Você negocia bem? Tem CERTEZA?

Ronaldo Deccax
Business Drops
Published in
5 min readSep 17, 2020

Todos nós superestimamos as nossas habilidades em diversas atividades. Este fenômeno é tão conhecido e cientificamente comprovado que recebeu uma denominação específica: “viés do Excesso de Confiança”. Este viés, num universo de dezenas de vieses já mapeados pela Ciência, pela sua importância é considerado “o pai de todos os vieses” por muitos pesquisadores de Julgamento & Tomada de Decisão, Psicologia e Finanças Comportamentais.

Apenas um exemplo contundente: uma pesquisa do Global Entrepreneurship Monitor junto a empreendedores no Brasil e publicada em 2015 revelou que “… 58,3% afirmaram possuir conhecimento, habilidade e experiência necessários para começar um novo negócio.”. Porém, o IBGE também em 2015 publicou que a taxa de mortalidade das empresas no Brasil nos primeiros 4 anos de vida é de 52,5%. Definitivamente, o viés do Excesso de Confiança pode “doer no bolso”. E muito.

A habilidade de negociar é uma das inúmeras sujeitas ao viés do Excesso de Confiança. E, certamente, uma das com maior potencial de perdas para indivíduos e organizações pelo seu exercício inadequado. Seja negociando com fornecedores, com clientes ou até mesmo um aumento salarial com o chefe. Ao longo de 24 anos de carreira como executivo, 20 como professor de pós-graduação e 10 como consultor eu nunca (sim, nunca!) encontrei alguém que admitisse que negociava mal. E, ao mesmo tempo, conheci raríssimos executivos realmente proficientes em negociações.

Por que a imensa maioria de nós negocia mal?

Baseado não apenas na minha experiência profissional (particularmente em Compras/ Suprimentos e em Negócios/Vendas) mas, principalmente, na minha tese de doutorado no COPPEAD / UFRJ em Julgamento & Tomada de Decisão, eu entendo que há 3 fatores explanatórios preponderantes:

1. “Racionalidade limitada”: conceito pioneiro criado por Herbert Simon em 1957 e que resultou no Prêmio Nobel em Economia com o qual foi laureado em 1978. Evidencia as limitações cognitivas do ser humano que originam todas as heurísticas (artifícios simplificadores do pensamento intuitivo para facilitar a tomada de decisões) e vieses (erros sistemáticos na tomada de decisões e decorrentes das heurísticas utilizadas) inerentes ao julgamento (acerca tudo e todos, inclusive sobre si próprio) e à tomada de decisão (em negociações, por exemplo).

2. Complexidade: negociar é uma atividade muito mais complexa do que a maioria das pessoas, negociadores experientes inclusos, se dá conta. Exige habilidades estratégicas e comportamentais, raciocínio analítico, autocontrole, criatividade, empatia, conhecimento técnico e outras competências que são passíveis de serem desenvolvidas somente após muitos anos de exercício prático, estudo e treinamento.

3. Capacitação deficiente: não obstante a disponibilidade de disciplinas e de cursos de negociação, a sua quantidade e, ainda mais grave, a sua qualidade e abordagem são majoritariamente deficientes. Por não desenvolverem a amplitude de competências necessárias e também em decorrência de abordagens, quase sempre, simplistas e “normativas” (prescritivas a partir de uma visão reducionista e determinística de mundo). Na linha do “siga esta receita e você logrará êxito”. E esta grave lacuna não é adequadamente preenchida pela capacitação “on the job”, cujo papel também é crucial na formação de negociadores capazes.

Os resultados? Basta observar ao nosso redor. Matrimônios e sociedades em empreendimentos desnecessariamente desfeitos; compradores que se gabam de terem “arrancado o couro do fornecedor” mas que prejudicam a sua empresa ao forjarem uma relação predatória e mutuamente desvantajosa a longo prazo com fornecedores estratégicos; funcionários frustrados por não terem conseguido obter nenhum aumento salarial após negociarem com o chefe e que mudam de emprego tempos depois (frequentemente para um emprego que se mostra inferior com o tempo); litígios judiciais demorados e onerosos que poderiam ter sido evitados através de um acordo prévio e aceitável pelas partes; e uma miríade de outras situações nas quais “ganhou-se a batalha, mas perdeu-se a guerra” ou, ainda pior, ambas foram “perdidas”.

