10 Grandes Narrativas dos Games em 2015

Lucas Millan
Cabine Literária
Published in
12 min readDec 13, 2015

2015 foi um bom ano para os games. Com a nova geração de consoles bem consolidada e uma onda de jogos financiados pelo Kickstarter finalmente vendo a luz do dia, estamos vivendo um momento rico na industria.

Tão rico que é mais impossível do que nunca jogar todas as coisas boas que saem. Tão rico que fica difícil acompanhar todos os lançamentos e decidir por onde começar.

Esta lista pretende reunir aqueles jogos que se destacam por sua narrativa. Este ano foi recheado de lançamentos que, seja por seu preciosismo ou por sua originalidade na hora de contar suas histórias, merecem ser jogados. A intenção era montar uma lista o mais variada possível, dando prioridade para jogos menores que talvez tenham passado desapercebidos pelo público geral.

1- The Talos Principle

Gênero: Puzzle em 1ª Pessoa

Plataformas: PS4, PC e Mac

Versão em Português: Completamente localizado em PT-BR

Um dos maiores desafios da arte e da filosofia sempre foi nos ensinar a entender as coisas, um entender que vai mais além do saber. Sabemos, por exemplo, que nosso tempo na Terra é limitado, que tudo tem um fim. Mas este é um conceito tão abstrato para nós, tão distante e, principalmente, tão assustador que o varremos para debaixo do tapete do inconsciente, e vivemos nossas vidas como se fossemos seres imortais em um mundo infinito. Sabemos que o fim está mais próximo do que queremos acreditar, mas evitamos entendê-lo. The Talos Principle é um jogo que nos ajuda a entender essa fugacidade.

Nesta pérola do final de 2014, mas que todos jogaram em 2015, você é um robô, uma inteligência artificial que desperta em uma simulação. Elohim, uma voz divina que se diz o Criador de tudo, diz que se você resolver todos os quebra-cabeças espalhados pelos mundos criados por Ele, você poderá unir-se a Ele em um plano superior. Mas caso você ousar desobedecê-lo e subir a colossal torre erigida no centro de tudo, você será punido.

Cada novo setor revela, além de novos (e desafiantes) quebra-cabeças, uma série de terminais contendo fragmentos de documentos pertencentes à outra época. São diários, históricos de chats, fragmentos de textos filosóficos, gravações em audio de uma cientista… Pequenas pinceladas que não apenas revelam, pouco a pouco, o que é aquele mundo e o verdadeiro propósito de Elohim, como também te fazem pensar constantemente sobre as grandes questões que desafiam a humanidade desde o inicio dos tempos.

The Talos Principle é um excepcional jogo de quebra-cabeças cuja ambientação bucólica permite ir mais além da gratificação de resolver um problema lógico. O silêncio, o isolamento, a leitura, tudo te incita a ir mais além, a fazer perguntas maiores e maiores, até você se perder ante a grandiosidade do universo e a pequenez de sua própria existência. Um belo exemplo de que a ficção científica continua sendo um gênero poderoso.

2- Undertale

Gênero: RPG

Plataformas: PC

Versão em Português: Apenas disponível em inglês

De tempos em tempos aparece uma obra capaz de superar um paradigma e transformar todo um gênero. Undertale é uma dessas obras.

Este RPG financiado pelo kickstarter e desenvolvido quase completamente por apenas uma pessoa parece pertencer à outra época. Seus gráficos de Nintendinho, sua trilha sonora minimalista, seus personagens feitos de pouco mais que um punhado de pixels. Tudo em Undertale berra nostalgia barata, dessas que a indústria insiste em explorar. Mas o que a principio parece ser seu ponto fraco, acaba sendo sua maior conquista, provando que você não precisa de gráficos espetaculares para contar uma história espetacular.

A morte sempre esteve presente nos games como um objetivo. Desde Super Mario até Nathan Drake, o hall da fama dos grandes protagonistas dos games está repleto de genocidas compulsivos que não sofrem nenhuma consequência moral por seus atos. Em Undertale, ninguém precisa morrer. As ações do protagonista afetam o mundo de uma forma interessantíssima que te fará pensar duas vezes antes de matar alguém em qualquer outro jogo.

