Comunicação no ambiente de trabalho: em boca fechada não entra mosca
Estávamos no ano 2000, e era o meu primeiro projeto como gerente. Era um projeto grande e complexo, o cliente era uma empresa líder no seu setor de atuação, uma das maiores empresas do Brasil.
Já no início do projeto as coisas não iam lá muito bem. A infraestrutura não era a mais adequada e eu estava tendo problemas com os gestores de algumas áreas de interface dentro da empresa cliente.
Fiz então o que tinha aprendido. Escalei a questão para o diretor contratante do projeto, o sponsor, através de um e-mail (é, em 2000 já tinha e-mail corporativo…) no qual eu detalhava os problemas que o projeto vinha enfrentando, citando as áreas e as pessoas com as quais eu precisava de ajuda interna de forma a não deixar o projeto atrasar.
Pois não é que o tal diretor encaminhou o meu e-mail para os gestores das áreas que eu havia citado, pedindo explicações? Como se pode imaginar, eles não ficaram nem um pouco felizes e a situação, ao invés de melhorar, piorou muito, uma vez que meu relacionamento com eles deteriorou. Tive que me esforçar muito para reverter esta situação — o que, felizmente, depois de um tempo, ocorreu.
A lição que ficou foi: se não quer que alguém leia algo, simplesmente não escreva. Assim que as palavras saem da sua máquina, elas não são mais suas, você não tem mais nenhum controle sobre elas e onde elas chegarão.
Conto esta história sempre, inclusive para os meus alunos e até para a minha filha, pois esta situação me ensinou, há 18 anos atrás, o poder das palavras em um ambiente suportado pela tecnologia. Com o passar do tempo e a evolução dos formatos de comunicação, este mesmo ensinamento foi ficando cada vez mais pertinente. Aplica-se aos áudios, serve como recomendação também para a vida pessoal e torna-se mais contundente com o uso de ferramentas cada vez mais informais e rápidas de comunicação corporativa como Whatsapp e Slack.
Em um estudo realizado com base no Benchmarking em
Gerenciamento de Projetos Brasil — 2010, que teve a participação de 460 organizações públicas e privadas, os problemas de comunicação aparecem como o terceiro problema mais citado, tendo sido mencionado por mais de 40% dos participantes.
Outra armadilha da comunicação remota nas empresas é a substituição do contato direto. Muitas vezes vemos pessoas enviando mensagens (e-mails, whatsapps, etc) para colegas que ficam no andar debaixo, ou na sala ao lado ou até mesmo na mesa em frente. Nada substitui conversar pessoalmente, que traz benefícios tais como:
- Sentimos e provocamos empatia
- Cultivamos relacionamentos
- Podemos avaliar a comunicação não verbal, que são reações à conversa tais como expressões faciais e tom de voz
- Reduzimos a possibilidade de dúvidas e/ou mal-entendidos, uma vez que o interlocutor pode perguntar e nós podemos responder imediatamente (interação síncrona)
Por outro lado, em contrapartida a esses riscos associados à comunicação remota, também aprendemos que, em um ambiente de trabalho, todas as definições e negociações devem ser muito bem documentadas, por escrito, para evitar problemas posteriores.
Logo depois de uma conversa informal, recomenda-se redigir um e-mail de forma a registrar o que foi combinado. “Vale o que está escrito”, “o combinado não sai caro”, sempre escutamos isso.
Como então conciliar estas duas diretrizes antagônicas?
ESCREVA O MÁXIMO PARA DEIXAR REGISTRADO
X
ESCREVA O MÍNIMO PARA NÃO SE COMPROMETER
Como qualquer trade-off no meio corporativo, o segredo é a parcimônia e o bom senso. E, neste caso específico, a atenção. Veja abaixo algumas dicas para se sair bem na comunicação corporativa:
- Releia os textos antes de enviar. Se o conteúdo e o destinatário forem muito importantes e/ou sensíveis, peça para uma pessoa de sua confiança ler para também avaliar.
- Pense em como você se sentiria se a mensagem chegasse a outra pessoa que não o destinatário original da mensagem. Se você não se sentiria confortável, não mande, ou reescreva o texto de outra forma. Não é uma questão de confiança na pessoa que receberá a mensagem, é uma questão de risco — você, ou ela, ou qualquer um pode enviar por engano.
- Sempre que possível, opte pela conversa pessoal ou, se não for possível, pelo menos por telefone.
- Se o assunto for importante e você achar pertinente, registre posteriormente por e-mail o que foi conversado, mas combine com o interlocutor que você irá fazer isso, para não parecer que você não confia nele.
- Caso você opte pela comunicação por escrito, seja claro e conciso de forma a não deixar margem para interpretações subjetivas. Além disso, e-mails longos demais dificilmente são lidos, ainda mais com a atenção que demandam.
- Garanta que o interlocutor recebeu e apreendeu a mensagem. Só o fato de você enviar não significa que a pessoa efetivamente recebeu, leu e entendeu. A responsabilidade de fazer a mensagem chegar é de quem comunica.
- Lembre-se que textos escritos não têm tom, cada um lê na sua própria mente como achar mais adequado, de acordo com o seu estado de espírito. Isto dá margem a mal-entendidos.
- Mesmo que a “conversa” tenha se originado em um meio remoto, caso você perceba que não está sendo compreendido ou não está compreendendo, levante da cadeira (ou levante o telefone) e fale com o interlocutor. Isso vai evitar muitas trocas de mensagem desnecessárias e um provável desgaste entre as partes. “Bate boca” por meios remotos é o pior que pode acontecer (de novo, e-mail e mensagens rápidas não têm tom!).
Com isso em mente, use sem medo estas ferramentas que efetivamente ajudam muito a comunicação no ambiente de trabalho. O princípio é o mesmo da vida pessoal — as ferramentas ajudam a conectar, mas nada substitui o happy hour!
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Gisela é professora da disciplina “Comunicação e Partes Interessadas” do curso Jovens Profissionais em Gestão de Projetos, da Alumni Coppead.