Inclusão social: Um caso de sucesso que vai além das fronteiras da empresa

Marcelo Dionisio
Business Drops
Published in
6 min readMay 2, 2018

O novo milênio viu surgir um movimento onde as empresas passaram a integrar em suas estratégias ações na busca pelo desenvolvimento social, elas entenderam que em vez de parte do problema deveriam passar a fazer parte da solução e colaborar com a sociedade, é a chamada inovação social corporativa.

Em vez de ações filantrópicas ou de responsabilidade social, motivadas por pressões externas, as empresas buscaram maneiras de implementar ações que trouxessem benefícios para a sociedade ao mesmo tempo em que seguiam entregando seus resultados demandados, em um movimento de dentro para fora, algumas vezes iniciados por um grupo de funcionários para depois ser adotado por toda a empresa.

São ações que podem ter caráter externo, buscando gerar educação, emprego, cultura ou melhora no meio ambiente, ou interno através da mudança de processos visando aumento da inclusão, diversidade, governança e transparência das empresas.

Esse artigo vai descrever o caso de inclusão de PcD’s (pessoas com deficiência) da rede de supermercados Mundial.

Uma rede 100% carioca

O Mundial foi fundado no Rio de Janeiro em 1943 com a denominação de Armazéns Mundial.

Já em 1946 a rede muda de donos, e entre 1952 e 1972 a rede cresce com sua direção promovendo funcionários a sócios da empresa, algo pouco comum nessa época.

Em 1975 é criada a denominação atual de Supermercados Mundial — uma rede sempre reconhecida como familiar com o diferencial de valorizar seus funcionários, normalmente com muito tempo de casa.

Atualmente a rede conta com 19 lojas e mais de 8.000 funcionários em seu quadro direto.

O programa de inclusão social

Seu programa de inclusão social começa em 2002 com um projeto piloto em apenas uma loja, por conta do aumento de pressão na cobrança da adequação à chamada lei de cotas de 1991 que previa que toda empresa com 100 ou mais funcionários deveria destinar de 2% a 5% (dependendo do total de empregados) dos postos de trabalho a pessoas com alguma deficiência.

Segundo o site do ministério do trabalho, a baixa escolaridade e a falta de qualificação profissional são apontadas como as principais causas da não contratação de pessoas com deficiência, além da necessidade de investimentos para adaptação na estrutura física das organizações, para que os espaços possam ser adequados ao trabalho e ao deslocamento desses profissionais.

Segundo o ministério do trabalho, apesar dos avanços obtidos, há um potencial de se triplicar o número de PcD’s integrados ao mercado de trabalho, caso todas as empresas se adequassem a esta lei.

Primeira expansão — Aprendendo a lidar com esse novo tipo de mão de obra

Com o sucesso do projeto piloto, em 2004 ocorre a primeira ampliação do projeto que passa a contar com a Sra. Laura Negro como coordenadora de responsabilidade social, que envolve toda a diretoria e todos os funcionários, de central e lojas ao mesmo tempo em que estabelece uma parceria com uma ONG especializada em trabalhar com PcD’s.

Esse movimento foi fundamental para o correto funcionamento do projeto, pois além de envolver a todos na empresa e controlar possíveis rejeições, que de fato houve por parte de um dos diretores que mais tarde virou padrinho do projeto, coloca uma pessoa responsável por desenvolver o projeto e a aprender como trabalhar com esse tipo de mão de obra, até então desconhecido pelo grupo.

Com isso foram definidas as necessidades, cargos e funções que seriam ocupadas, realizou-se um treinamento interno e em vez de 60 pessoas, foram contratadas 100 novos PcD’s para trabalhar na rede

O Projeto Hoje

Hoje, quase 16 anos depois, a rede emprega 400 PcD’s com projeção de terminar 2018 com 550 PcD’s, percentual além do exigido pela lei, com uma divisão equitativa entre pessoas com deficiência intelectual e física, o que é pouco comum no mercado.

A rede Mundial oferece aos PcD’s plano de carreira, salários e benefícios equivalentes ao de todos os funcionários, premiação por assiduidade, além de plano de alfabetização e uma equipe nas lojas formadas por madrinhas e professoras voluntárias que acompanham os PcD’s que em alguns casos demandam cuidados especiais (problemas pessoais, etc.).

