Essa Tal de Economia Circular

Gustavo Nobre
Business Drops
Published in
5 min readSep 12, 2018
“assorted plastic bottles scattered on ground” by Simson Petrol on Unsplash

Nesses anos no mundo corporativo tive a oportunidade de trabalhar com organizações que buscam demonstrar sua preocupação e conscientização com aspectos relacionados a preservação do nosso planeta através de departamentos específicos, com atuações voltadas para Responsabilidade Social / Sustentabilidade Corporativa / ESG. Algumas delas dedicam palavras de suas declarações de Missão e Visão a esses temas.

Ao interagir com integrantes dessas áreas eu percebia características comuns entre algumas dessas organizações:

- Os departamentos eram muito pequenos em comparação com sua importância, com boa parte se seus integrantes compartilhados com outras áreas e os recursos dedicados com relativa baixa senioridade;

- Os mesmos eram tratados como centros de custo e seus orçamentos considerados “a fundo perdido”. Também era notado considerável esforço aplicado no levantamento de recursos para realização de ações;

- Descolamento do negócio da organização: as iniciativas, em grande parte, não tinham relação com o propósito da organização e representavam campanhas pontuais / sazonais (ex: revitalização de praça, plantação de mudas, doação de alimentos / agasalhos);

- Ações de baixo impacto como ferramenta de Marketing: distribuição de brindes para clientes feitos com material reciclado, por exemplo.

Apesar de válidos, esses exemplos representam iniciativas periféricas, temporárias e pouco efetivas. São diversos os exemplos de organizações que realizam ações deste tipo, mas que ao mesmo tempo prejudicam o meio ambiente: altos níveis de resíduos no processo produtivo, baixa durabilidade de produtos, pouco ou nenhum tratamento de descartes, emissão de poluentes etc. Essas são características básicas de organizações que operam através do sistema chamado de economia linear, presente em nossas vidas desde os primórdios da revolução industrial. Esse sistema consiste essencialmente no processo unidirecional de extrair — produzir — descartar (take-make-dispose), em que os recursos (quase sempre finitos) são extraídos da natureza, transformados em bens de consumo e finalmente descartados ao final de sua vida útil pelos consumidores finais (sem mencionar as perdas e resíduos do próprio processo produtivo).

Para que os impactos positivos sejam realmente efetivos nas organizações, uma mudança de paradigma torna-se necessária na forma de atuação das organizações. E um novo conceito, já existente há algumas décadas, porém melhor explorado nos últimos 3–4 anos tem tudo para representar uma grande e realmente efetiva mudança. Ele é chamado de Economia Circular.

Fonte: traduzido de https://www.urbanmining.it/en/circular-economy

Este modelo de atuação visa o atingimento do chamado “zero resíduo”, através de um sistema pelo qual as organizações atuam de forma consciente desde a concepção (design) de seus produtos, com o objetivo de reduzir ao máximo as perdas no processo produtivo e o descarte no meio ambiente de resíduos não renováveis, fazendo com que os mesmos retornem para a cadeia produtiva em um ciclo contínuo.

A essa altura você deve estar perguntando: “estamos então falando da famosa reciclagem, certo?”. A resposta é: Sim e Não. É claro que a reciclagem faz parte do processo de retorno de matérias-primas para o processo produtivo (vide um dos melhores exemplos — latas de alumínio de bebidas). Mas sabe-se que o custo de reciclagem ainda é alto quando comparado com a extração direta da natureza em boa parte dos casos, e também sabemos que organizações de uma forma geral precisam gerar resultados financeiros positivos para se sustentar no mundo competitivo em que vivemos.

Vamos então explorar alguns conceitos adicionais?

1- Será que o seu resíduo pode ser a matéria prima de outra organização e vice-versa? Você já ouviu falar em Simbiose Industrial?

2- Será que a forma com o que o seu produto foi idealizado permite o retorno do seu descarte final de volta para o processo produtivo a baixos custos? Conhece o termo Cradle to Cradle? Um excelente livro sobre o tema chama-se “Cradle to Cradle: Criar e Reciclar Ilimitadamente

3- Ao final de sua vida útil, o produto (ou embalagem) pode ser reutilizado / reaproveitado para alguma outra finalidade que não seja ir para um aterro sanitário (ou mesmo para o mar)? Veja que ideia interessante do produto Clever Caps

4- Seu produto é desenhado para facilitar o processo de reaproveitamento / reciclagem (e baratear seu custo)? Por exemplo, a tampa da garrafa plástica pode ser misturada à própria garrafa e também ao seu rótulo, ou é necessário que alguém atue na separação, tornando o processo mais caro, demorado e complexo?

5- Dá pra estender a vida útil do seu produto?

6- Seu produto permite que seja aplicado o conceito de uso x posse? Você incentiva isso junto ao seu consumidor? Pense em sua própria casa: quantas furadeiras elétricas devem existir no seu prédio (talvez uma por apartamento)? Se existisse apenas uma para o prédio inteiro, talvez fosse suficiente, certo?

7- Seu cliente é estimulado, de alguma forma, a retornar a você seu produto ao final de sua vida útil? Conhece o tênis da Cisco, que além de ter suas partes feitas por impressoras 3D, são modulares, desmontáveis e 100% recliclaveis? Além disso, você leva o velho e troca por um novo?

8- E o uso eficiente promovido pelas empresas de seus próprios produtos, colocando o foco das vendas no valor agregado ao cliente em detrimento ao volume vendido, como o aplicado no conceito de Chemical Leasing, você conhece?

O custo de transição de um modelo linear para a economia circular pode parecer alto, mas trata-se de um movimento irreversível. Novas organizações têm surgido já com o pensamento circular. Isso somado a ações governamentais (vide os canudos plásticos sendo retirados do mercado), diretrizes estratégicas de países inteiros (caso da Holanda, que tem planos para tornar o país 100% circular até 2050, e que tem colaborado de forma ativa com o Brasil no fomento de iniciativas de Economia Circular, como pode ser conferido no livro Economia Circular Holanda Brasil — da Teoria à Prática), e a conscientização cada vez maior do mercado consumidor, tornam isso um caminho sem volta (felizmente).

O movimento para viabilização desta transição já pode ser visto de forma ativa na sociedade civil brasileira. Já há grupos de entusiastas por Economia Circular trabalhando de forma voluntária e organizada, promovendo encontros, discussões, seminários, com o objetivo de divulgar e debater o tema. Um bom exemplo, é o NEC — Núcleo de Economia Circular, do qual tenho o prazer de fazer parte.

A comunidade acadêmica também tem se movimentado com pesquisas sobre Ecomomia Circular, inclusive no Brasil.

E ainda há quem diga que trabalhar com “zero resíduo” é uma utopia. Para esses, lembramos que a natureza não gera lixo…

Gustavo Nobre é professor do curso “Economia Circular: Desvendando Conceitos e Práticas” do Alumni Coppead. Saiba mais sobre o curso aqui.

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Gustavo Nobre
Business Drops

Consultor Empresarial e Gestor de Projetos há mais de 25 anos, Professor na Área de Administração, Mestre e Doutor pelo Coppead/UFRJ