História pra gringo ler: Fog de artíficio

Lan House
Cabine Literária
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3 min readJan 23, 2017

Porque quem gringa aqui sou eu

Dava pra ver muito pouco. Uma neblina danada. Daquelas de ficar mais atento na estrada indo pra baixada. Bobeou, vidro é atacado por um passarinho desavisado no meio do fumacê londrino.

Esther não está morando em Londres, mas resolveu conferir de perto uma festa tradicional em Michigan, lugar frio, perto do Canadá pra quem não manja de geografia. Festão, típica de inverno no hemisfério norte. Esculturas de gelo e fogos de artifício estavam no flyer distribuído por semanas na avenida principal. Programaço pra uma noite quente de mais 2.

A mulher chamou as amigas e foi em seu casaco impermeável e sua saudade do barulho e da festa. O mais 2 degelou o gelo das esculturas, claro. Precisa ser físico pra saber disso? Positivo degela, negativo congela. É assim também com o coração. Você já deve saber. Esther sabe muito bem. Coração degelado depois de vários romancezinhos mais 1, eu chutaria uns 4 degelos, faz o coração congelar de vez. On the rocks.

Mas como coração congelado sofre menos do que coração pinga pinga, seguiu com as amigas esperando uma farra boa. Descer um destilado escondido no saquinho tô bege. Conhecer gente nova. Curtir a vida outdoor.

Escultura pingando, nariz escorrendo, o casacão impermeável esquentando e escondendo aquele corpo chamativo, que ninguém diria tão sedentário, mas ali guardadinho debaixo de camadas e camadas de pano. Esther tem preguiça. De papo furado. De conversa mole. De mentirinha de nada. Tem preguiça de malhar também. E de acordar cedo. Mas nem as esculturas pingantes a fizeram deixar de lado seu entusiamo mais 30. Está até que quente aqui, ela comenta, dando uma cotoveladinha marota na amiga mais próxima. E quanta gente, nunca vi isso aqui tão cheio!

Pessoal esperando a queima de fogos. Marcada pras 8pm. Entre papo, risada e fungadas de nariz, e do som das gotas friazinhas caindo no chão diretamente de deuses gregos, mickeys e aquilo que é possível imaginar ser um busto, começa a contagem regressiva. Só na cabeça dela. O ambiente segue com conversas em baixo e bom som.

5, 4, 3, 2,1

8pm

Começam os fogos de artifício. É? É! Dá pra saber pelo barulho, porque na frente dos humildes e agora constrangidos fogos, uma densa camada de neblina cobre todo o céu. Assim como as camadas de pano cobriam o corpo curvilíneo de Esther. Assim como um sorriso cobria um coração de gelo. Ninguém vê nada além de uma leve coloração pro verde, pro vermelho e pro que só ilumina e não tem cor.

As pessoas comentam, algumas vão embora, frustradas. Esther sorri. Uma lágrima quentinha pinga junto das incontáveis lágrimas esculturais. É o verdadeiro mar de lágrimas. A de Esther é verdadeira. Seu coração está degelando também e saindo pelos olhos. Vê se um biólogo consegue explicar esse fenômeno. Desde pequena Esther gosta de fogos de artifício. Esses coloridos principalmente, que se abrem em mil estrelas dentro dessa atmosfera sufocante. Ela se sente confortável com as contagens regressivas, as festas de fim de ano, os fogos, com tudo que brilha, abre sorrisos, une, explode, que queima. Degela.

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Elaine Perrotte. Old but not gold. Nascida nos caminhos obscuros do audiovisual, dizem que tem o fascinante poder de transformar crises de choro em de riso.