Ensino Virtual: Lições aprendidas com o impacto da pandemia nos EUA

Gisela Sender
Business Drops
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8 min readJun 13, 2020

(Tive a oportunidade de passar os primeiros meses da pandemia imersa no ambiente de Educação nos EUA, podendo acompanhar de perto os movimentos do setor. Neste depoimento procuro trazer o que tenho observado acerca dos avanços do ensino virtual, de forma a compartilhar este aprendizado.)

Com a pandemia, o trabalho remoto, que já existia em menor escala nas empresas, intensificou-se. Foi uma grata surpresa para a maioria verificar que é possível ser produtivo desta forma. O aumento da qualidade de vida, com a proximidade da família e sem o tempo de deslocamento, contrabalança na maioria das situações os pontos negativos, como a falta de contato direto com os demais membros da equipe.

Uma das empresas com as quais tive contato declarou, depois de alguns meses de trabalho remoto, que essa estrutura flexível da força de trabalho possibilitou melhorias em termos de resultados, com um aumento de 27% na produtividade, uma redução de 18% nos custos de escritório, uma redução no absenteísmo para 3,7 dias por ano e uma redução de 25% no desgaste de funcionários. No entanto, o setor de Educação não se encontrava no mesmo patamar que o mundo corporativo no momento em que a quarentena se fez necessária.

Ensino Superior

No Ensino Superior, já existiam cursos na modalidade EAD (Ensino à Distância), mas normalmente estes eram associados a um custo mais acessível e a uma percepção de menor qualidade.

Há um ano e meio estou trabalhando como Visiting Scholar no College of Business da Florida International University (FIU). Para quem não conhece, a FIU é uma das maiores universidades estaduais do país e o College of Business tem vários cursos em rankings dos Top-10 dos EUA.

Até 12 de março de 2020, quando anunciou que estaria transferindo todas as operações para o modo remoto, a FIU possuía cerca de 23% dos cursos online. Este número já era alto comparado a outras instituições de ensino nos EUA, portanto a universidade já possuía uma estrutura tecnológica e um conhecimento técnico e metodológico, estando mais bem preparada para a expansão. Talvez por esta experiência, a FIU rapidamente passou a diferenciar a nomenclatura dos cursos que já eram orginalmente online daqueles que passaram a ser ministrados remotamente, chamando-os de “cursos online” e “ensino remoto”.

Essa diferenciação pode parecer semântica, mas faz toda a diferença. Cursos pensados para serem ministrados de forma presencial (F2F, ou face-to-face) usam recursos completamente diferentes daqueles online. Cursos presenciais (os bons, claro) dependem da empatia e relacionamento do professor com a turma, valorizam-se pelo networking que propiciam entre os alunos e podem usar métodos participativos de forma mais fácil e natural. Não que estes aspectos não possam ser alcançados de forma remota, mas ficam enfraquecidos, ainda mais em culturas relacionais como o Brasil. Ouvi de coordenadores de cursos de pós-graduação brasileiros que alunos desistiram de matrículas já feitas pois não teriam a oportunidade de networking. Cursos online, por outro lado, podem usar recursos tecnológicos de forma mais contundente e propiciam mais flexibilidade ao aluno, desenvolvendo a sua autonomia.

A “virada de chave” abrupta fez com que a maioria das instituições de ensino mudassem suas aulas de presenciais (F2F) para remotas, mas não necessariamente para online.

Em um mercado em que já havia uma preocupação com a redução da procura por graduação e pós-graduação formais, como o MBA, a preocupação com a captação (novas matrículas) e retenção (permanência dos alunos atuais) só se intensificou. A experiência de uma faculdade americana vai muito além da sala de aula. As famílias são preparadas desde cedo para o grande marco que é a saída do filho de casa, quando entra na faculdade, e a escolha da instituição passa pela análise do ambiente onde o aluno vai viver, incluindo prédios residenciais, entorno e atividades extracurriculares. Este valor fica completamente comprometido com o ensino virtual. Dados os valores muitas vezes estratosféricos das anuidades de faculdades de primeira linha como Harvard e Yale, os pais, que já vinham se questionando do valor do diploma como diferencial na carreira de seus filhos, perguntam-se se vale à pena dado que o filho vai estudar pelo computador, de dentro de seu quarto.

