‘Branco sai, preto fica’ surpreende pelo ineditismo, mas comete erros básicos

Eduardo Nunomura
Cásper CETJ
Published in
3 min readOct 1, 2016

Por José Francisco

A última obra de Adirley dos Santos — “Branco sai, preto fica” — possui uma proposta inusitada no cinema nacional e, ao menos pela ousadia da proposta, deve ser vista por todos interessados e admiradores do cinema brasileiro.

O acontecimento motriz da narrativa é um fato verídico: a intervenção racista e violenta feita por policiais militares em um baile de black music no final dos anos 1980 na Ceilândia. Desse acontecimento verídico surge o nome do filme. “Branco sai, preto fica” foi a frase dita pelos policiais ao liberarem os brancos da abordagem e agredirem duramente todos os negros do recinto.

A partir desse incidente, desdobram-se duas linhas narrativas ficcionais interpoladas. A principal, e mais interessante, é centrada em duas vítimas da ação policial, que ficaram com graves sequelas física. Essa narrativa ocorre em um futuro não tão distante, no qual a segregação social em Brasília atinge seu ápice. Os moradores das cidades-satélite necessitam até de passaporte para entrar em Brasília.

A outra narrativa retrata um estranho personagem, Cravalanças, enviado do futuro para coletar provas do abuso cometido pela polícia naquele baile, visando responsabilizar o estado brasileiro pelo ocorrido.

A fusão entre realidade e ficção, bem como esse flerte com a ficção científica, não tem paralelos na produção audiovisual brasileira. A originalidade da proposta chama a atenção do espectador.

São dignos de elogios, também, o interessante retrato histórico da cena Black na periferia de Brasília na década de 1980, a força dos personagens da história e a fotografia. O retrato de uma cidade feia, escura, suja e vazia é feito de forma simples, porém marcante e levemente poética, traduzindo em imagens a sensação de isolamento dos personagens.

Todos os personagens são bem construídos, envolventes e profundos, o que dá fôlego à narrativa. O destaque negativo é a atuação fraca de Dilmar Durãe — que interpreta o policial do futuro Cravalanças — comprometendo parcialmente seu personagem, que oscila entre cenas interessantes e trechos precários.

A denúncia social contida no filme, uma marca nas obras recentes de Adirley, é um ponto crucial tanto nos acertos quanto nos erros da obra. A força da mensagem e do retrato social tornam o filme mais interessante e profundo, porém em alguns trechos a militância reduz o roteiro a diálogos e desfechos óbvios, enfraquecendo-o.

O relato futurista almejado exigiria, para atingir a proposta plenamente, um roteiro mais amarrado e uma produção mais cuidadosa e, talvez, mais cara. Os diálogos vindos do futuro chamam atenção negativamente, lembram uma produção universitária e prejudicam o resultado da obra, que parece às vezes um pouco amadora.

Nos seus melhores momentos, trata-se de um filme inovador e potente que obriga o espectador a refletir sobre tema caros ao Brasil: o apartheid social e o racismo. Em seus piores momentos o filme soa amador e faz um relato futurista muito preso a características do cinema nacional, o que dá um sotaque estranho à obra, comprometendo um pouco a sua verossimilhança.

--

--

Eduardo Nunomura
Cásper CETJ

Jornalista, professor universitário e editor do site Farofafá