A comunidade — declínio individual em prol do coletivo

Eduardo Nunomura
Cásper CETJ
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2 min readOct 1, 2016

Por Ana Clara Squilanti

A comunidade (Kollektivet) é um filme do diretor Thomas Vinterberg, inspirado em sua própria experiência de ter crescido em uma comunidade dinamarquesa na década de 1970. O drama aborda o abalo emocional que problemas individuais podem trazer a uma experiência coletiva.

Erik, professor universitário, herda uma casa de 450 metros quadrados nos arredores de Copenhague. Sua esposa Anna se apaixona pelo local, e o dissuade a não vendê-la, mas iniciar ali uma comunidade, sob o pretexto de que isso traria mais emoção à sua vida.

Amigos próximos, colegas e desconhecidos são entrevistados e selecionados para a vida conjunta. Os jantares na casa, sempre regados a muita cerveja e cigarro, carregam o clima familiar de ceia de Natal, até que Erik traz sua aluna e amante para morar na residência. Inicialmente relutantes, os moradores concordam com a vinda de Emma para a comunidade, uma vez que foi Anna quem deu a ideia.

Ao presenciar a dedicação do marido a Emma, ela se sente deslocada e desolada. Encontra conforto na bebida, perde o emprego e parece perder seu lugar dentro da comunidade. Erik trata os problemas conjugais com desprezo, os classificando como problemas femininos. Ignora e se esquiva da situação o tempo todo, deixando a mulher Emma à mercê da casa. Distanciada do marido, Anna reclama à mesa do jantar, palco até então das discussões coletivas, a falta de sexo e atenção.

O filme é inicialmente vendido como o retrato de uma comunidade, porém aborda a situação superficialmente. A alegria e descontração do ambiente coletivo mostra os mesmos problemas de uma república universitária: objetos jogados pela casa, louça sem dono na pia e descaso ao pagar contas. Não há conflitos maiores.

Inúmeras personagens poderiam ser melhor exploradas, como o depressivo e constantemente desempregado Allon, ou Freja, filha do casal principal, madura intelectual e sexualmente aos 12 anos. Mas a decadência de Anna é o foco da trama. Decadência essa um tanto questionável. Jornalista bem-sucedida, ela aparenta inicialmente ser uma mulher forte e aberta a novas experiências, mas age passivamente. Em silêncio, deixa o ciúme corroer tudo que acreditava — a comunidade, o casamento e o trabalho.

Anna, por coesão da filha e consentimento dos demais, decide buscar sua paz na volta à vida individual. Soa estranho a personagem antes “lenha da fogueira comunitária” virar vítima de seu próprio espírito livre, e se entregar ao sofrimento sem nem lutar.

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Eduardo Nunomura
Cásper CETJ

Jornalista, professor universitário e editor do site Farofafá