Undertale é um jogo que compreende seu meio e o explora da melhor maneira possível para contar uma história ao mesmo tempo única e universal, uma história que, com muito pouco, consegue te fazer rir, chorar, ter medo e se embriagar de DETERMINAÇÃO. Sem dúvidas um dos maiores tesouros não só de 2015, mas da história dos games.

3- Soma

Gênero: Terror Psicológico/Sci-Fi

Plataformas: PS4, PC, Mac, Linux

Versão em Português: Legendas e Interface em PT-BR

O que te torna você? Você é a mesma pessoa que há vinte anos? E há cinco minutos? Se a sua consciência fosse transferida à outro corpo, você ainda seria você mesmo? E se o seu corpo ganhasse uma nova consciência? E se, por um acaso, fizessem uma cópia de seu corpo e de sua consciência, quem seria o autêntico? O que te tornaria mais autêntico que a sua própria cópia? O que te torna mais verdadeiro, mais humano? Estas são apenas algumas das perguntas que SOMA, novo jogo do estúdio que nos trouxe o premiado Amnesia, esfrega na sua cara.

Enquanto que The Talos Principle se baseia na vertente mais otimista do Sci-Fi New Wave dos anos 60 e 70, SOMA mergulha de cabeça no pessimismo do que desembocaria no Cyberpunk. Uma vertente suja, decadente, corrupta. Uma vertente que acredita no potencial de crescimento humano, mas é incapaz de ignorar sua tendência a desvirtuar os seus próprios ideais.

SOMA é um jogo de terror e exploração no qual você encarna Simon, um rapaz que perde sua parceira em um acidente de carro e se vê obrigado a ir à rehabilitação devido a um forte traumatismo crânio-encefálico. Em uma de suas sessões de encéfalocardiograma, ele se sente enjoado e acaba adormecendo. Sem maiores explicações, ele acorda em um complexo submarino cem anos no futuro. Enquanto você tenta descobrir como você foi parar ali, você se encontra com o que parece ter restado da equipe que um dia havia trabalhado naquelas instalações: robôs que se dizem humanos, inteligências artificiais com claras segundas intenções e criaturas nem humanas nem artificiais que te perseguirão até o fim do mundo.

Apesar de ser um sucessor espiritual de Amnesia, não é um jogo de terror convencional. Possui, é claro, o mesmo tom opressivo e desconfortável que clássicos do gênero como I Have no Mouth and I Must Scream e Alien, mas assim como esses clássicos, SOMA dissolve o terror no ácido sarcasmo de seus diálogos, no absurdo de suas situações e no barroco de sua estética. SOMA é um grande representante do terror sci-fi pois não tenta apenas te assustar, tenta te fazer sentir sujo, impuro, desumano, sensações que perduram após você ter desligado seu videogame.

4- The Beginner’s Guide

Gênero: Exploração em 1ª pessoa

Plataformas: PC, Mac e Linux

Versão em Português: Sem versão em PT-BR

O desenvolvedor independente Davey Wreden, um dos criadores do aclamado The Stanley Parable, utiliza sua fama para criar algo íntimo. Em The Beginner’s Guide, Davey reúne uma série de pequenos jogos criados por um amigo, Coda, e constrói um relato apartir deles. Como se estivéssemos em um museu, passeando por diversas galerias enquanto um guia nos conta a história por trás delas, Davey pretende nos contar quem é seu amigo a partir dos jogos, pessoais, expressivos, que ele criou em um momento turbulento de sua vida.

Durante aproximadamente duas horas, passeamos por diferentes propostas, ligando os pontos de sua vida e nos perguntando sobre a experiência de um criador de videogames como um artista. O que lhe motiva? O que lhe atormenta? Quais são os seus objetivos? Por que nos importamos tanto? Por que o próprio Wreden se importa tanto? Perguntas que escalam da curiosidade à obcessão em pouquíssimo tempo.

The Beginner’s Guide é uma das obras mais interessantes e discutidas de 2015. A proposta narrativa de Davey Wreden utiliza as especificidades formais e culturais dos videogames para trazer à tona questões tão universais e atemporais quanto o papel da arte, a relação entre o artista e sua obra e nossa própria relação, como espectadores, com a arte e com a figura do artista.

