O dia em que Tim Duncan detonou com o Vasco da Gama
Há quase 18 anos atrás, o maior ala-pivô da história jogou contra a equipe carioca… e não teve dó
No dia 11 de Julho de 2016, Timothy Theodore Duncan anunciou sua aposentadoria. O nome inteiro não faz jus à sua lenda. Irônico ou não, ninguém lembrará quem é Thimothy, mas abrevie e junte ao seu sobrenome e terá toda uma significação diferente. Tim Duncan cravou na história seu nome como um dos — me exponho a dizer que foi o maior — alas-pivôs da história. Calado, tímido e pouco expressivo se diferenciou da imagem de superestrela da NBA.
Na mesma temporada Kobe Bryant, outra grade lenda, fez seu tour de despedida pelo Los Angeles Lakers. As duas ocasiões foram tão opostas quanto os polos de nosso planeta. Ao Black Mamba festa por onde passava e o Lakers longe de desejar algo na temporada. Ao Big Fundamental uma manifestação de toda sua gerência de personalidade e carreira, na calada da pós-temporada disse que não jogaria mais. Esperou o término da participação do San Antonio Spurs em seu 20º playoff consecutivo — nunca perderam um desde o draft de Duncan.
Para isso fazemos essa série de textos que serão postados durante a semana inteira, para homenagear essa grande personagem. São quatro histórias sobre sua trajetória. No único dia em que não haverá texto, publicaremos um vídeo no canal do Youtube falando de sua carreira. Por isso, pedimos para que acompanhem tudo, tudo o que falaremos dessa grande persona.
McDonald’s Open
Os jogos globais que acontecem anualmente com equipes da NBA se enfrentando em solo internacional, bem como os jogos de pré-temporada disputados com equipes de outros países, são uma face clara da tentativa de se popularizar mais ainda fora do terreno estadunidense.
Flamengo e Bauru tiveram sua chance de participar dessa pré-temporada. Mas, pra quem acha que as partidas do rubro-negro em 2014 foi a primeira oportunidade do torcedor brasileiro em ver um clube brasileiro enfrentando os gigantes da NBA. Bem, vocês está uns 15 anos errado.
No final dos anos 80 e nos anos 90 acontecia o McDonald’s Championship, também conhecido como McDonald’s Open. Era um torneio a nível mundial organizado pela franquia de fast-food que figura no nome, ele reunia os campeões continentais e uma equipe da liga norte-americana para disputar o que era, basicamente, o campeonato mundial da época — isso por que o torneio não é reconhecido pela FIBA. A partir de 1991 o torneio também passou a ser disputado a cada 2 anos.
Como é de se esperar em todas as 9 edições os vencedores vieram de solo norte-americano. De 1995 a 1999, as equipes da NBA que o disputaram foram os atuais campeões da liga. Ou seja, Houston Rockets em 1995, Chicago Bulls em 1997 e San Antonio Spurs em 1999.
Naturalmente, a história a ser contada é o torneio de 1999.
O GRANDE Vasco dos anos 90 e 2000
O Vasco da Gama pode ser uma equipe ainda se estabelecendo no NBB, porém a história da qualidade da bola laranja em São Januário data desde bem antes da liga da LNB.
O clube acumula dois Campeonatos Nacionais, em 2000 e 2001. Porém, antes mesmo de ter títulos nacionais a grandeza do basquete dos cariocas já obtivera resultados antes. Em 1998 e 1999 levaram dois Campeonatos Sul-Americano de Clubes, e em 1999 e 2000 conquistou duas Ligas Sul-Americanas.
O que nos importa nessa história é esse primeiro título da Liga Sul-Americana. O Vasco foi o primeiro time brasileiro a vencer o campeonato, e com isso ganhou o direito de disputar aquele que foi o último McDonald’s Open, sediado em Assago, Itália.
Foram 2 jogos para conseguir adicionar mais credenciais históricas à sua temporada. Ganhou do Adelaide 36ers da Austrália por 90 a 79 na partida preliminar. Fez na partida seguinte o que nenhuma equipe sul-americana conseguiu, bateu a fábrica de talentos lituana, o Zalgiris Kaunas, na semifinal por 92 a 86.
O elenco do clube carioca era formado, naturalmente, por grande ícones do basquete brasileiro. Demétrius Ferracciú, técnico do atual campão nacional Bauru Basket, estava lá; Sandro Varejão, irmão de Anderson, também. Além deles estavam os inesquecíveis Charles Byrd, Helinho, Rogério Klafke, José Vargas, Mingão, André Manteiguinha, entre outros. Ah, e não esqueçamos de Flor Meléndez, treinador porto-riquenho desse elenco estrelar.
Essas feras, assim, ganharam o direito de enfrentar o San Antonio Spurs na final. Pouco tempo depois do dia das crianças, em pleno 16 de Outubro, se tornariam não apenas a primeira equipe brasileira a bater de frente com um elenco da NBA, o fariam também como os primeiros representantes sul-americanos.
