Novos autores, o mercado editorial e a crise: para quem escrever?

Ricardo Carvalho
Cabine Literária
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4 min readDec 15, 2016
Novos autores têm decisões importantes a tomar, principalmente em suas primeiras obras: para quem escrever?

A atual crise econômica pela qual o Brasil passa não deixaria de lado o mercado editorial, é claro. Diversas notícias sobre uma nova crise na literatura comercial brasileira circulam pela internet. O encerramento das atividades da Cosac Naify recentemente, os números expressivos do encolhimento do mercado e a expectativa de ainda mais perdas devido à redução na quantidade de compras por parte do governo federal reacendem uma grande questão para os novos autores: para quem escrever? Para responder essa pergunta eu sugiro recapitular o próprio mercado editorial brasileiro.

O grande fato é que esse nosso mercado nunca saiu da crise. Ele nasceu, cresceu e se consolidou em crise, ele vive em crise. Brasileiro não lê, nunca leu. Os números da Pesquisa Retratos da Leitura no Brasil indicam que o brasileiro lê apenas 4,96 livros por ano. Desses, 0,94 são lidos por causa da escola e só 2,88 por vontade própria. Do total de livros lidos, 2,43 foram terminados e 2,53 em partes. Os números aumentaram (4 livros/ano na pesquisa anterior), mas tão pouco que devem apenas refletir compras do governo e obrigatoriedade de bibliotecas nas escolas do país de acordo com leis recentes. Ou seja, lemos, mas não o suficiente para manter um mercado editorial como o nosso, onde usamos materiais caros, com baixas tiragens, fraca infraestrutura logística, marketing ineficiente e, por isso tudo, preço de capa caro.

Durante o auge da nossa economia nos anos 2000, as empresas envolvidas nesse mercado tiveram a oportunidade de ouro de se alavancarem e estabelecerem um mercado cultural brasileiro sólido, que tivesse relevância e revertesse o desinteresse do brasileiro pelo que é, justamente, brasileiro. Porém, muito foi investido em produção e pouco foi feito em termos de demanda. Sabemos do risco de altas tiragens com uma demanda tão baixa, mas é justamente em épocas que sobra dinheiro que temos a chance de mexer nos problemas estruturais e romper esse ciclo de oferta e demanda incompatível. Depois de tantos anos de crescimento, o que ainda vemos são os livros brasileiros perdendo espaço para os americanos, o popular continuando a menosprezar novos autores brasileiros e o mercado da literatura ainda representando um sinal de status: ou seja, na rotina está quase tudo igual.

Essa rápida retomada de acontecimentos recentes é para mostrar aos novos autores que eles têm decisões importantes a tomar, principalmente em suas primeiras obras: para quem escrever? Qual a sua intenção escrevendo determinada obra? É ganhar dinheiro? É ser lido? É contribuir para o crescimento da arte no país? É para os amigos? É para quem? É para o que?

Essas perguntas são importantes, pois determinam o que pode ser feito a fim de fugir da rigidez das editoras. Apesar do circuito comercial também se manter forte nos países desenvolvidos, eles registram recordes de autopublicação a cada ano que passa. No Brasil, ainda caminhamos a passos curtos nesse sentido. Os artistas, de um modo geral, buscam na literatura um prestígio que só poucos vão conseguir um dia. Imagina um músico que tenha em mãos uma plataforma parecida em termos de acessibilidade e inserção de mercado como a Kindle Direct Publishing (KDP)? Esse pessoal toca e canta em qualquer bar, qualquer esquina, uma festinha de amigos aqui, outra ali, qualquer chance é uma chance.

Enquanto escritores vivem na esperança de reconhecimento por parte de empresas que se preocupam pouco com seus consumidores, não se interessam muito em estimular uma mudança estrutural que viabilize um mercado saudável, são acomodadas com o que já está posto e chegam a tratar mal os próprios autores, escritores pelo mundo inteiro se inserem na realidade do século XXI de procurar crescer com suas próprias pernas. Realidade essa que de nova não tem nada! Décadas atrás, as publicações independentes ou focalizadas eram uma prática bastante comum, vide o início de carreira de grandes nomes da literatura vivos ainda hoje. A concentração midiática, nos reeducou a acharmos que só o que figura entre as estantes dos grandes selos é o que presta.

O que eu quero dizer é que o mercado já oferece diversas opções saudáveis para todos nós fugirmos dessas armadilhas. Se você quer ser lido, tenho duas dicas de extrema importância: escreva e publique! Escreva e publique… KDP, Crowdfunding, Wattpad, Blog, Facebook, encadernação caseira etc. Explore a capacidade de marketing das redes e da internet. O que não falta é maneira de espalhar sua palavra por aí. Não espere, não acumule poeira com suas obras, pois o mercado é cruel e você irá eventualmente perder a vaga naquela programação para um “best-seller” americano, pois se evoluímos muito no complexo de vira-lata em vários aspectos, infelizmente é no consumo de arte que ele se mantém bem firme.

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Ricardo Carvalho
Cabine Literária

@oficialricardoc nas redes. Escritor, gamer, filósofo de sofá. Escreve sobre arte, tecnologia e comportamento.