Como podemos aprimorar as nossas habilidades de negociação?

Primeiro, a má notícia: não há “atalho”, o que é frustrante para a cultura imediatista quase que onipresente no frenético mundo do século XXI. Agora, a boa notícia: é possível aprimorar consideravelmente a médio e longo prazos.

Eu vislumbro 4 eixos fundamentais para uma trajetória de melhoria contínua:

1. Habilidades comportamentais: é o eixo mais relevante, mas também o mais desafiador pois exige duas das coisas mais difíceis para qualquer ser humano: autoconhecimento (sobretudo sobre seus valores, virtudes, defeitos e vieses) e mudança de comportamento (o que implica ir contra a nossa natureza afeita à inércia, origem principal do paralisante “viés do status quo”). Desenvolver habilidades comportamentais para fins de negociação contempla também aprimorar-se em autocontrole, open-mindedness, criatividade, empatia, flexibilidade, comunicação e relacionamento interpessoal, para restringir-me às mais relevantes. Não há uma “receita de bolo” aqui, mas certamente a maturidade progressivamente adquirida com a experiência profissional e de vida e o conhecimento empírico e teórico — as obras clássicas “Inteligência Emocional” do Daniel Goleman e “Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar” do Daniel Kahneman (laureado com o Prêmio Nobel em Economia em 2002) são valiosos “pontos de partida” — são instrumentos preponderantes de desenvolvimento.

2. Técnicas de negociação: há uma série de princípios (negociações integrativas versus distributivas), “ferramentas” (estratégias e táticas), variáveis críticas (poder, tempo e informação) e conceitos (BATNA, ZOPA, etc.) que precisam ser conhecidos a fundo e bastante exercitados. Também neste caso é essencial investir tanto no conhecimento “formal e estruturado” — livros como por exemplo o “Negociando Racionalmente” de Bazerman & Neale e o “Como Chegar ao Sim” do William Ury, cursos, etc. — quanto no conhecimento empírico, este último não apenas por meio da prática mas também da observação direta e atenta de negociadores que já alcançaram patamares superiores de excelência.

3. Capacidade analítica: desenvolver a capacidade de definir quais informações são prioritárias; de obtê-las tempestivamente com a amplitude, profundidade e confiabilidade necessárias; e de analisá-las de forma apropriada e diferenciada é bem menos trivial do que a abundância exuberante e instantânea de informações proporcionada pelas modernas tecnologias disruptivas faz parecer. Exige reflexão, método, visão crítica e raciocínio lógico e analítico que poucas pessoas possuem e que a educação formal raramente consegue desenvolver num nível satisfatório. Mais uma vez: conhecimento empírico e teórico (de Estatística, Filosofia, métodos qualitativos e quantitativos, etc.) necessita ser acumulado e lapidado.

4. Planejamento estratégico: identificar os interesses dos participantes a partir dos seus perfis e do “contexto” (“ambiente”); antecipar os seus movimentos (estratégias e táticas); considerar simultaneamente os cenários mais prováveis e os mais potencialmente danosos; definir as ações estratégicas e táticas cabíveis; etc. Toda negociação é, em maior ou menor grau e sob o prisma da complexidade estratégica, um “jogo de xadrez” e não um “jogo de dominó”. A maioria das pessoas negocia “jogando dominó” e achando que vai “ganhar” (como o histriônico Donald Trump), apenas uma minoria negocia como se estivesse diante de um tabuleiro de xadrez (como o Vladimir Putin, moldado por décadas de carreira como espião da KGB). Conhecimento empírico e teórico, este é o “nome do jogo”.

Como bem definiu uma das mais brilhantes mentes do século XX: “Ou você tem uma estratégia própria, ou então é parte da estratégia de alguém” (Alvin Toffler).

Desenvolver-se a médio e longo prazos nos 4 eixos fundamentais acima é uma tarefa árdua porém recompensadora. Sim, o esforço valerá a pena, pois negociar é uma atividade que todos nós exercemos diariamente, tanto no âmbito profissional quanto no pessoal e os seus resultados são determinantes para o nosso bem estar e o da sociedade como um todo.

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