Mexeu com professores, mexeu comigo

Estamos vivendo tempos muito esquisitos, e todo mundo precisa saber disso.

Augusto Assis
Cabine Literária

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por Augusto Assis

Para a grande maioria de nós, o ano de 2015 não prometia. Ano de intervalo entre a Copa/Eleições para a presidência e as Olímpiadas no nosso país, muita gente brincou dizendo que o ano deveria ser “emendado” como um feriadão de quase 400 dias. Acho que 2015 ficou puto e resolveu dar o troco.

Dentre todos os pontapés que temos levado desde Janeiro — a mudança das leis trabalhistas, ajuste fiscal, aumento do dólar, da gasolina, da conta de luz, crise hidríca, escândalos advindos da Operação Lava-Jato —, começou uma barbárie que destruiu meu coração: os professores estão nas ruas de novo. Apanhando, de novo.

Milhares de profissionais entraram em greve no dia 13 de Março revindindicando aumento de salário e melhores condições. O governador Geraldo Alckmin negou a greve, empurrou com a barriga e negou a existência da paralisação. Da mesma maneira que tinha feito meses atrás com a com a crise hídrica que deixou a população paulista desesperada. Estamos em Maio e a greve continua. Agora, em proporções bem maiores.

Nossa, mas de novo isso de greve?

Sim, de novo os professores estão tentando ser ouvidos. Ou, como foi dito por Alckimin, “Todo ano é essa novela da Apeoesp, ela tenta fazer greve, mas não tem legitimidade”. Acontece que tem sim. Sabe por quê?

Professor só quer mais salário

Vamos combinar um negócio aqui: o salário de um professor é rídiculo. Trabalhando 40h semanais, o salário de um professor ($2.725,00) tem uma defasagem de 39% em relação a outros servidores públicos com o mesmo nível de formação (ensino superior), como no caso de Sargentos da P.M ($5.692,00) ou de médicos da Secretária de Saúde ($ 7.339).

Isso sem contar com o salário absurdamente alto de outros funcionários públicos que aparecem de quatro em quatro anos para dizer que são gente “como você, como a dona Maria, como o seu Jair, como a sua mãe que eu conheci também, como a Vânia que é tua mulher.” (COMEDOR, Serra).

Os parlamentares, por exemplo, recebem uma migalha de $33,7 mil. Mesmo o Alckimin, que acha tudo isso uma novela, ganha $ 21.613,05. Se eu ganhasse esse salário eu também não ia reclamar! Então não me venha dizer que professor está reclamando com o rei na barriga, porque a única coisa que eles têm na barriga é uma gastrite nervosa. Vou explicar.

O trabalho deles é mole?

Devia ter a categoria professor nas Olímpiadas ano que vem, porque trabalhar com educação hoje em dia é um esporte radical. Professor faz o papel de pai e de mãe, ensinando valores morais aos alunos que são jogados na escola — afinal, é fato que seus pais precisam ir para o trabalho, porque senão quem é que vai dar comida?

Os professores precisam seguir o modelo burocrático de ensinar o que a Secretária de Educação lhes impõe. São 50 minutos de aula repetindo o mesmo discurso durante toda a sua carreira. Tentando prender a atenção de alunos entediados e que têm fortes aliados na sua distração (antes o coleguinha ao lado, hoje os smarphones e afins).

Inclua na conta as horas gastas fora da sala de aula, corrigindo provas e trabalhos, verificando se os alunos decoraram que no dia x do ano x, alguém x fez algo x. E ai dos alunos se errarem um x. Vale nota.

Todo esse estresse faz com que muitos professores tenham que tomar sua dose diária de fluoxetina para serem capazes de aguentar mais uma semana, mais um mês. Os professores depressivos, exautos, desmotivados e dopados. Os alunos entediados, irritados, já bastante confusos todas as mudanças que acontecem no seu corpo e com o fato de não serem mais crianças.

A receita certa para um desgaste muito maior que o piso salarial da categoria. Então é claro que muitos deles acabam desenvolvendo transtornos como ansiedade, hipertensão, além de vários outros sintomas psicosomáticos como gastristes e ulceras nervosas.

Inclusive, gostaria de falar sobre um documentário muito bom chamado “Quando Sinto que Já Sei”, disponível no YouTube, que mostra instituições de ensino que trabalham com um modelo de educar autodidata, no qual os alunos não são divididos por turmas de idade, não são presos em uma sala e no qual eles aprendem além do conteúdo Fuvest. Eles aprendem sobre ecologia, política e economia doméstica. Nesse contexto os educadores podem, ao invés de assumir papel estressante de controlar a sala e prender a atenção por 50 minutos, incitar o pensamento crítico de um jeito prático.

Já imaginou um mundo onde as suas habilidades pessoais, suas experiências e a cooperação fossem as bases da educação? Um mundo onde você pode pensar sobre os problemas contemporâneos da sua comunidade, do seu país, contextualizados na matéria? Em determinada parte do filme, uma educadora diz o seguinte:

“Se um médico do século XIX entrar numa sala cirúrgica de hoje em dia, ele não vai saber nem a finalidade dos instrumentos, como mexer com tanta tecnologia. Agora, se um professor do século XIX entrar numa sala de aula hoje, ele se vira perfeitamente bem. Ali vão estar as carteiras em fileiras, os alunos, a lousa, o giz.”

