NBB e Caixa: a relação entre alto rendimento e dinheiro público

Buzzer Beater
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6 min readDec 4, 2016

O dinheiro investido no esporte nacional foca mais nos resultados do que no potencial transformador

A CAIXA é a principal investidora no basquete nacional (Foto: Luiz Pires/LNB)

Por Felipe Haguehara e Heitor Facini

Na temporada 2015/2016 do Novo Basquete Brasil foram 255 jogos disputados, 38.886 pontos marcados, com 30 times disputando o torneio. A Liga Nacional de Basquete é quem organiza o campeonato. De acordo com a assessoria da entidade, a Confederação Brasileira de Basketball dá a “chancela para atuar em todas as áreas que correspondem ao campeonato nacional adulto masculino de basquete”. A CBB responde apenas em relação ao quadro de arbitragem e a inscrição de atletas.

Criada em 2008, através das lideranças dos clubes nacionais, a LNB organiza outros 2 campeonatos: as ligas de desenvolvimento e Ouro — divisão de acesso.

Jorge Eduardo Scarpin, professor doutor do programa de pós graduação em contabilidade da Universidade Federal do Paraná, acredita que essa separação é benéfica. “Acho ideal. A CBB deve cuidar da seleção e da base. O resto deixa para a liga e para os clubes. Não devem se misturar”, afirma.

O interesse pelo basquete só aumenta no Brasil. Segundo a Sponsorlink, pesquisa sobre marketing esportivo do IBOPE Repucom, em 2015, a base de fãs do NBB cresceu 38%. Se considerar os “superfãs” (pessoa que é muito interessada por um determinado esporte), o número subiu 15%.

A liga de basquete vem mostrando sucesso tanto na mídia televisa quando digital.

E quando o número de fãs aumenta, o interesse dos veículos de mídia também cresce. Dados do instituto IBOPE mostram que a audiência dos jogos no canal de TV por assinatura Sportv subiu, mesmo diminuindo o número de jogos transmitidos. Em 2014/15 foram 151 partidas transmitidas alcançando 1.884.100 indivíduos. Já em 2015/16 foram 65 partidas transmitidas e 1.897.100 indivíduos alcançados.

As redes sociais passam a ser um reflexo do maior interesse do público . No Facebook, a página oficial da liga alcançou o número de 337 mil curtidas. No caso do Twitter, são 48 mil seguidores. No Instagram são 62,7 mil.

A NBA e a LNB tem parceria para troca de experiências e investimentos (Foto: FotoJump/LNB)

E isso abre os olhos de investidores no basquete nacional. No dia 11 de dezembro de 2014, o NBB e a NBA firmaram uma parceria. Segundo a assessoria de imprensa da LNB, o acordo consiste “na troca de experiências dentro e fora da quadra. Nos últimos anos, a parceria possibilitou a vinda de profissionais da liga americana para workshops aqui no Brasil”. Segundo coluna publicada no Uol, no dia 9 de outubro de 2014, a aliança também incluiria um aporte financeiro. São 5 milhões de reais por ano, durante 3 anos.

Desde o Jogo das Estrelas desse ano (que aconteceu nos dias 19 e 20 de março), a Caixa Econômica Federal é a patrocinadora master da LNB. No acordo firmado até março de 2020, serão 10 milhões de reais (2,5 milhões por ano) repassados para o campeonato feminino de basquete e 22 milhões (5,5 milhões por ano) para o masculino. A exposição da marca do banco estatal se dá através do naming rights dos dois torneios.

Esse dinheiro é destinado apenas a modalidade adulta. A base é feita “graças a um convênio firmado com o Ministério do Esporte” em informação via assessoria de imprensa. Eles ainda acrescentam que a LNB não tem nenhum projeto de esporte-educação.

A parceria com a CAIXA tem duração de 4 anos no valor de 32 milhões de reais.

Caixa investe há bastante tempo no esporte nacional

O investimento no esporte de alto rendimento é prática recorrente na Caixa. O princípio desse tipo de ação data de 1970, quando foi criada a loteria esportiva. Era destinado 10% de sua arrecadação total ao Futebol. Na mesma década o país vivia seu regime militar e um período de efervescência na propaganda esportiva, misturando-se com a propaganda política pró-governo.

A parceria entre a CAIXA e o esporte nacional vem desde os anos 70.

Além do investimento no basquete, a empresa aposta no futebol. Considerando os clubes da Série A, são 128,5 milhões de reais aplicados. Isso corresponde a aproximadamente 60% dos acordos de patrocínio master da competição. Somando os dois esportes, os valores chegam a cerca de 160 milhões de reais.