Pelo menos por enquanto, a lógica de admissões do ensino superior americana está em xeque, e as instituições que estão no segundo pelotão (ainda muito boas, mas com preços mais acessíveis), devem aproveitar este momento para ganhar espaço.

Até mesmo os critérios de admissão estão sendo revistos. Algumas universidades não mais requerem testes padronizados como SAT/ACT, em um momento em que estes foram suspensos pois não se considerou justo que alunos de último ano do Ensino Médio tivessem que prestá-lo sem terem concluído o ano letivo da forma esperada.

Ensino Básico

Isso nos leva à situação do Ensino Básico, que é muito diferente. O estudo online nunca foi tradição nestes segmentos. A necessidade de desenvolvimento emocional das crianças sempre fez com que se acreditasse que a convivência com outras crianças era tão importante quanto a aquisição de conhecimentos formais. Ao mesmo tempo, a escola, principalmente para as crianças mais novas, é um local para as crianças ficarem enquanto os pais trabalham.

Assim, quando a pandemia chegou e as escolas precisaram se adaptar ao meio remoto, elas tiveram tempos de resposta e qualidade de soluções diferentes. De uma forma muito simplificada, percebo basicamente três situações, a partir dos contatos com pais de alunos: 1) pais elogiando as escolas, achando as aulas produtivas; 2) pais satisfeitos pelos filhos terem uma ocupação e uma rotina, mesmo que com prejuízo de conteúdo; e 3) pais que acham uma perda de tempo e preferindo que o ano letivo fosse dado como perdido, deixando as crianças livres.

Obviamente o posicionamento dos pais depende da capacidade de resposta da escola, da ocupação dos pais (se estão trabalhando intensamente em home-office ou estão mais tranquilos podendo dar suporte) e da faixa etária e características individuais dos filhos.

Nos EUA, as escolas passaram para o esquema remoto na mesma data que as do Brasil, em 16 de março. Na semana anterior, com a perspectiva de fechamento das escolas, os pais de alunos da rede pública de ensino receberam por diferentes canais uma pesquisa acerca da necessidade de computadores e acesso à internet. Aqueles que declararam que precisaram já foram para casa no último dia de aula com os equipamentos (notebooks e celulares com hotspots). Ainda assim, quem identificasse a necessidade depois, poderia solicitar e buscar o equipamento a qualquer momento. O fornecimento de alimentação, uma das funções da escola pública, foi mantido, com retirada de café da manhã e almoço.

Minha filha tinha uma rotina puxada, com 7 horas de aula por dia, praticamente sem intervalo. Acordava às 6 h da manhã e normalmente fazia deveres de casa até depois das 20 h. De uma hora para outra, ela passou a ter entre zero e três aulas por dia, com uma redução expressiva da carga de estudos.

Neste caso, onde não houve tempo hábil para preparar professores e alunos, o que se viu foi que o que fez diferença foi o professor. Os bons professores, apesar do prejuízo inerente à troca abrupta, permaneceram bons professores, procurando contrabalançar eventuais deficiências e dando suporte aos alunos. Os professores que já eram ruins, esses mostraram-se ainda piores. Alguns tornaram-se inacessíveis, outros sequer davam as previstas aulas. O ensino presencial tornou-se remoto, mas não virou online.

A contrapartida deste exemplo é a escola pensada, planejada e implementada como virtual desde a sua concepção. O Estado da Florida oferece aos alunos da rede pública a Florida Virtual School (FLVS). Por esta plataforma é possível ter 100% das aulas de forma online (FLVS Full), para famílias que optem pelo chamado Homeschooling. Além disso, a FLVS oferece a opção de quem está matriculado em uma escola pública tradicional fazer disciplinas avulsas de forma virtual (FVLS Flex), sendo estas disciplinas consideradas normalmente para o currículo.

