Educadores não gostam de sexo

A inútil preocupação com pudores nos livros Young Adult

Augusto Assis
Cabine Literária

--

por Augusto Assis

No meio de tanta gente querendo impor o que é normal e o que é desvio, o que é moral e o que é imoral, ou o quanto a sua sexualidade lhe define como indivíduo, os livros entraram de gaiato: há educadores que veem perigo em livros com cenas de sexo.

Muitos livros juvenis trazem conteúdo explícito, relacionamentos homossexuais e diversas outras situações consideradas “estranhas” por atravessarem a bolha de proteção imaginária em volta desses leitores. Isso trouxe uma discussão importante sobre a abertura que temos em nossa época para esse tipo de conteúdo.

Antes de começarmos a falar sobre o que eu penso de tudo isso, talvez seja bom vocês terem o mesmo ponto de partida que tive.

Uma matéria do O Globo — sim, eu sei que o O Globo gosta de representar tudo que há de conservador e retrógrado, mas é um grande veículo, então recomendo a leitura caso queira outro ponto de vista — dizia que a presença forte de sexo em livros juvenis estava gerando polêmica entre autores e educadores.

Não sejamos conspiratórios.

A matéria apresentava pontos de vista de ambos os lados e contava com a opinião de escritores queridos pelo público jovem, como por exemplo Thalita Rebouças e Pedro Bandeira. O que me incomodou foi o fechamento com a fala da educadora Tania Zagury:

— Houve um estudo na Europa mostrando que a violência sexual cresce muito entre jovens, em parte porque vem sendo apresentada em filmes, livros, séries e jogos não como distorção, mas como algo normal — avalia Tania. — Os pais precisam prestar atenção. A sociedade se preocupa com a venda, não com a qualidade. Se os livros não passarem pelo crivo dos pais, o conhecimento que seria uma benesse se torna um problema.

Primeiro, eu já não confio muito por não ter o nome do estudo ou de algum responsável ou de onde foi publicado. “Na Europa” também é uma localização um pouco vaga pra eu sair caçando. Ela fala do estudo baseada em violência sexual, que não é o tema da matéria, e sim a presença de sexo consentido e saudável. Por fim, ela me dá a entender que ela não sabe nada sobre adolescentes do século XXI se ela pensa que tudo que vemos é filtrado antes pelos nossos pais.

Crianças sentem prazer!

Não dá pra falar sobre a sexualidade como esfera da nossa psique, sem falar de Freud. Eu assumo que só sei o básico do básico do pensamento freudiano, mas a estrutura que conheço é bem simples e ilustra tudo que eu quero falar sobre a sexualidade na prática.

O prazer é muito mal compreendido. É como se fosse algo sujo, imoral e só pudesse ser encontrado na esfera adulta, na qual a inocência foi “perdida”, durante o ato sexual. Não tem nada disso, não.

0 a 2 anos

Segundo Freud (olha ele aí!), a criança se encontra na fase oral até a faixa dos dois anos de idade. O ato de mamar torna-se o primeiro referencial prazeroso por ser o alívio da fome — além de um reforço do vínculo materno. Nessa fase, o prazer está concentrado na boca: mamar, chupar chupeta ou os dedos etc.

2 a 3 anos

Depois disso, a criança entra na fase anal — estamos falando de uma criança, não seja babaca — quando a criança ganha controle sobre os esfíncteres e passa pelo processo de largar as fraldas. Ela se sente bem em eliminar os seus dejetos. Prazer.

3 a 5 anos

Enfim, começa a exploração do prazer concentrado na genitália. Essa é a fase em que as crianças costumam começar com perguntas sobre de onde vem os bebês, como são feitos, etc. Também passam a compreender as diferenças sociais de gênero.

O processo não é tão linear e bonitinho. Acontece da forma que for pra cada pessoa, talvez antes, talvez depois, talvez no tempo exato. Mas o importante dessa estrutura é: nossa ideia de prazer é muito mais abrangente que o ato sexual. Essa concepção só chega junto com a puberdade, quase uma década depois de tudo isso aqui.

Esse tempo de texto não foi em vão.

