Eu queria muito poder escrever…

Aline Fonseca
Cabine Literária
Published in
4 min readDec 11, 2016

Eu queria muito poder escrever, mas não escrevo. Eu queria poder escrever, porque, sabe, escrever está na minha lista das cinco coisas que mais gosto de fazer pra viver. Poderia até ser fácil e simples, porque, afinal, sou jornalista e trato a escrita com a intimidade de uma velha amiga, mas se fosse fácil e simples esse meu perfil já estaria inundado de textos.

A verdade é que, por aqui mesmo, há tanta gente boa que já põe a mão na massa, materializando sentimentos, mostrando novos olhares sobre o mundo, sobre o mundo interior de cada um, inclusive, que, sim, eu me pergunto que diferença faria se eu escrevesse mais.

Por exemplo, queria poder escrever algo sobre como no último ano me apaixonei pelo menos umas cinco vezes perdidamente. E se escrevesse sobre isso, iria dissertar sobre como um coração à vontade, encaixado em uma mente livre, são alvos fáceis para a paixonite. Mas aí teria de escrever também sobre como se apaixonar não tá na moda, porque nesses tempos ninguém mais quer isso, ora, ora, quem quer se apegar a essa altura em que só vence campeonato quem não se deixa ser preso pelas cobranças e pelo compromisso.

Ou eu poderia escrever também sobre como tenho percebido o mundo ao meu redor com outros olhos, porque os olhos que eu tinha vêm mudando ao longo do tempo, então parece que o tempo todo eu só usava um óculos 3D que mascarava a realidade. E o mundo parece mais acolhedor, mais presente, mais acessível, não é aquele mundo estranho de quando a gente é adolescente ou uma jovem adulta e a gente esbarra nele o tempo todo, pede desculpas e volta a esbarrar nele de novo e tem horas que de tanto esbarrar não dá mais pra respirar.

Também poderia escrever outra coisa que descobri e isso me deixa pensativa: quanta gente incrível está ou com síndrome do pânico, ou com depressão, ou os dois, ou outra dor interior (eu chamo disso, porque doença parece algo que tem cura ou que basta um remédio pra curar e não acho que seja o caso). E poderia escrever inclusive sobre como não sei lidar com essas dores, como só falar que “vai dar tudo certo” não funciona, porque não é disso que se trata, e eu não sei bem do que se trata, porque acho que só quem passa por isso sabe do que se trata. E como isso dá uma sensação de impotência.

Outro ponto que eu poderia escrever é o quanto me tornei compassiva comigo mesma. Não sei por quê, mas toda vez que alguma coisa dá errado ou não sai do jeito que esperava, ou quando me decepciono ou quando meu coração fica partido por um amor frustrado, me pego dizendo — pra mim mesma - “você vai ficar bem, vai ficar tudo bem” e de uma certa forma, dizer isso realmente me acalma e me faz acreditar que vai ficar tudo bem e mesmo que não fique, parece que ficou.

Eu também poderia escrever como me passou pela cabeça escrever um conto sobre um homem que rouba palavras. Mas como não consigo seguir adiante, porque não consigo saber por que esse homem rouba palavras e onde as guarda, se as dá de presente pra alguém, ou coleciona palavras como quem coleciona selos.

Também poderia escrever como é ser uma mulher nos dias de hoje, como parece um teste eterno ou porque se é casada e tem filhos ou porque não se é casada e não tem filhos ou porque é casada e não quer ter filhos ou porque é solteira e vive a vida. Como se reconhecer como mulher muda totalmente a perspectiva de muita coisa, porque, por exemplo, estudo à noite, mas não gosto de ser a última a sair da aula porque tenho medo de andar no estacionamento escuro, ou como a roupa que escolho usar vai gerar um julgamento diferente a cada escolha, ou como as histórias que conto vão construir uma certa imagem de mulher.

Ainda poderia escrever sobre o meu mundo interior e como ele me afeta a ponto de se transformar em algum texto. Poderia contar, por exemplo, que meus momentos mais produtivos são quando meu mundo interior está uma baderna e parece uma tempestade forte às vésperas de um tsunami. Poderia escrever que meu mundo interior parece um desenho de A Hora da Aventura e, com certeza, por ali vivem uns unicórnios, pelos quais sou apaixonada sem nenhuma razão aparente.

Eu poderia escrever, embora nunca na minha vida tenha escrito sobre isso, sobre sexo, porque tem tanta escrita erótica boa e que tenho lido ultimamente, mas exige mais, muito mais, do que tenho aqui dentro. Existem tantas outras coisas que eu poderia escrever e nunca escrevo. Será que precisa existir um propósito pra escrita? E se existir, qual seria o meu?

Gostou?! Curte aí! ;)

--

--