A esteira, o timoneiro e a felicidade

Gisela Sender
Business Drops
Published in
4 min readSep 29, 2019

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Todos nós temos o direito inalienável à busca pela felicidade, já dizia Thomas Jefferson na Declaração de Independência dos Estados Unidos, em 1776. Então, proponho aqui um exercício para te ajudar nessa busca: pare por um minuto e liste as coisas que você considera que te farão feliz.

Pensou?

Tipicamente, esta lista contém um ou mais dos seguintes itens: entrar na faculdade; começar um relacionamento com uma pessoa bacana; arrumar um bom emprego; fazer uma viagem legal; comprar um carro.

Identificou-se? Ok, parece um bom plano!

Agora vamos supor que você consiga atingir esses objetivos. Uau! Agora você está feliz, certo? Certo. Mas por quanto tempo? Parece que a lista que você acabou de elaborar do que você precisa para ser feliz simplesmente muda…

Depois de entrar na faculdade, seu objetivo passa a ser se formar.

Depois de começar um bom relacionamento, você vai querer se casar.

Depois de arrumar um bom emprego, você corre atrás de uma promoção.

Depois de fazer uma viagem, você já está pensando na próxima.

Depois de comprar um carro, você almeja um modelo melhor, ou um apartamento.

Assim, parece que passamos a vida em uma esteira elétrica, dessas que existem em academias de ginástica, como se corrêssemos, corrêssemos e não chegássemos a lugar nenhum. Esse conceito ilustrativo é chamado de “esteira hedônica” ou hedonic treadmill (1), pois o hedonismo pode ser definido como a obtenção da felicidade através do prazer instantâneo.

Essa busca incessante por novas realizações ocorre porque todos nós temos um “nível de felicidade basal” (baseline) ao qual tendemos a voltar depois que alguma variação nas condições normais da nossa vida ocorre. Essa baseline é chamada na ciência de Set Point ou Set Range e baseia-se em um componente genético. Estudos com gêmeos univitelinos e bivitelinos que foram separados ainda crianças mostram que os univitelinos tendem a ter um nível mais próximo de felicidade mesmo em circunstâncias de vida diferentes do que gêmeos bivitelinos (2). Foi encontrado até um gene da felicidade!

Assim, parece que temos um timoneiro dentro de nós que direciona o curso da nossa vida emocional. Nós herdamos esse timoneiro, que nos leva a um nível específico de felicidade. Cada um de nós possui o seu próprio nível, ao qual invariavelmente voltamos, como se fosse um “termostato de felicidade”, tal qual aquele dos ar condicionados (1). Em outras palavras, a felicidade seria um traço de personalidade, como ser otimista ou pessimista.

A boa notícia é que se isso vale para os exemplos da nossa lista acima, vale também para situações negativas. No segundo episódio do seu Podcast “The Happiness Lab”, Dra. Laurie Santos (professora da disciplina mais concorrida em Yale, sobre felicidade), traz o depoimento de um rapaz que, aos 19 anos, foi enviado para a Guerra do Iraque. Após um ataque ao seu veículo, teve 34% do corpo queimado e passou 3 anos no hospital. Hoje, cerca de 15 anos depois, ele descreve este episódio como uma “benção”, pois acha que tudo o que conquistou desde então é fruto desta experiência.

Obviamente há limites para essa adaptação, principalmente em casos extremos, como a morte de um filho, que é considerada a pior situação que alguém pode passar na vida. Ainda assim, algum tempo depois, quando os pais são perguntados sobre os desdobramentos positivos e negativos deste acontecimento, eles surpreendentemente citam mais pontos positivos do que negativos

Então é isso? Não há nada que possamos fazer para sermos mais felizes?

Aí vem outra boa notícia: segundo as pesquisas científicas sobre o tema, a influência genética sobre o nosso nível de felicidade corresponde a cerca de 50% do total. É muita coisa, claro, mas não é tudo. Os outros 50% são referentes às circunstâncias em que vivemos (cerca de 10%) e a fatores voluntários, que estão sob o nosso controle (cerca de 40%) (3).

H = S + C + V

onde: S = Set range (50%); C = Circunstâncias (10%); e V = Fatores sob controle voluntário (40%)

As circunstâncias (C) referem-se a contextos que não podem ser mudados (tais como idade e gênero) ou cuja mudança é muito difícil (como local de residência e nível de educação). No entanto, a participação dos fatores voluntários ou atividades intencionais (V) significa que com algum esforço o nosso estado emocional e nossa personalidade podem ser melhorados.

Então, da próxima vez que você ficar chateado com a sua empresa pois ela não te dá as condições de ser feliz no trabalho (ou com o trânsito, ou com o tempo, ou com a corrupção no país), lembre-se que essas circunstâncias só respondem por 10% da sua felicidade, mas que as suas atitudes e escolhas têm um impacto de 40%.

Agora, se você avalia que 40% é muito ou pouco na participação total da sua felicidade, isso provavelmente diz muita coisa sobre o seu Set Point!

Referências, caso você queira saber mais do assunto:

(1) Seligman, M. E. P. (2002). Felicidade autêntica: Use a psicologia positiva para alcançar todo seu potencial. Editora Objetiva.

(2) Lykken, D., & Tellegen, A. (1996). Happiness Is a Stochastic Phenomenon. American Psychological Science, 7(3), 186–189. doi:10.1111/j.1467–9280.1996.tb00355.x

(3) Lyubomirsky, S. (2007). The how of happiness: A scientific approach to getting the life you want. The how of happiness: A scientific approach to getting the life you want. New York, NY, US: Penguin Press.

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Gisela Sender
Business Drops

Atua em consultoria de gestão há mais de 20 anos, tendo sido executiva de grandes empresas. Engenheira, mestre e doutoranda em Adm, leciona em cursos de pós.