5- Her Story

Gênero: Investigação/FMV

Plataformas: PC, Mac

Versão em Português: Apenas disponível em inglês

Houve uma época em que parecia que o FMV (Full Motion Video) seria o futuro dos games. Mas jogos com atores reais dificilmente eram levados a sério e o formato logo caiu em desuso. Her Story é a prova de que sim, é possível criar algo instigante, sério e emocionante com o formato.

Você é alguém que entra em um antigo computador em um departamento de polícia para investigar um antigo caso de assassinato. Você tem acesso a uma base de dados, incluindo os depoimentos em vídeo associados ao caso, todos digitalizados e catalogados apartir de palavras-chave. Como nada te diz exatamente o que você está procurando, você terá que usar todo o seu poder de dedução para adivinhas as palavras-chave que te levarão a novos vídeos que revelarão novos fragmentos da história. Como um verdadeiro detetive, você tem que, pouco a pouco, juntar os pontos para entender as diferentes faces deste mistério.

A brevidade dos vídeos, o sutil trabalho de direção e edição em cada um deles, a impressionante interpretação da única atriz, o fato de você ser obrigado a pensar em todas as possibilidades para descobrir novos vídeos tornam Her Story uma experiência ímpar que brinca com as suas expectativas de uma forma que vai além de qualquer livro ou filme de mistério.

6- Cibele

Gênero: Ficção Interativa

Plataformas: PC, Mac

Versão em Português: Apenas disponível em inglês

O clichê do primeiro amor. Garota conhece garoto. Essa história que, ao mesmo tempo que é universal e atemporal, se adapta aos diferentes contextos culturais e sociais. Cibele é uma dessas histórias. Uma garota conhece um garoto. Mas desta vez é em um jogo online.

Cibele é uma experiência que beira o voyeurismo. Autobiográfico, você entra em uma reprodução do desktop da criadora, Nina Freeman, explora seus arquivos, suas fotos, seus chats, os posts antigos em seu blog. Você acompanha a particular evolução da intimidade entre ela e o garoto com quem ela passa horas e horas jogando o mesmo jogo. Como essa intimidade vai evoluindo e como isso afeta sua vida pessoal a partir de novas fotos, novos e-mails, novos posts em seu blog.

Cibele é a típica história de garota conhece garoto, mas nos permite explorar a intimidade de uma pessoa de uma forma única e original. Assim como o gênero epistolar na literatura e o documentário no cinema, Cibele descobre uma nova forma de explorar a subjetividade que apenas é possível graças a interatividade.

7- The Witcher 3: Wild Hunt

Gênero: RPG

Plataformas: PS4, XBox One, PC, Mac

Versão em Português: Completamente localizado em PT-BR

Infelizmente estamos cada vez mais acostumados a ver grandes produções tentando atingir o maior publico possível, sacrificando ideias originais ou complexas que afastariam o “povão”. Produzir um jogo é cada vez mais caro e o retorno precisa ser cada vez maior e os riscos, cada vez menores. Por isso é um alivio tão grande que The Witcher 3: Wild Hunt exista.

Com um dos melhores gráficos da atualidade, com um dos maiores e mais recheados mapas da historia, com um dos universos mais preciosistas que possamos encontrar na industria, a obra prima dos polacos da CD Projekt Red prova que um jogo pode ser ao mesmo tempo grandioso, caríssimo, popular e complexo. Para aqueles que quiserem mergulhar em um mundo de fantasia medieval genérico, matar criaturas exóticas e explorar cenários sublimes, The WItcher 3 é um prato cheio. Mas para aqueles que quiserem realmente viver uma historia épica, o terceiro e último capitulo na historia de Geralt de Rivia é surpreendentemente profunda. Constantemente dialogando com os jogos anteriores e com a saga literária na qual se baseia, The Witcher 3 consegue ter o peso épico de um Retorno do Rei que ficará na memória não apenas dos mais fanáticos, como também dos marinheiros de primeira viagem.

8- Life Is Strange

Gênero: Adventure Game

Plataformas: PS4, PS3, XBox One, XBox 360, PC, Mac

Versão em Português: Apenas disponível em inglês

O fim da adolescência é um dos momentos mais intensos de nossas vidas, quando desejos, possibilidades, potenciais e emoções eclodem sob a pressão de nos tornarmos adultos. Esse é o momento que define o que seremos pelo resto de nossas vidas e a pressão não poderia ser maior. O que você faria se você pudesse controlar o tempo e refazer algumas das decisões que moldaram o que você é hoje?