A caravela e as torres gêmeas
A relação entre o tipo de barco amplamente usado durante as grandes navegações e o marco derrubado pelo ato terrorista mais marcante da história seria nula não fosse esse sábado de 1999. A relação entre Vasco e NBA, também se resumiria apenas a Nenê Hilário.
Mas não, há muito mais, há um dos símbolos de um período sagrado do basquetebol no clube.
O heroico elenco carioca viu de perto o poder da parceria entre David Robinson e Tim Duncan. Timmy era a peça que faltava para completar Robinson, o elemento final, que em sua segunda temporada como profissional conquistou o primeiro título da história do Spurs. O primeiro de seus 5, o primeiro dos 5 de Gregg Popovich, o primeiro de todos os 5 que deu à franquia texana!
No além de Robinson e Duncan víamos caras como: Avery Johnson, Steve Kerr, Antonio Daniels, Mario Elie e Malik Rose.
A vitória, assim como nas 8 edições anteriores não fugiram dos norte-americanos. Não apenas isso, eles promoveram a maior diferença de placar em toda a história do torneio. A partida terminou 103 a 68, 35 pontos! Quem vê a vantagem do final pode pensar que foi uma baba simples, mas, na realidade, o Vasco segurou bem suas pontas, até o fatídico último quarto.
As parciais do primeiro tempo fora 28 x 21 no 1º quarto e 28 x 15 no 2º, o San Antonio saiu do primeiro tempo ganhando por 56 a 36. Porém o Cruzmaltino venceu o 3º por 30 x 23 e abaixou a vantagem que era de 20 para apenas 13 pontos.
Eis então que Pops não vacilaria, como quase vacilou com o Varese. O Spurs pressionou mais, limitou ainda mais a ação de Vargas no garrafão e obliterou qualquer chance de reação do adversário. Os brazucas fizeram apenas 2 pontinhos no quarto contra 24 dos campeões
Fim de Jogo! 103 contra 68. A lavada, no entanto, não foi o bastante para apagar o significado daquela partida, o Vascão estava lá no topo!
Timmy impossível
Nem mesmo Sandro Varejão ou Vargas, dois pivôs extremamente fortes — e isso até nos padrões de hoje — conseguiram segurar o jovem ala-pivô adversário. Logicamente estamos falando de um garrafão adversário formado por dois monstros. Tim Duncan tinha apenas 22 anos e era profissional há 2 anos, mas já saía de uma temporada com médias de 21.7 pontos, 11.4 rebotes e 2.5 tocos. E o Almirante, David Robinson, permanece como um dos melhores pivôs a pisar na NBA.
Rogério Klafke e Demétrius Ferracciú já haviam cruzado caminhos com o primeiro. Em 1994, quando ele ainda era um gigante magrelo na Wake Forest University, saindo de seu primeiro ano, estava com a equipe que disputaria o mundial. Não estava lá para jogar, mas para aprender. Foi no final de um desses treinos, que coincidiram com a chegada dos brasileiros para treinar em seu horário que Rogério o viu pela primeira vez.
“Aquilo me chamou a atenção, fiquei pensando o que será que queriam com aquele cara que parecia descoordenado para um atleta de altíssimo nível. Não sabia quem era na hora e nem me pareceu alguém de talento evidente, mas os técnicos lá já haviam identificado um grande potencial e o levavam para ter experiência ao lado de grandes jogadores, por isso também muitos técnicos estavam em volta dando dicas. Isso me marcou muito, e só depois fui descobrir que era o tal do Tim Duncan” disse o ex-ala vascaíno à ESPN, um dia após a aposentadoria do ala-pivô.
Pois é, aquele cara magrelo, quieto e descoordenado não foi exatamente um poço de piedade diante dos brasileiros. Somente no 1º quarto fez 16 pontos e 5 rebotes, segundo matéria da Folha de São Paulo feita na época. E tinha mais pra fazer?Saiba que o segundo melhor pontuador da equipe foi seu parceiro de garrafão, com 16 pontos.
Tim Duncan encerrou a partida com incríveis 32 pontos e 18 rebotes. Foi o MVP do campeonato; prêmio que já havia sido dado a Larry Bird, Patrick Ewing, Magic Johnson e Michael Jordan. Agora ele era de Timmy. Um prenúncio de sua grandeza talvez?
Futuro à parte, esse foi o carimbo que um dos maiores da história deixou no primeiro time brasileiro que resolveu embater com uma franquia da NBA. E da maneira que sabemos como fazia. Hook Shots muito bem encaixados, trabalho de garrafão impecável, sem contar os chutes de tabela e bolas praticamente retas no bico do garrafão. Na verdade até pudemos ver um passe sem olhar.
Grande Timmy! Grande Vasco! Aos mais curiosos aqui está um vídeo compilando momentos do jogo, narração de Milton Leite e comentários de Zé Boquinha na ESPN: