Empreendedorismo Social: Um novo tipo de empresa

Marcelo Dionisio
Business Drops
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6 min readJun 6, 2018

Apesar das recentes crises e constantes críticas, o sistema capitalista segue crescendo, o mercado global continua se expandindo, surgem novas formas de se fazer negócio (tais como a economia compartilhada) e despontam novos gigantes multinacionais como a Uber e o AirBnB. Ainda assim nem todos se beneficiam deste crescimento.

Esse texto explora o conceito de empreendedorismo social, uma nova forma de fazer negócios e sua evolução no mercado brasileiro.

Um retrato da desigualdade

A distribuição global de renda é desigual. Segundo pesquisas, 94% da renda mundial destina-se a apenas 40% da população, enquanto os 60% restantes vivem com somente 6% desta renda.

O relatório da OXFAM — A distância que nos une — de 2017, mostra que “o 1% mais rico da população mundial possui a mesma riqueza que os outros 99% e apenas oito bilionários possuem o mesmo que a metade mais pobre da população no planeta . Por outro lado, a pobreza é a realidade de mais de 700 milhões de pessoas no mundo. Trata-se de uma situação extrema.” (p. 11).

Segundo projeções do Banco Mundial, entre 2010 e 2030, cerca de 260 milhões de pessoas viverão abaixo da linha da pobreza, em todo o mundo.

O Brasil aparece como um dos piores países do mundo em matéria de desigualdade de renda e abriga mais de 16 milhões de pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza, com projeções do Banco Mundial de uma adição de até 3,6 milhões a mais de pobres até o final de 2017.

No entanto, esse mesmo relatório conclui que a pobreza não é inevitável, e mudar essa realidade requer novas escolhas políticas e mudanças nas ações de empresas e indivíduos.

O conceito de empreendedorismo social

Idealizado pelo ganhador do prêmio Nobel da paz de 2006, Muhammad Yunus, o negócio social é uma empresa movida por uma causa social e não pela obtenção de lucro em si.

Segundo Yunus, essa empresa seria como qualquer outra, pois teria empregados, ofereceria produtos ou serviços, mas seria avaliada pelo impacto social provocado, agindo assim com o potencial de ser um agente de transformação.

Diferentemente de ONG’s, empresas sociais não dependem de doações, o que é apontado como uma limitação deste tipo de empresas. Na verdade, nos Estados Unidos as empresas sociais se desenvovleram a partir de ONG’s que viram suas doações e fundos governamentais diminuírem e partiram para uma alternativa autônoma para seguir funcionando.

No Brasil, a Endeavor define empreendimentos sociais, como empresas com fins lucrativos que buscam criar resultados sociais ao mesmo tempo que atingem seus objetivos financeiros.

Quem é o empreendedor social ?

A figura do empresário é bastante explorada no campo do empreendedorismo. Ele é considerado um agente de criação através da execução de uma ideia com visão de longo prazo, a partir da identificação, avaliação e exploração de oportunidades.

No caso de negócios sociais, além deste mesmo perfil empreendedor, um fator adicional os diferencia: uma paixão por resolver problemas sociais, um foco quase que obstinado em melhorar a vida das pessoas.

O empreendedor social também identifica oportunidades, só que relacionadas à criação de valor social e maneiras de atacá-las.

É engraçado observar, por exemplo, no documentário “Quem se importa” de Mara Mourão, casos de empreendedores sociais, que primeiro não sabiam exatamente como definir sua própria área de atuação e em seguida eram aconselhados por pessoas próximas a buscar “uma carreira de verdade”.

Esse documentário mostra o sucesso de empreendedores sociais em diversos países tais como Brasil, EUA, Canadá, Bangladesh, Paraguai, Peru e Nigéria, atuando em áreas como educação, saúde, meio ambiente e direitos humanos.

