Gocil/Bauru Basket e a recompensa da força coletiva

Felipe Haguehara
buzzerbeaterbr
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9 min readJun 19, 2017

Depois de dois anos batendo na trave, o time da Cidade Sem Limites finalmente ergueu a taça do NBB

Alex Garcia foi o MVP das finais, mas, certamente, não é o único responsável pelo sucesso do Bauru (Felipe Haguehara/Buzzer Beater)

Este texto começa em um pouco de contraste ao título do mesmo. Primeiramente, é preciso parabenizar o desempenho do Paulistano Basquete, que apesar de não ter conseguido segurar a vantagem de 2 a 0 construída na série, merece aplausos por onde conseguiu chegar com um elenco jovem. Bom sinal para o NBB ter uma equipe com média de cerca de 21 anos disputando o título, significando renovação das estrelas do campeonato e o efeito positivo da Liga de Desenvolvimento. Mais ainda, conseguimos nos deleitar com o talento do jovem Yago, que aos 18 anos jogou como dono da bola. Ah, e não nos esqueçamos de Gustavinho, excelente treinador que precisa receber seus méritos.

O vice-campeão, com louvores, Paulistano Basquete (Foto: Divulgação/LNB)

Por que começar o texto sem sequer citar que Bauru Basket foi o vencedor dessa série. Foi preciso garantir um espaço de saudação à equipe da capital, pois o resto desse texto é destinado ao triunfo improvável do esquadrão interiorano.

Contra quaisquer previsões

O passado recente é conhecido pela maioria. Bauru foi finalista dois anoas seguidos. Sucumbiu ao Flamengo nas duas ocasiões, uma enquanto a final era uma série melhor de três, e outra, no ano passado, quando passou a ser melhor de 5.

Diferentemente dos anos anteriores, a temporada 2016–17 não era de grande expectativa sobre sobre a equipe. O time estava mais envelhecido e perdera peças importantes com a saída de Robert Day, aposentado, e Ricardo Fisher, o rei do karma. Passou assim, um campeonato paulista colocando a molecada e poupando seus titulares par a corrida longa da liga nacional, chegou à final é verdade, mas perdeu para seu ex-treinador, Guerrinha, e o Mogi das Cruzes.

O começo pouco animador no NBB, com derrotas sonoras dentro de casa para Minas e Brasília, era o alimento que a crítica precisava. Na personificação da culpa que todos tentavam achar veio o nome do técnico, Demétrius Ferraciú. Calhou ainda a saída de Rafael Hettsheimeir, que embarcou num avião para jogar o basquete europeu. Restaria então se conformar com um adeus à competição e torcer por uma campanha digna nos playoffs?

Não, não nas mãos do mesmo Demétrius, enxurrado por críticas. Como bem disse Fernando Beagá do Canhota 10 “ele apagou toda sua prancheta, e reformulou a estratégia do time a partir da defesa”. Garante-se uma máxima, quem excruciou, hoje o carrega ao lado de seus santos.

O GIGANTE técnico do Bauru Basket, Demétrius Ferraciú (Foto: Divulgação/LNB)

“É porque, acho que a partir do momento que o Rafa (Hettsheimeir) saiu, os jogadores começaram a assumir mais a parte de cada um, a necessidade de cada um se doar um pouco mais. Então isso foi dando confiança pra eles, foi dando volume de jogo, fez com que cada um se sentisse mais à vontade e confiante. Foi um momento-chave da competição, e aí eles mostraram toda a qualidade e o que eles poderiam representar pra equipe” constatou o Ferraciú.

Belas palavras, nas quais ele não se incluiu em momento algum, e sabemos que tem muito mérito dele em montar a melhor defesa do torneio. Muito mérito dele em cada bronca sonora que sempre pode ser ouvida na fileira mais longínqua da arquibancada do barulhento Ginásio Panela de Pressão.

Todos sabiam que poderia-se contar com Alex Garcia e Jefferson William, em decisões. Mas muitas questões foram levantadas sobre o resto. Como Shilton poderia substituir o cestinha do time no campeonato como titular. Resposta dada e feita durante uma temporada regular e playoffs magníficos.

Shilton Alessanco Dos Santos, xodó e patrimônio inafiançável de Bauru a partir de agora (Foto: Divulgação/LNB

O pivô foi peça central da remontagem proposta no esquema de jogo do time. Se a teoria diz que ele não tem tamanho ou ferramentas ofensivas para brigar com os pivôs top no garrafão. Sua tenacidade defensiva e seus rebotes deram ao time as peças que faltavam para o tão criticado Monza 89 bater de frente com as Ferraris e Hummers que corriam fortes no campeonato, e até bater de frente com a Lamborghini 0 km na final.

