Internet das Coisas ou as Coisas da Internet?

Gustavo Nobre
Business Drops
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4 min readMay 9, 2018

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Photo by Bence Boros on Unsplash

Faz pouco mais de 5 anos que tive meu primeiro contato “ao vivo” com a Internet das Coisas (Internet of Things — ou simplesmente IoT). Em um evento em San Francisco, conheci uma escova de dentes inteligente que era capaz de registrar em sua memória, com base em sensores, o histórico de escovação do usuário. Não só a quantidade de escovações ao dia era registrada, mas também a qualidade de cada uma. Posteriormente, a escova transmitia os dados para um dispositivo (celular / tablet) e em seguida encaminhava a informação via Internet para outras pessoas (por exemplo, seu dentista). À primeira vista parece algo genial, principalmente quando extrapolamos essa ideia para outras aplicações mais complexas, tais como suporte a decisões médicas ou monitoramento de poços de petróleo em águas profundas.

O termo IoT está muito relacionado a um outro recentemente famoso: Big Data. Esta relação é simples de ser entendida: a partir do momento que objetos passam a se comunicar entre si, espera-se um crescimento absurdo da quantidade de dados gerados digitalmente. E é cada vez maior a quantidade de dispositivos que já possuem formas de se comunicar com outros, e sem a interação humana direta. Certamente já ouvimos falar nos tênis que contam nossos passos e “conversam” com nossos aparelhos de celular, para usar um exemplo bem simples.

Por outro lado, a necessidade de tratamento e processamento desses dados e sua efetiva utilização ainda são uma incógnita e um desafio para muitos. Percebe-se muitos investimentos e casos de sucesso relacionados a implementação de tecnologias relacionados a aquisição / coleta de dados por meio de dispositivos inteligentes, mas comparativamente pouco se ouve falar sobre “o que fazer com esses dados”, ou casos de sucesso que demonstrem como a utilização desses dados realmente contribuiu com alguma melhora organizacional.

Alguns fatores podem estar contribuindo com essa situação:

- Necessidade de mudanças culturais: alterações em processos decisórios, principalmente em empresas de grande porte e que estão há muitos anos no mercado são complexas de se realizarem. O surgimento de novos tipos de informação, oriundas de fontes até pouco tempo improváveis, parecem não ser suficientes para permitir seu tratamento e uso efetivos por parte de executivos tomadores de decisão.

- Credibilidade dos dados: apesar de sempre terem estado lá, somente agora esses dados estão sendo utilizados de forma organizada, e por este motivo, a tendência conservadora de tomadores dos decisão de permanecerem com seus métodos atuais ainda deve prevalecer, até que se tenha total segurança quanto à veracidade desses novos dados.

- Investimento em tecnologia sem se saber ao certo o que se espera dela: ainda há executivos que investem em novas tecnologias por acreditaram que as mesmas irão contribuir efetivamente com a organização (e em alguns casos, até mesmo para melhorar sua imagem perante o mercado), mas não têm certeza quanto à sua efetividade.

- Falta de conhecimento especializado (data analyst / cientista de dados): profissionais especializados em análise e tratamento de dados já estão sendo mais demandados, muito em razão da necessidade de análise das quantidades enormes de dados que estão sendo gerados por aplicações de IoT. Mas é um perfil profissional que precisa não só ter conhecimentos técnicos especializados (tais como estatística, por exemplo), mas também quanto ao negócio da organização. E isso leva tempo. Não é à toa que empresas estão criando novas funções e cargos para viabilizar esse processo. É o caso, por exemplo, do CDO (Chief Data Officer), inexistente até alguns anos atrás.

Serão as equipes do CDO, que incluem os cientistas de dados, que irão analisar de forma racional a real necessidade de coleta de dados e suas origens para posterior tratamento, processamento e efetivo suporte à tomada de decisões.

Muito possivelmente, algumas tecnologias de IoT já implementadas para coleta de dados serão descontinuadas no curto prazo, basicamente por não se saber o que se fazer com os dados, em parte por não haver valor agregado nas informações geradas.

A adoção mal sucedida de tecnologias em fases ainda embrionárias não é novidade: o Gartner Group publica periodicamente seus gráficos de Hype Cycle que demonstram que os ciclos evolutivos de novas tecnologias passam por momentos de retração antes de atingirem a maturidade. E com as tecnologias baseadas em IoT certamente não é diferente.

Quando tivermos contato com as escovas de dentes ou fios dentais conectados, garrafas de vinho inteligentes, geladeiras que “tuítam”, carrinhos de bebês online, guarda-chuvas que avisam se vai chover, dentre outros dispositivos no mínimo curiosos, teremos que saber avaliar se é algo realmente promissor na área da Internet das Coisas ou apenas mais algumas “Coisas da Internet”…

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Gustavo Nobre
Business Drops

Consultor Empresarial e Gestor de Projetos há mais de 25 anos, Professor na Área de Administração, Mestre e Doutor pelo Coppead/UFRJ