O empreendedorismo social no Brasil

O empreendedorismo social se faz cada vez mais presente no Brasil e já chama a atenção dos meios de comunicação. Uma matéria de “O Globo” de julho de 2017, indica que entre 2014 e 2016, o volume de recursos disponível para o segmento cresceu de US$ 177 milhões para US$ 186 milhões e há US$ 70 milhões em investimentos já realizados , com o apoio de empresas internacionais como a Yunus Negócios Sociais e a Ashoka.

A Artemisia, dedicada a fomentar negócios de impacto social no país, confirma o aumento de iniciativas nesse segmento. Em 2016, ela avaliou 1.300 negócios e selecionou 12 para sua aceleradora. Entre 2011 e 2015, o número de negócios que passaram pelo crivo deles saltou 600%. Em cinco anos, foram 91 negócios contemplados — 85% deles ainda ativos — recebendo R$ 65 milhões em investimento.

Semanalmente a “Veja Rio” publica a seção “Carioca nota 10” com exemplos de empresas sociais que vão desde projetos que formam mão de obra para trabalhar no ramo de gastronomia até iniciativas que desenvolvem jogadores de futebol e apoiam ex-craques que encontram-se em dificuldades.

Condições institucionais no Brasil estimulam a criação de negócios sociais

Estudos baseados na pesquisa GEM (Monitor Global de Empreendedorismo), que avalia a atividade empreendedora no mundo, projeto desenvolvido pelo Babson College (EUA) e a London Business School (Inglaterra) em 2015 produziram um relatório específico para o empreendedorismo social, apontando algumas características desse setor no Brasil.

Eles sugerem que as condições institucionais brasileiras favorecem a criação de negócios sociais, principalmente com o agravamento da crise econômica a partir de 2014.

Nicholls (2013) observa que a existente burocracia e combate à corrpução levam empreendedores sociais brasileiros a buscarem soluções criativas e inovadoras para promover o desenvolvimento de suas comunidades, principalmente através de programas de educação e saúde.

É um caso chamado na literatura de “vazios institucionais” onde a falta de uma estrutura institucional sólida, necessária para apoiar o desenvolvimento social leva a ação de empreendedores que ocupam esse espaço e na buscam prática soluções ara esses problemas.

Segundo Mair and Martí (2009), essa é uma característica comum dos países emergentes que apresentam “instituições fracas, ausentes ou corruptas, o que afeta seu funcionamento e impede seu desenvolvimento”.

O caso da Rede Asta

Um caso de sucesso neste setor é o da Rede Asta, fundada em 2005 por Alice Freitas e Rachel Schettino, duas profissionais que vinham de carreiras em grandes multinacionais e tornaram-se empreendedoras sociais.

A Rede Asta configura uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), que atua como intermediária entre grupos produtores de artesanato de regiões de baixa renda do Estado do Rio de Janeiro e o público consumidor.

Após começar impactando 35 artesãs em 2005 e com faturamento de R$ 468.000 em 2010, a rede se estruturou e cresceu para atingir em 2017 mais de mil artesãs e faturar R$ 3,6 MM (www.redeasta.com.br).

Conclusão

O mundo encontra-se em um processo de mudança com uma maior preocupação de empresas e sociedade em resolver ou mitigar os efeitos da pobreza, mal que insiste em impactar o mundo de uma maneira geral. O Brasil especificamente é ainda um dos países que apresentam os maiores índices de desigualdade.

Nessa realidade surge a ação de empreendedores sociais, que desenvolvem empresas com objetivos sociais, que andam em paralelo com seus objetivos financeiros e buscam oferecer soluções para problemas nas áreas de saúde, educação, emprego e direitos humanos.

No Brasil já temos casos de sucesso e vemos um número crescente de empresas neste segmento, onde esperam-se que finalmente consigamos através do esforço de todos promover a tão sonhada igualdade social.

Para quem se interessar visitem o site www.redeasta.com.br e conheça o documentário “Quem se importa” — www.quemseimporta.com.br.

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Marcelo Dionisio
Business Drops

Coordenador Acadêmico da Scholar Corporate, Professor de Varejo, Marketing e Sustentabilidade & Doutorando do Coppead/UFRJ em Inovação Social.