“Apesar de todas as dificuldades, a gente não ficou focado nelas, focamos no nosso trabalho. Enquanto todo mundo desacreditava da gente, desacreditava de um ou outro jogador, convivendo com crítica ou não, a gente só sem importou em trabalhar mais um dia. Hoje é o resultado final aí!”, disse o Shilton, pivô do time, banhado em êxtase após o jogo.

O caminho nos playoffs ficou longe do tranquilo. Quem abre a tabela e vê a varrida em cima do Macaé na primeira rodada não imagina o stress e o encargo emocional segurado na garganta desses atletas. Abriu a série seguinte com derrota diante do Brasília, mas se recuperou com três vitórias seguidas.

Veio então o teste de fogo e a sequência do que expressa o peso das medalhas, hoje em seus peitos. Um 2 a 0 para construído pelo Pinheiros na série semifinal, com uma superação improvável, a qual o próprio time paulistano precisou para passar pelo Flamengo. 3 a 2 e sua terceira final consecutiva. Mais uma na trave era impossível!

Emoção com requintes de crueldade (para nós que nos emocionamos com basquete)

Chegou a final. Batuque dançante ecoando na caixa torácica. O time não era o mesmo, dominante e potente, que chovia bolas de três sempre que precisava vencer. Novamente, não era o que faturou Liga das Américas e seguiu de peito estufado para buscar vingança na final de 2015.

Era mais fraco? Isso é relativo, os nomes de vice-campeões não saem em pôsteres ou são cravejados em troféus. Não desmerecendo as campanhas anteriores, eles eram excelentes, mas no fim na história do esporte quem conquista a eternidade são os que de alguma maneira triunfaram, os que desafiaram a adversidade, situacional ou sistêmica, os que fizeram o que ninguém fez. Taxar esse elenco como mais fraco, mesmo que a mão da análise técnica trema em muitos, é de certa forma desconsiderar o valor dos gritos enfurecidos do armador Gegê nos momentos adversos do time, é fechar os olhos pro crescimento brilhante de Gabriel Jaú ao sair do banco e jogar como veterano, é ignorar que Léo Meindl queimou a língua da crítica com atuações clutchs, mais efetivo que um café preto recém passado na hora.

Enquanto todo mundo desacreditava da gente, desacreditava de um ou outro jogador, convivendo com crítica ou não, a gente só sem importou em trabalhar mais um dia. Hoje é o resultado final aí! — Shilton, pivô do Bauru Basket

Se em certo momento o monitorador cardíaco detectou fulminantes paradas em alguns após o jogo que garantiu a vantagem de 2 a 0 na série ao Paulistano, em pleno Panela. Nós do Buzzer Beater que lá estávamos vimos a seriedade dos atletas do Dragão em seguir em frente.

“A gente tem que manter a cabeça erguida, mesmo por ser uma derrota dentro de casa. É muito difícil superar, a gente tem que manter a cabeça erguida, manter o foco na vitória. E lá em Araraquara o jogo vai ser diferente, fazer de tudo para defender melhor, corrigir os nossos erros e tentar garantir a vitória”. Essas foram as palavras maduras e resistentes de Gabriel Jaú depois do jogo 2.

Em Araraquara foi diferente. Assim como foi no Ginásio Wlamir Marques. Assim como foi novamente em Araraquara. O jogo 5 foi dominado pelo Dragão, não perdeu nenhum dos 4 quartos, e se o Paulistano parecia até consegui segurar as pontas no 1º tempo, a coisa deslanchou no 2º tempo. Bauru não só segurou, como foi gigante. Começou mal o terceiro quarto como é de praxe, mas acalmou-se, arrumou a defesa e confiou no incansável Alex Garcia para conduzir o ataque.

Gegê 5 vezes consecutivas campeão do NBB! Vai Brincando!

Dentre muitas presenças ilustres no Ginásio Gigantão, estavam Nezinho, Gustavinho, Rafael Hettsheimeir (ovacionado pela torcida), e da mais ilustre, Marcelinho Huertas. O armador do Los Angeles Lakers, depois do fim do primeiro tempo, bem apontou a situação do jogo para seu time de coração e formação, o Paulistano. “Faltou morder algumas bolinhas ali embaixo que rodaram e não caíram. Erraram muitas bolas perto da cesta e erraram muitos lances-livres, o que acaba sendo um pouquinho da diferença do jogo, mas o jogo está bem igual e esse terceiro quarto é importante para ver pra onde que vai o jogo”.