Além de ser necessário pra quebrar com essa ideia de que prazer é errado, a mesma educadora disse na matéria que, hoje em dia, “crianças de 2 anos já conseguem usar tablets com desenvoltura e podem ter acesso a um conteúdo inapropriado se não houver supervisão dos pais”. Eu realmente acho que não avisaram pra ela sobre o que era a matéria.

Vamos aos adolescentes, que são o foco desse texto, afinal.

Amor é prosa
Sexo é poesia

(Rita Lee)

Quando a puberdade chega, não tem jeito. Chegou e pronto. Não vai embora. Independente de qualquer princípio religioso, moral, filosófico, se você se sente pronto ou não, a pulsão sexual vai estar lá. A não ser que você seja assexuado.

A curiosidade por explorar o prazer, o próprio corpo e o corpo do outro é fato irremediável da vida. Não vai ser a leitura de um livro que vai deixar esse adolescente mais ou menos “tentado” a fazer parte desse “mundo sujo” — que não é sujo nada. Lembra do Freud? Se o adolescente não ver sexo nos livros, ele verá em filmes, séries, fotos, sites na internet (para todos os gostos), com os amigos na escola, com a namorada ou namorado.

Não tem pra onde correr.

OH, MEU DEUS! E agora?!

Com o surto do vírus da AIDS na década de oitenta, veio a necessidade de se conversar sobre sexo. Só com a discussão em nível mundial foi possível frear o que foi o período mais obscuro da doença. Como dizia Einstein, a mente que se abre a uma nova idéia jamais voltará ao seu tamanho original. A conversa não parou por aí.

O mundo ainda não está perfeito, mas antes o que causava choque era alguém que tinha transado antes do casamento, um casal que morasse junto sem estar casado, uma mãe solteira, divórcio. Agora nós conversamos sobre métodos contraceptivos, aborto (não no congresso ainda, mas nas ruas), direitos civis dos gays e das prostitutas.

Nós já estamos discutindo sobre as consequências sociais do gênero e do sexo na vida das pessoas, então essa conversa sobre esconder o ato sexual de adolescentes é uma enorme perda de tempo. As preocupações que sobram, hoje, são bem legítimas: DSTs e gravidez precoce.

Processos que fazem parte não só da esfera individual, mas política. Deixar de estudar para cuidar de um filho, por exemplo, pode acarretar em interrupção dos estudos e perda de oportunidades de melhores empregos. Isso numa escala maior, de milhares de jovens, contribui para perpetuar o ciclo da pobreza.

É até clichê dizer isso, porém necessário: informação é a resolução para todos os nosso problemas. Livros como “Garota ❤ Garoto”, “Nada É Para Sempre”, “Selva de Gafanhotos” ou “Dois Garotos se Beijando” cumprem uma função além do entretenimento. Essas narrativas oferecem informação, representatividade, exemplos, reflexões a respeito da adolescência — que só parece ser fácil.

Não existe um excesso. Não estamos nem perto de ter esgotado os tabus a respeito da sexualidade e dos papéis de gênero. Comentários ignorantes e machistas pipocam em todos os lugares todos os dias. Ainda há meninas sendo estupradas por aí. Ainda há gays sendo mortos por existirem.

O papel do educador nisso tudo? Responder às perguntas que surgem na cabeça desses jovens, incentivar a busca por informação e, sobretudo, o olhar crítico. Estamos num momento do mundo em que nada pode ser escondido, e não por uma questão moral, mas porque sempre haverão outros meios para obter o que se procura. Nessa realidade, tudo o que você pode fazer é ensinar a essas crianças como lidar e refletir com essas informações.

Acredito, sim, que a integridade das crianças precisa ser protegida, mas fingir que adolescentes não buscam por sexo é hipocrisia. Os livros só refletem a realidade dessas pessoas.

Gostou da leitura? Clique em “Recommend” para espalhar a mensagem e em “Follow” para saber quando tiver textos novos no Cabine Literária. ☺

--

--

Augusto Assis
Cabine Literária

o aquecimento global já está acontecendo. apenas alguém que, como humano, depositou toda sua fé em ajudar em um problema que parece sem saída.