Durante estes anos de projeto foram muitas ações visando integrar os PcD’s e a conquista de muitos prêmios, as quais destaco:

- Coral Somos Todos Iguais

- Escola de Samba Embaixadores da Alegria

- Comemoração ao mês da Luta em Defesa da Pessoa com Deficiência

- Confraternização das pessoas com deficiência do Mundial

O reconhecimento veio em 2016 quando a sra, Laura Negro recebeu a Medalha Pedro Ernesto da Câmara Municipal do RJ pelo projeto de inclusão do Mundial, o que o qualifica como um sucesso.

Benefícios de um plano de inclusão bem sucedido

Dessa maneira, hoje o projeto de inclusão faz parte da cultura organizacional da rede Mundial, onde nas lojas e na central todos os funcionários convivem em um ambiente diverso e harmônico.

Fora isso os PcD’s servem como inspiração para todos, pois são funcionários motivados, com baixo turnover (a média de rotatividade dos PcD’s é de 1% versus 2.5% dos outros funcionários) e que servem como exemplo de superação.

Entre os próprios PcD’s, a rede virou referência de trabalho, surgindo em alguns casos como sua primeira opção de emprego, como é o caso da Jaqueline que conseguiu seu primeiro trabalho na loja do Mundial de Botafogo, onde está há quatro anos e já vislumbra uma possibilidade de promoção.

Visitando algumas lojas e conversando com funcionários PcD’s ou não, pode-se comprovar a integração de todos, onde os PcD’s demonstram uma real satisfação em fazer parte deste grupo, de trabalhar e poder levar uma vida normal.

Além das fronteiras da empresa

Agora o que mais me chamou atenção, foi que esta iniciativa da rede de supermercados mundial cumpriu talvez o maior objetivo de qualquer ação de inovação social corporativa, ela extrapolou as fronteiras da empresa.

Ouvindo as histórias de alguns PcD’s pude ver que em algums casos sua deficiência era o menor de seus problemas.

São histórias de violência, miséria, exploração, de familiares que roubam seus salários, histórias inacreditáveis mas que infelizmente fazem parte do dia a dia dessas pessoas, que de forma surpreendente, são apoiadas e cuidadas pelos funcionários das lojas, por iniciativa própria, fora do trabalho, fora do horário de serviço.

A história do Rubinho

Para ilustrar melhor do que estou falando vou terminar este artigo narrando a história que mais me tocou, a história do Rubinho.

O Rubinho é PcD intelectual que morava com sua mãe enquanto já era funcionário do Mundial. Em 2009 ela faleceu e permaneceu dentro de casa por quatro dias, pois ele não sabia o que fazer.

Desconfiando de algum problema, seus colegas foram até a sua casa e ao deparar com aquela situação se mobilizaram e providenciaram além de seu enterro toda a arrumação da casa e dos detalhes necessários para que o Rubinho voltasse a trabalhar e levar uma vida normal.

Nesse momento surgiu uma prima distante que tentou se apossar do salário do Rubinho alegando querer cuidar dele. De novo o pessoal da loja foi em seu auxilio e acionou o departamento jurídico da rede que o instruiu sobre como proceder. Não satisfeita, a tal prima alegou ter tido gastos com o Rubinho, mas todos se cotizararm para que ele ficasse livre daquela pessoa.

Foi nesse momento que uma das funcionárias, vítima recente de uma grande perda pessoal, passou a cuidar do Rubinho, até que em 2016 quando ele teve sua casa assaltada, definitivamente o adotou.

Em 2017, Rubinho foi seu padrinho de casamento.

O Rubinho tem 56 anos e trabalha há mais de 10 anos nos supermercados Mundial. Na foto abaixo ele, sua mãe Adriana e a Sra. Laura Negro, há 14 anos a frente desse projeto, a quem os PcD’s chamam de mãe, a alma do sucesso deste projeto tão bonito.

Convido todos a seguirem a página do Facebook — Lau e a inclusão social que mostra o bélissimo trabalho da Sra. Laura Negro, pessoa fantástica que tive o enorme prazer de conhecer e que também se dedica fora das fronteiras da sua empresa a promover a causa da inclusão social.

--

--

Marcelo Dionisio
Business Drops

Coordenador Acadêmico da Scholar Corporate, Professor de Varejo, Marketing e Sustentabilidade & Doutorando do Coppead/UFRJ em Inovação Social.