Max Caulfield tem essa oportunidade. Enquanto ela tenta se adaptar ao seu novo colégio, uma academia de elite marcada pelo desaparecimento de sua estudante mais popular e respeitada, Max descobre ser capaz de voltar alguns minutos no tempo ao seu bel prazer. Mas ao mesmo tempo em que isso abre um mundo de possibilidades, acaba tendo consequências que podem por em risco não apenas a sua popularidade como também o futuro de toda a sua cidade.

Life is Strange é um adventure game que dá nova vida a fórmula da Telltale, onde as decisões do jogador têm um papel essencial no desenrolar da trama. Diferente de The Walking Dead, onde as decisões eram tomadas sob a pressão de uma contagem regressiva, Life is Strange te dá todo o tempo do mundo para pensar nas consequências de teus atos, experimentar opções e utilizar os poderes de Max para voltar no tempo e escolher outro caminho. E mesmo com toda essa liberdade dada ao jogador, cada escolha tem seu peso.

Sua narrativa se destaca por sua delicadeza visual, pela caracterização do mundo de Max e sua interação com ele pela fotografia. Como dizia Louis Delluc, a fotogenia é aquilo espacial e temporal que torna as coisas dignas de serem capturadas por uma lente. A mudança, a transformação. E nesse sentido, Life is Strange é extremamente fotogênico.

9- Until Dawn

Gênero: Adventure Game

Plataformas: PS4

Versão em Português: Completamente localizado em PT-BR

O gênero Slasher surgiu como uma proposta paródica aos filmes de terror. Com personagens caricatos e situações absurdas, sua proposta sempre foi a de equilibrar-se entre a tensão de um thriller e a galhofa de uma sátira. Quando bem realizado, o gênero consegue ser divertidíssimo, tanto que ganhou um lugar no imaginário popular graças a series como Halloween, Sexta-Feira 13 e Pânico.

Until Dawn, além de ser uma grande homenagem ao gênero, consegue elevá-lo ao próximo patamar. Sua trama é simples: um grupo de jovens pretende passar uma noite em uma casa de campo, mas uma série de ameaças frustram seus planos e transformam o que seria uma festa regada a sexo e álcool em uma luta pela sobrevivência.

O que poderia ser uma história rasa e boba é salva por um sistema que permite ao jogador tomar decisões que afetam diretamente o desenrolar da trama. Dependendo de suas ações e decisões, segredos são revelados, subtramas são desenvolvidas e personagens morrem. Ou sobrevivem. O jogo inteiro, a história inteira é moldada pelo jogador de forma eficiente e intrigante, as consequências de seus atos pesando como em poucos jogos até então.

10- Pillars of Eternity

Gênero: RPG isométrico

Plataformas: PC, Mac, Linux

Versão em Português: Sem versão em PT-BR

A melhor definição de Pillars of Eternity é “denso”. O detalhismo em seus cenários pré-renderizados, a quantidade de informação contida em cada linha de diálogo, a cultura enciclopédica de seu universo, a complexidade de seu sistema de batalha, tudo em Pillars of Eternity exige a atenção e a dedicação do jogador. Mas uma vez superado esse obstáculo, a recompensa é um dos jogos mais imersivos da atualidade.

Construir a sua party, ouvir a história particular de cada personagem, manipulá-los durante as batalhas com o máximo de precisão possível, explorar cada canto do universo clássico de Dungeons and Dragons adaptado para uma nova história que, em tanto que reconhecível, consegue ser única justamente pelo engajamento do jogador com cada um dos elementos que a compõem.

Pillars of Eternity é aquela campanha de RPG daquela roda de amigos que durou anos, condensada em mais de cem horas de conteúdo meticulosamente construído. É aquele jogo obscuro da década de noventa, só que mais polido e com uma interface clara ao mesmo tempo em que completa. É aquela história que vai muito além de uma simples trama, é uma experiência, uma vida.

Siga o autor no Twitter e aqui no Medium para mais textos!

--

--