É bom aproveitar que estamos discutindo educação para se pensar não apenas em reformar o sistema que já se provou falho, mas para se debater as possibilidades de uma revolução. “Revolução parece coisa de outro mundo, mas é só uma maneira mais fácil de dizer “grandes mudanças”, já dizia meu professor de história. Caiu na prova.

Que melhores condições são essas?

Eu nem sei por onde começar quando eu penso nos desafios cotidianos de ser professor. Vamos listar para ficar bem didático:

Salário — É senso comum que professor é pilar pra ma sociedade melhor e mais justa. No entanto, eu já ouvi de muitos dos meus educadores “Não seja professor! Por favor! Eu não quero isso pra você”. Eles estão doentes e cansados. Precisa ser mais valorizado e numa sociedade como a nossa, quem ganha mais é mais valorizado socialmente, sim. Veja o exemplo do médico, faltam lamber os caras em praça pública. Não que não mereçam, eles estudam horrores para chegar onde estão, mas professor também e é quase bicho em extinção.

Estrutura — Só esse ano mais de 3 mil salas de aula foram fechadas. Pelo estado de São Paulo. O motivo? Corte de gastos. Pra que ter duas salas com 30 alunos se nós podemos ter uma com 60? Isso enlouquece os alunos e os professores. Imagine estar preso numa sala com 60 pessoas, sentando em cadeiras desconfortáveis, sem ventilador ou o ar condicionado. Não dá.

Precisamos também de laboratórios de química, de informática, com aparelhos novos e que possibilitem o acesso digital de todos os alunos. Não a sucata que é oferecida. Bibliotecas amplas e atualizadas para que o aluno tenha um espaço onde possa aprender e discutir novas informações com os colegas, realizar projetos e conhecer a literatura.

Direitos — Agora os professores são categorizados. Quem passa no teste fica numa categoria x, quem não passa, numa categoria y. Quem não passa fica como suplente, pegando as aulas que sobram. Sem direito a aposentadoria ou convênio médico. Quem tem contrato, após dois anos precisa tirar “férias” não-remuneradas de 200 dias. Enquanto isso o professor faz o quê? Vive de quê? O coleguinha tá lá, dando aula pra 60 alunos de uma vez. Isso precisa acabar.Esse é o básico. Só pra começar.

A dor deles é a minha

Da direita para a esquerda: Eu e as amigas, Bia, a Jana e a Michele na formatura da escola. Parecendo 10 anos mais velhos do que somos.

Eu tenho uma ligação muito forte com escola, com a educação. Muitos professores mudaram minha vida. Estudei durante todo o ensino fundamental (1 e 2) em escolas do estado. Vi professores tendo que cobrar dos alunos o preço de impressão de uma prova. Às vezes, tirando do próprio salário. Fiz muito trabalho em cartolina até a oitava série, porque não existia nem a possibilidade de fazermos uma apresentação de slides. Não tinha projetor para exibir ou computador para produzir.

Comecei meu ensino médio numa Etec. Etecs são parte do Centro Paula Souza — que é uma autarquia do governo do estado, inclusive. Etecs têm um nível de organização, de padrão de ensino, de estrutura muito maior que outras escolas estaduais. Quisera eu que todas as escolas fossem como uma Etec ou Instituto Federal.

Quando eu entrei, não sabia nada. Fiquei assustado em ver aqueles conteúdos, principalmente de exatas e biologia — eu não tinha tido aula regular de nenhuma das matérias durante toda a sétima série. Foram três anos nos quais eu tive que correr atrás do conteúdo que eu não tinha podido aprender nos últimos sete anos. Era muita coisa me adaptar e sair de lá pronto para os vestibulares — que também são uma luta de gladiadores, e não deveria ser assim. Mas eu me lembro que, na aula inaugural, meu professor (de biologia!) contou sobre sua história, sobre o que ele queria como professor e o que a escola poderia nos oferecer.

Faz anos que eu me encontrei como professor. Eu sei que é isso que eu quero fazer pro resto da vida. Vocês ainda têm muito que aprender, muito o que definir. Hoje em dia eu tenho amigos que trabalham em grandes empresas, transnacionais, bancos enormes, e também tenho amigos que trabalham trançando puseirinhas na calçada e vendendo, sabe, aquelas estilo reggae? É verdade. Essses amigos existem. E vocês podem ser felizes seguindo qualquer um desses caminhos, e outros ainda. O que nós fazemos aqui na escola é dar a vocês a possibilidade de escolha. (Ricardo, professor de biologia)

Isso fez toda a diferença na minha vida. Essa conversa me deu o impulso necessário para sempre buscar o que eu quero. Inclusive, para estar escrevendo este texto. Pessoas que nascem com a vocação para educar são os responsáveis pela perpetuação da nossa cultura, dos nossos princípios. Eles são muito corajosos e persistentes e especiais. São, acima de tudo, grandes amigos que fizeram tudo o que eu sou. Parem de matá-los.

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Augusto Assis
Cabine Literária

o aquecimento global já está acontecendo. apenas alguém que, como humano, depositou toda sua fé em ajudar em um problema que parece sem saída.