Como o TCC de Tim Duncan moldou a dinastia do San Antonio Spurs?

Heitor Facini
buzzerbeaterbr
Published in
6 min readJul 14, 2017

Ser egótico ou não ser? Eis a questão

Tim Duncan é o maior nome por trás da cultura Spur.

Um sentimento comum a vários jovens jogadores do basquete universitário é o sonho de entrar na NBA. E se isso se realizar o mais rápido possível, melhor ainda, maravilha. Quanto mais precocemente chegar a maior liga de basquete do mundo, mais bem sucedido você vai estar sendo. Mas Tim Duncan não é e nem nunca foi um jovem universitário comum. Não foi um atleta comum. Nunca foi um ser humano comum.

Tim Duncan prometeu a sua mãe que iria se graduar.

Desde que entrou na universidade de Wake Forest, Duncan já era observado por olheiros da NBA. Quando completou apenas 50 jogos por lá, ele já era cotado para ser uma primeira escolha de draft. Mas, mesmo assim, ele fez os 4 anos de faculdade e se graduou em psicologia. Tudo isso partiu do desejo e da promessa que ele fez a sua mãe. Ele iria concluir a faculdade.

Mas, se engana que ele tivesse só de passagem por lá. Deborah Best, do departamento de psicologia da faculdade, disse certa vez que “ele era um dos estudantes mais intelectuais que já deu aula. Tirando a altura, ele era como qualquer estudante de lá”. Isso fez com que ele se envolvesse em pesquisas, participasse de grupos de estudo e fizesse artigos acadêmicos.

Certo dia, o professor Mark Leary estava conversando com dois estudantes sobre co-escrever um capítulo do livro dele. Um deles era o jovem Timothy. “Ele não era muito de falar no início, mas a gente tava tendo uma conversa intelectual perto da terceira ou quarta semana e a oportunidade surgiu”, declarou o professor. “Ele ajudou com o capítulo tanto quanto qualquer outro da pesquisa. Deu idéias e até escreveu sentenças inteiras para ele”.

Apesar de ser um astro, ele sempre se envolveu com a faculdade.

Assim surgiu o que foi o seu projeto de conclusão de curso: “Blowhards, Snobs and Narcissists: Interpersonal Reactions to Excessive Egotism” (“Fanfarrões, Esnobes e Narcisistas: Reações Interpessoais ao Narcisismo Exagerado”). E você pode não imaginar, mas esse artigo co-escrito por Tim Duncan é uma das razões para o sucesso sem igual do time do San Antonio Spurs e sua estratégia coletiva.

O que é egotismo?

É um pouco diferente de egoísmo. Se você olhar no dicionário acha a primeira definição do termo 1. apreço, amor exagerado pela própria personalidade; egolatria, ego. E, em seguida encontra a outra, que a complementa. 2. tendência a conduzir para si a atenção, revelando pouca ou nenhuma consideração pelas opiniões dos outros; ego.

Desde que entrou na faculdade, olheiros da NBA o queriam como primeira escolha.

Basicamente, o que o artigo que Timothy Duncan escreveu diz é que alguém egótico é alguém acreditar que tem habilidades maiores do que as que tem na realidade. Não necessariamente ficar se achando sobre isso e nem achar que o mundo gira ao redor. E sim, não ter uma percepção correta do seu próprio eu e se achar melhor do que na verdade é. Ele pode ser relativo — quando você se compara a outras pessoas — ou absoluto — partindo de si.

Basicamente, então, o ser não egotivo é saber até onde você pode ir, onde começam suas limitações. “Eu não tento mudar para impressionar os outros, eu sou o que sou”, declarou Duncan.

Tim seguiu em toda a carreira profissional um ensinamento importante que estava no capítulo do livro que ajudou a escrever: saber de suas limitações. Isso permite que você consiga reduzir o seu erro, aproveitar suas qualidades ao máximo e fazer com que isso melhore o seu jogo — e de seus companheiros. Além do fato de saber o que te prejudica e tentar melhorar nesse aspecto.

A cultura Spurs

Todo ano a gente começa de novo. Treina fundamentos, tenta conectar uns aos outros e fazer com que a gente evolua”, disse certa vez, Gregg Popovich, ao falar sobre a cultura do Spurs. “Nós nunca ficamos felizes com o estado em que estamos. Feliz não é uma palavra que usamos. Sempre ficamos incomodados. Todo ano a gente começa de novo e vai evoluindo os fundamentos”.

O TCC de Duncan diz que pessoas que egósticas tendem a enaltecer constantemente sua conquista. Isso vai ao embate da cultura do San Antonio Spurs explicada por Gregg Popovich. E também vai de acordo com uma história de 2003, logo após Tim ter sido MVP.

“A gente sempre quer começar a cada ano do início”, Gregg Popovich

Na pré-temporada, o time estava indo para um hotel para treinar e se preparar para a próxima jornada. Steve Kerr, um pouco mais velho e perto da aposentadoria decidiu ficar em casa para aproveitar a família e os filhos. Tim Duncan virou e falou: “Pô, mas a gente pode ficar em casa? Não sabia disso!”. Kerr respondeu: “Tim, você é o MVP, pode fazer o que quiser”.

Essa não sensação de se sentir superior aos outros — egotismo relativo — e de não se aproveitar de feitos individuais para se gabar, faziam que Duncan acreditasse que não era especial e não teria privilégios por causa disso. Entendem a relação com a cultura do time?

Em outro momento, o artigo diz que pessoas egósticas não levam bem críticas. O que mostra o contrário dos exemplos do time onde críticas são feitas a cada temporada que começam de baixo e vão evoluindo. Por isso que tantos jogadores ‘underdogs’ viraram estrelas nas mãos de Pop: sabiam suas limitações, e, assim, sabiam que tinham de evoluir e lutaram pesado para isso.

Jogadores que sabem disso e não se enxergam como especiais, como alguém para ser reverenciados tem a tendência de sair da zona de conforto e trabalhar pesado para evoluir quem são.

“Quando os egósticos não recebem o tratamento que acham que merecem são hostis e tratam mal aqueles que estão “abaixo” deles”. Tim Duncan sempre foi reconhecido por ser um grande líder que não se impressionava com as coisas. E isso era transmitido por meio de essa cultura de sucesso.

A cultura do time foi sendo moldada através do não-egotismo: saber suas limitações para superá-las.

Pode parecer pequeno, mas, Tim Duncan completou a faculdade e no meio dela aprendeu a ser não egóstico. De certa forma, isso formou a sua personalidade como jogador e o meio que ele se comportava em quadra. A partir disso se construiu ao redor uma cultura de trabalho duro e redução do ego no San Antonio Spurs. O coletivo superava o pessoal. Assim, todos conseguem ir um passo além. Assim o time foi multicampeão e construiu uma dinastia. Tudo porque Duncan, diferente dos outros, quis terminar seus estudos e sair da faculdade com um diploma.

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