Sábio Huertas, que provavelmente preferiria um caminho diferente, mais direcionado ao uniforme alvirrubro. Lembra da confiança em Alex, da qual falei, pois bem, vamos adiantar um papo, ele foi o MVP das finais, acumulou incríveis 24 pontos, 5 rebotes e 4 bolas de três convertidas. A média de pontos do monstro, foi superior à 21 pontos nessas finais. No terceiro quarto, o mais decisivo desse jogo e o que definiu a larga vantagem de Bauru no final, o Brabo arriscou 11 pontos, fez todos os 11. 100 % de aproveitamento e com direito a enterrada para alimentar a fogueira da arquibancada.

Fim de jogo. Bauru 92, Paulistano 73. 19 pontos de diferença. Nos bastidores, assistíamos a funcionários da equipe, desde os 2 minutos para o fim, em calorosos abraços e lágrimas. Faltando cerca de 20 segundos para acabar a partida já não tinha muito o que fazer. Invasão de jogadores na quadra, garrafas de água sendo arremessadas ao alto. O choro era jogado ao alto. Em certos momentos o Seu Zé, ícone e ser sagrado do Panela de Pressão era jogado ao alto. Mais uma vez, a última em 2002, um time de basquete da cidade sanduíche poderia comprar na banca de jornal, na manhã de domingo, uma edição do diário com um pôster especial enaltecendo o título.

Como o sentimento é algo subjetivo! Os mesmos atletas compartilhavam de um momento histórico conjunto, mas manifestavam de maneiras individuais (na mais perfeita significação do que é ser subjetivo). Era uma mistura de tudo. Gegê gritava, Shilton sequer parava para dar entrevistas (certo ele!), Jefferson beija sua prole, Gui Deodato marejava. Era tudo plural, vários diagramas que interseccionavam numa manifestação heroica e coletiva simbolizada naquele troféu, o qual nós jornalistas só poderíamos cobiçar com fotos e olhadelas.

“É muito especial, pelo ano que foi terminar dessa maneira é uma coisa mais que especial. E esse time foi muito forte, principalmente, mentalmente, a gente estava treinado, a gente sabia o que tinha que ser feito. Nos momentos em que estávamos com a corda no pescoço, a gente foi mais humilde, teve mais companheirismo, e a gente deu de tudo nosso para nossa cidade”. Foram essas as palavras de Gui Deodato, cidadão bauruense de corpo, coração e identificação, ancorado em olhos inchadíssimos de tanto jorrar lágrimas.

O Dragão mais emocionado do dia, grande prêmio para Gui Deaodato e sua história com a cidade

Desculpem-nos jogadores! Desculpem nós jornalistas por repetidamente perguntarmos e pedi-los para descrever seus sentimentos, ou como estavam os corações ao faturar o título. Alguns de nós, por mais sensíveis que possam ser, jamais conseguiremos definir algo tão abstrato. Somos apenas documentadores de momentos históricos, naturalmente que a profissão não se explica nessa sentença, mas em Araraquara era esse o nosso papel. Tentamos colocar em conjuntos silábicos o que é indescritível.

É, e sempre será impossível traduzirmos a subjetividade e abstração do coração em insignificantes manifestações gráficas ou combinações de fonemas. “Felicidade”, “excitação”, “êxtase” etc. são muitas essas supostas palavras que arriscamos usar. Mas, bem sabemos que o visto na comemoração de um título vai muito além disso, e com Bauru não é diferente. Vai do choro emocionante e sincero do ala Gui Deodato. Passa pelos brados ecoantes de Gegê que volta pra casa com uma medalha para mostras a sua filha, nascida horas antes da partida. Chegando na loucura que passou por Shilton, calando os críticos da idade com poses de halterofilismo e golpes de wrestling em membros da comissão técnica. Afinal, tudo isso são os indescritíveis sentimentos dos campeões.

O NBB chega ao fim. Com campeão inédito e um ano espetacular para a marca. Nos deixando com uma iminente inquietação para esperar a temporada 2017–18. Marcelinho Huertas acostumado com o alto nível das competições europeias e mais recentemente na NBA, elogiou a organização do jogo 5. “É bonito, principalmente pelo fato de ser num campo neutro, ter um ginásio cheio assim já demonstra o que o basquete cresceu. Tem que pegar estrada, não é como se fosse assistir ao jogo no Panela de Pressão. Então, o basquete brasileiro está de parabéns por realizar um evento assim!”

Quanto tempo falta pro NBB 10? Já estamos sentindo falta!

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