No rastro da loucura — Uma resenha do Rastro de Cthulhu

Stefano Pelletti
CamaraObscuraRPG
Published in
4 min readMay 29, 2019

Escrito originalmente em 11/12/2017

O Rastro de Cthulhu é um RPG de horror investigativo escrito por Kenneth Hite com base no sistema GUMSHOE do Robin D Laws, com a temática sempre maravilhosamente mórbida das obras de H.P. Lovecraft e seus mitos sobre os Grandes Antigos e os Deuses Cósmicos, entre eles, o mais famoso, Cthulhu.

Após ter financiado a reimpressão em português da terceira edição do jogo pela Retropunk, recebi um belíssimo exemplar do livro em capa dura e mergulhei na leitura (para comprar — http://retropunk.net/editora/roleplaying/rastro_de_cthulhu/).

O sistema é rápido e enxuto para o que se propõe, ou seja, foco nas investigações dos personagens (chamados no livro de Investigadores), combates com regras simples e uma excelente sacada ao trazer dois tipos de equilíbrio mental: Estabilidade e Sanidade. Enquanto a primeira habilidade informa a saúde mental a curto prazo do Investigador, a segunda é o termômetro de quão perto ele está da loucura total.

O livro em si, inicialmente, é confuso, pois parte do pressuposto que você já sabe, mesmo que superficialmente, como funciona o sistema de jogo. Eu não sabia e me senti extremamente burro ao ler as primeiras cinquenta páginas e não entender bulhufas. A partir da página 51 é que as coisas ficaram cristalinas!

O sistema usa um único D6, comum, sem firulas, para os testes e disputas das chamadas Habilidades Gerais e para o combate. Existem dois tipos de habilidade no jogo: Habilidades Investigativas e Habilidades Gerais. As habilidades investigativas são aquelas relacionadas à investigação em si e a conhecimentos acadêmicos (ex. História da Arte, Coletar Evidências, Interrogar, Sabedoria Popular, etc.). Já as habilidades gerais são aquelas que, em tese, são acessíveis a todos e tem relação com ações físicas mais que mentais (Armas Brancas, Dirigir, Fuga, Atletismo, etc.). No momento da criação do personagem, além de uma profissão, você escolhe uma Motivação, que será aquilo que lhe dará norte em sua jornada rumo à loucura do Mythos de Cthulhu: após essa escolha, você definirá quais são suas habilidades ocupacionais, aquelas habilidades nas quais tem maior mestria e, portanto, terá vantagens ao aumentar seu nível durante o restante da criação de seu Investigador.

Cada jogador possui 65 pontos de criação para gastar com Habilidades Gerais e um número variável de pontos de criação para gastar em Habilidades Investigativas, inversamente proporcional ao número de Investigadores. Cada ponto gasto numa habilidade lhe dará um ponto naquela habilidade, o que acrescerá sua reserva de pontos naquela habilidade, que você usará durante os testes para ganhar bônus na rolagem de dado (Habilidades Gerais), ou lhe garantirá um benefício, um plus, ao encontrar uma pista, algo que será útil no futuro, ou fará seu personagem brilhar naquela cena. Para as habilidades definidas como ocupacionais, por cada ponto investido, terá dois pontos na habilidade.

Algo interessante: as Habilidades Investigativas nunca são roladas! O foco do jogo é interpretar as pistas e encontrar o desfecho da investigação e não encontrar cada migalha. Por isso, basta o Investigador ter a habilidade na ficha e anunciar ao Guardião (é como o narrador é chamado) que vai utilizá-la na investigação. Dessa forma, a história não empaca caso os jogadores não achem as pistas e o jogo fica bem fluido. Apesar de ser um conceito bem diferente do que estou acostumado (sou meio que um jogador mais gamista que narrativista), a coisa me empolgou dentro do contexto geral do Rastro de Cthulhu, pois parece que casa perfeitamente com o interesse do jogo de conduzir os jogadores em uma trilha de pistas até a grande revelação da verdade enlouquecedora.

Após ter lido o livro, logo marcamos uma jogatina. Decidi por narrar uma aventura pronta, para me inteirar da organização das sessões e ganhar mais tranquilidade com o sistema. Peguei O Incrível Caso de Thomas Fell e caímos para dentro!

O jogo é fluido mesmo, tudo roda liso; inclusive, caso os jogadores não aprofundem as interpretações, liso até demais. A perca constante de Estabilidade gera um clima de urgência, pois a cada momento os Investigadores estão mais perto de ficarem completamente ensandecidos, enquanto qualquer encontro físico pode ser devastador.

Os Investigadores chegaram ao final da aventura bem machucados, mais psicologicamente que fisicamente, ambos tendo alcançado níveis negativos de Estabilidade e ter perdido ao menos um ponto de Sanidade.

Apesar dos muitos pontos positivos, tive problemas em manter um ritmo de jogo adequado, às vezes acabando tudo rápido demais, às vezes o jogo se enrolando, mas sigo procurando formas de entender como melhorar esse pacing.

Enfim, é um jogo que curti bastante, aliando a fantástica ambientação de Cthulhu ao sensacional sistema Gumshoe e transforma a caçada pela verdade em uma espiral descendente em direção à insanidade!

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