NBA — Semana 26: A gloria e a reverência que Nenê Hilário sempre mereceu

Heitor Facini
buzzerbeaterbr
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5 min readApr 30, 2017

Um recorde é apenas um recorde, acontece sempre. A carreira de Nenê não, é algo a ser celebrado.

Nenê é o maior ser humano vivo jogando a NBA atualmente (Houston Rockets/Divulgação)

Acertar 100% em um jogo é algo para poucos. Acertar 100% em um jogo com mais de 20 pontos é realmente coisa para poucos, além dele foram só Wilt Chamberlain em jogo de playoff. Mas é talvez muito pouco achar Maybyner Rodney Hilário, mais conhecido por todos como Nenê, um “mito” — como os jovens na internet dizem — apenas por isso, apenas por ter entrado nos livros por ter feito um recorde.

É simbólico que James Harden diga que Nenê é um mentor para ele. É muito simbólico pois aparenta que Nenê é exatamente o melhor encaixe possível para o caos que é o Houston tanto dentro quanto fora de quadra.

O casamento perfeito

Dentro de quadra a gente já sabe. Nenê tem um atleticismo excelente para chegar no ataque muito rápido e conseguir os rebotes necessários quando a bola das linhas de três — trunfo de Mike D’Antoni na montagem do elenco perfeita para o estilo de jogo, não com jogadores excepcionais, mas que encaixam com a proposta. Nenê é o equilíbrio, a calma no caos raivoso que é o ataque do Houston. É junto de Patrick Beverley a segurança defensiva da equipe. Por que com Nenê no time D’Antoni, Harden, Ryan Anderson, Eric Gordon e os outros podem atacar a bel prazer.

Mas não é apenas isso. A gente sabe que Nenê tem 34 anos. Nenê sabe o que fazer, sabe o limite das suas forças e das suas habilidades. Nenê não vai arriscar o máximo para tentar jogadas miraculosas, hero shots. Não, extremamente bem posicionado, o pivô tenta aquilo que está no alcance. Não é platisco na maioria das vezes, mas funciona. E funcionar é o que o time do Houston precise. O brasileiro é o centro de sabedoria, é o centro de calma. É como se o estilo D’Antoni fosse o Ying, e o pivô o Yang.

Harden: “Nenê é o meu mentor” (Divulgação/NBA)

Guerreiro incansável

Mas o importante é o fora quadra. Isso que aparenta que é o melhor casório de Houston e Nenê. Quando Mike D’Antoni foi anunciado pelo Houston Rockets todo mundo imaginava que aquilo estava fadado ao fracasso. O ex-treinador nunca tinha conseguido reproduzir o sucesso do seu Phoenix Suns do 7 seconds or less — o time tinha a postura de concluir o ataque de maneira insana em 7 segundos ou menos.

James Harden não vinha de um sucesso. Problemas com Dwight, máquina de turnovers, atuações inconsistentes, falhas na defesa. Isso não funcionava. Ele havia virado piada em certos momentos.

Vieram as contratações. Hoje vemos que deram certo, mas ninguém imaginava que um Eric Gordon e Ryan Anderson num afundado Pelicans fossem dar certo. Ninguém imaginava que tudo isso fosse funcionar. Só Mike D’Antoni.

Nenê mesmo, objeto desse texto. Vem tendo sua melhor temporada em tempos. Foi contratado após uma passagem abaixo do esperado no time do Washington Wizards. Era um dos com maior salário lá e não correspondeu.

Nenê vem tendo a melhor temporada dos últimos anos (Divulgação/NBA)

Mas aí entra a força de Nenê no extra-quadra. Ele é, em primeiro lugar, um guerreiro. Foi um guerreiro quando foi para a NBA em sétimo lugar no draft de 2002. Se lembre, se hoje é dificil para algum brasileiro triunfar na liga, antes era muito mais. Ninguém havia conseguido. Ele foi um desbravador e mostrou que sim, é possível confiar em brasileiros para jogar bem.

Ele também foi um guerreiro quando, chegando ao auge da carreira, conseguiu superar um câncer nos testículos em 2008. Após ter passado por quimioterapia, após ter passado pelos problemas como nausea, mal estar, fraqueza, Nenê superou e voltou a jogar. Hoje é meio dificil imaginar que o touro em quadra já teve câncer.

A redenção

Ele também foi sim um guerreiro a voltar a seleção. Para quem não lembra, por conta de problemas pessoais, por conta de problemas com times, Nenê, Leandrinho e outros jogadores que jogavam na NBA recusaram convocações a seleção brasileira. E com isso, vinham reações. Traidor! Judas! Anti-brasileiro! E mais outros diversos impropérios eram distribuidos a Nenê. Mas, da mesma forma que recusava, ele voltava. E quando voltava não ligava para vaias. E as transformava em aplausos, como os que ocorreram na Olimpíada do Rio.

Aquela devia ser a redenção do atleta. Ginásio lotado, em casa, todos gritando o seu nome e reconhecendo sim seu valor para o esporte brasileiro. Mas ai entrou nessa temporada e ele mudou o time do Houston. E vem tendo aquela que é uma das suas temporadas mais efetivas de todas.

Nenê é um guerreiro imparável (Divulgação/CBB)

O sucesso do Houston passa por diversos 3 feitos por Eric Gordon e Ryan Anderson. Passa pelo PitBull Patrick Berveley que permitiu que Harden atacasse. Passa por um dos jogadores mais habilidosos vistos em quadra com James Harden. Passa por Mike D’Antoni que bolou isso. Mas se estabiliza em Nenê. Nenê que luta, que batalha e que nos altos dos seus 34 anos consegui uma redenção.

Um recorde é bom apenas para lembra-los de que jogador maravilhoso foi Nenê Hilário. Aquele que foi uma das ilhas de seriedade e profissionalismo no basquete nacional por mais de uma década. Aquele que fez com que o basquete continuasse vivo no imaginário cultural dos brasileiros por diversos anos por mais que as confederações insistissem em derrubá-lo. Aquele que é um dos maiores ícones culturais do esporte brasileiro na última década — e o segundo em impacto no basquete brasileiro masculino (não disse qualidade, até porque não consigo sequer mensurar o peso de um Wlamir Marques, um Amaury em comparação a Nenê).

Por isso, se lembre que o recorde é bom para lembrá-lo. Mas não reduza ele a apenas essa partida perfeita. Não deixe que um jogador tão profissional, tão sensacional, um dos motivos que você talvez acompanhe basquete hoje seja reduzido a um recorde. Apenas reverencie Nenê como ele merece.

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