De acordo com Mário Ferreira Neto, diretor executivo de marketing e comunicação da empresa, o patrocínio em modalidades de alto rendimento visa “ transmitir ao público uma mensagem de dinamismo e agilidade com potencial de rejuvenescimento da marca, alavancar a percepção de outros patrocínios, dada a força e a intensidade da exposição, além de manter o posicionamento da CAIXA como maior patrocinadora do esporte brasileiro”.

Os números corroboram a fala do diretor executivo. A empresa, no último ciclo olímpico repassou 90 milhões de reais para a Confederação Brasileira de Atletismo, 35 milhões para a ginástica, 17 milhões para o ciclismo e 11,2 para as lutas associadas. Isso daria em torno de 38,3 milhões de reais por ano. Os números vem do balanço anual da própria Caixa. Segundo Mário Ferreira Neto, o patrocínio é repassado diretamente para as confederações e “de acordo com a avaliação técnica de cada uma e com a expertise sobre cada modalidade” diferenciam para onde vai o investimento, em base ou alto rendimento.

Os esportes olímpicos recebem 38,3 milhões por ano da Caixa. (Foto: Divulgação/Caixa)

No dia 31 de Agosto de 2016, a ex-presidente Dilma Rousseff do PT sofreu o Impeachment assumindo assim o seu vice, Michel Temer. Mesmo com a mudança de governo, Mário afirma que isso não influencia os planos da CAIXA. “Os projetos aprovados, em sua maioria, estão no planejamento de marketing da empresa, com a continuidade de patrocínios às modalidades olímpicas já citadas”, afirma o diretor.

Mesmo com as confederações decidindo o destino do dinheiro, os programas de base ou esporte-escola recebem o nome da caixa, como no caso do Atletismo com “Programa Nacional CAIXA de Apoio a Jovens Talentos”, e no caso das lutas com “Escolinha CAIXA de Luta”. Não foi encontrado nem no site da própria Caixa ou das confederações as porcentagens de repasse entre alto-rendimento e base/educação.

Temos 64% de investimento no futebol, 16% no basquete e 20% distribuídos entre Atletismo, Ginástica, Ciclismo e Lutas Associadas. Desses valores, apenas os 20% representam algum valor para esporte-base/educação. A maioria é destinada para o esporte de alto rendimento.

O foco do investimento é feito sempre no alto rendimento e não no esporte educação/base.

“O investimento deveria ser voltado para o esporte educação”

“Creio que o melhor que poderíamos ter feito era o investimento no esporte escolar e universitário. Que o esporte estivesse presente em todas as escolas públicas do país. Não com o intuito de descobrir atletas — embora isso pudesse ser uma consequência do investimento. Mas como política de combate ao sedentarismo. Quando apresentamos o esporte às crianças desde pequenas, temos mais chance de diminuir os gastos no futuro com saúde”, diz Adalberto Leister Filho, diz o jornalista do portal Maquina do Esporte especializado em marketing esportivo.

Segundo um estudo apresentado em 2013, na primeira conferência SPLISS, que trata de fatores de políticas esportivas que levam ao sucesso internacional, o Brasil fica abaixo de médias composta por outros 14 países em diversos pilares, os quais são considerados fundamentais para o sucesso no esporte. Eles vão do investimento em “pesquisa e inovação” à instalações de treinamento. Dos 9 pilares do estudo, o país fica acima da média em um (investimento em esporte de alto rendimento) e abaixo em 8.

O esporte-educação deveria ser a prioridade da empresa. (Foto: Divulgação/Caixa)

Flávia da Cunha Bastos, professora doutora do departamento de Educação Física da Universidade de São Paulo, especialista em Gestão do Esporte, compreende que os governos de outros países tem melhor organização quanto a políticas de Esporte. “Nossa realidade é que há na constituição o preceito de que dentre as manifestações do esporte (de rendimento, de participação e educacional) a prioridade deve ser no esporte educacional. Mas não é o que acontece no país. Aliás não temos uma Política de Esporte no Brasil”, complementa.

Adalberto Leister Filho afirma que a questão é muito maior do que o investimento das estatais no alto-rendimento, como a Caixa Econômica Federal. O esporte-base/educação “não é prioridade em nenhuma esfera governamental. A prioridade foi o alto rendimento nos últimos anos, sempre levando em conta que atletas consagrados geram muito mais publicidade”, diz o jornalista.

Para ele, o Estado pode investir em alto-rendimento, mas não em casos como o Campeonato Brasileiro. “Creio que o Estado deveria atuar apenas em modalidades em que não há interesse privado. É um absurdo um jogador de NBA receber bolsa-atleta. Deveria haver regras mais claras para diferenciar um atleta que não necessita desse rendimento, de um que realmente precise”, afirma Adalberto.

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