Minha filha inscreveu-se em duas disciplinas na FLVS recentemente. A diferença é gritante para o ensino que “virou remoto”. Existe um workflow de informações entre casa (alunos e pais) e escola (professores e administração) bem definido, divulgado e suportado pela plataforma. Esta plataforma possui diferentes recursos para o ensino em si, com um material principal a ser seguido pelos alunos e materiais opcionais de suporte como sessões live de dúvidas e vídeos de aprofundamento dos temas. O formato de avaliação mescla exercícios online após o fim de cada sessão, provas de múltipla escolha e discursivas e testes aplicados pelo próprio professor, individualmente, por telefone. Além disso, há um professor designado que pode ser acessado a qualquer momento entre 8:00 e 20:00 por telefone, sem necessidade de agendamento.

Percebam como a estrutura do curso é completamente diferente daquela das aulas presenciais que simplesmente são transmitidas remotamente. E, consequentemente, a experiência do aluno também.

Porém, assim como na escola tradicional, o professor continua a ter papel importante na percepção do aluno e da família quanto à escola. Em uma das matérias, o professor entrou em contato no primeiro dia, agendou uma ligação de boas vindas com ela e comigo para esclarecer dúvidas, enviou um vídeo explicativo e responde às solicitações quase que imediatamente. O curso está correndo muito bem, com o devido suporte e a possibilidade de aprendendo em um ritmo próprio, de maneira autônoma.

Na outra disciplina, não só a professora não entrou em contato como não respondeu a nenhuma das tentativas da nossa parte, por diferentes canais. A estrutura da escola online é boa, mas a percepção fica muito prejudicada por um professor “desleixado”.

Outra questão importante a ser levada em consideração na opção pelo ensino virtual é o perfil do aluno. Crianças muito extrovertidas e sociáveis, bem como aquelas que têm dificuldade de concentração, podem se sentir angustiadas com o esquema de trabalho mais isolado. A capacidade de trabalhar com certa autonomia também é importante, caso contrário acaba sobrecarregando os pais.

Principais lições aprendidas

Estas experiências mostram que o ensino virtual pode ser uma realidade em todos os níveis de educação, porém deve-se levar em conta algumas lições aprendidas com estas experiências:

1. É necessário pensar a estrutura do curso desta forma desde a sua concepção, incluindo:

- a plataforma tecnológica,

- a dinâmica do fornecimento do conteúdo (material principal e de apoio),

- o papel do professor,

- o esquema de avaliação, e

- o suporte administrativo.

2. O professor ainda faz diferença

3. Não é para todos, depende das características do aluno

Cenário pós-pandemia

Ainda não se sabe como ficarão as aulas presenciais no cenário pós-pandemia. O período de Summer da FIU está 100% virtual, com 46% dos cursos online e 54% dos cursos remotos.

No Ensino Básico, a Secretaria de Educação da Florida enviou uma pesquisa para os pais de alunos da escola pública perguntando o que achavam de determinados cenários para um eventual retorno, visando reduzir o número de alunos na sala de aula: 1) haver dois turnos de aula; 2) os alunos terem aulas em dias alternados; ou 3) os alunos terem aulas em semanas alternadas. Questionaram também se os pais já possuíam visibilidade de haveria alguém para ficar em casa com as crianças, caso as aulas não retornassem presencialmente, mas os pais precisassem voltar a trabalhar.

As escolas particulares devem voltar, mas com turmas reduzidas. As aulas serão filmadas e transmitidas ao vivo, assim cada família pode tomar a decisão de permite ou não que o filho volte à escola, de acordo com a sua tolerância à exposição ao risco e com a sua dinâmica de funcionamento da dinâmica familiar.

Esperamos que as experiências adquiridas durante este período alimentem iniciativas que façam o setor de Educação evoluir, acompanhando as tendências de inovação de outros setores ao mesmo tempo em que mantém ou melhor melhoram os níveis de absorção de conhecimento.

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Gisela Sender
Business Drops

Atua em consultoria de gestão há mais de 20 anos, tendo sido executiva de grandes empresas. Engenheira, mestre e doutoranda em Adm, leciona em cursos de pós.