redução de empregos, mesmo os mais qualificados, muitos profissionais em um meio termo dos dois extremos apresentados acima buscam na consultoria uma alternativa para permanecer ativo no mercado de trabalho.
Se você se vê em uma destas situações, é importante que entenda o contexto do trabalho de consultoria, que é fundamentalmente diferente em sua natureza daquele efetuado nas empresas.
Mesmo que você atue em uma empresa, pode ser que em algum momento você cogite a possibilidade de contratar uma consultoria, e precisa também entender em que situação ela é adequada. Contratar um consultor quando não é realmente necessário ou adequado é ruim para ambas as partes.
Por que uma empresa optaria por contratar uma consultoria ao invés de realizar o trabalho com sua equipe interna?
Como vimos na definição acima, o ponto de partida da ideia de contratar a consultoria é a necessidade de resolver um problema (reduzir custos, eliminar erros, melhorar indicadores de qualidade, aumentar vendas, etc) ou explorar uma oportunidade (lançar um novo produto, adquirir uma nova fábrica ou centro de distribuição, se unir a outra empresa, etc). Se a sua empresa não está em nenhuma destas situações (o que é pouco provável), possivelmente ela não precisa de consultoria, você “roda” no que é comumente chamado de “business as usual” (a operação do dia-a-dia).
Mas mesmo para resolver um problema ou explorar uma oportunidade a empresa poderia utilizar os seus próprios profissionais. Então, por que contratar “pessoas de fora”, que nem conhecem as especificidades da sua empresa?
Trabalho há mais de 20 anos lidando diretamente com consultoria. Já trabalhei em grandes firmas internacionais, em boutiques de consultoria e como executiva de grandes empresas, “do outro lado do balcão”, contratando e conduzindo projetos do lado do cliente. Na minha experiência, contrata-se consultoria por uma ou mais das seguintes razões:
1) Expertise: quando a empresa não possui a especialização necessária para resolver o problema ou explorar a oportunidade. Como a questão é temporária, não faz sentido contratar profissional(is) com tal expertise para fazer parte do seu quadro de funcionários. Esta expertise pode ser tanto um conhecimento técnico específico (exemplo: implantação de um pacote de software) quanto metodológico (exemplo: gerenciamento de um projeto grande com metodologia ágil)
2) Disponibilidade: dado que o problema/oportunidade é algo que ocorre em paralelo com o dia-a-dia, se o time é bem dimensionado, mesmo que tenha a expertise adequada, não tem tempo disponível para dar foco a este projeto em paralelo às suas atividades correntes. O urgente (dia-a-dia) sempre ficará à frente do importante (projeto) e possivelmente este último não será tratado com a mesma profundidade ou velocidade do que se contratasse uma equipe externa
3) “Carimbo”: muitas vezes a empresa tem a expertise e a equipe disponível para desenvolver o projeto. Às vezes, até já sabe o que fazer, mas ainda assim opta por contratar uma consultoria externa para corroborar a sua visão. Este é o caso mais delicado e específico, pois normalmente esta contratação é solicitada por executivos de mais alto escalão e demandam empresas de consultoria conhecidas ou consultores independentes renomados e reconhecidos no assunto, de forma a ter como justificar a decisão caso algo dê errado.
Como alternativa à contratação de consultorias externas, algumas empresas optam por construir times de consultoria interna para suprir as necessidades dos itens 1 e 2 acima. Neste caso, normalmente são empresas grandes, que possuem escala suficiente para ter um time dedicado para isso e com skills suficientemente diversificados para cobrir as necessidades de projetos.
Outra prática é contratar, como executivos, profissionais originados de grandes firmas de consultoria, que possuem o tão valorizado “perfil de consultor”, acreditando que com isso não precisarão mais contratar consultoria externa, o que, analisando as motivações propostas acima, pode-se perceber que não é necessariamente verdade.
Assim, da próxima vez que começar a conversar sobre a possibilidade da execução de um projeto de consultoria, seja em qual lado do balcão estiver, avalie a existência de um problema ou oportunidade concreta e as motivações para tal. Se não conseguir identificá-los, questione a real necessidade de tal contratação. Caso contrário, você corre o risco de ter alguém estimando o número de ovelhas que o cliente já sabe.
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Gisela Sender é professora do curso “Fundamentos de Consultoria de Gestão” do Alumni Coppead. Saiba mais sobre o curso aqui.