Por que zumbis são o menor dos detalhes em The Last of Us

Os conceitos de família e da fragilidade humana explorados em um jogo no qual o que importa é a narrativa

Lucas Millan
Cabine Literária

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por Lucas Millan

A figura do zumbi está se tornando cada vez mais saturada. Teve suas origens literárias com o conto Eu Sou a Lenda, passando por sua transformação em gênero cinematográfico com a filmografia de George Romero até o seu renascimento com o filme Madrugada dos Mortos de Zack Snyder e sua eventual consolidação na cultura pop atual, com o sucesso de The Walking Dead. Há décadas Mortos-Vivos são utilizados como motivo de inúmeras histórias, todas tentando abordar a figura de uma forma diferente. “E se os zumbis se apaixonassem? E se os zumbis fossem inteligentes? Rápidos? A nova raça humana?”

A maior virtude de The Last of Us é não querer contar uma história de zumbis, mas uma história com zumbis.

The Last of Us é um jogo exclusivo para a Sony, produzido pela Naughty Dog (Crash Bandicoot, Uncharted), lançado em 2013 para Playstation 3 e relançado para o Playstation 4 em 2014. Nele, acompanhamos Joel, um sobrevivente em um mundo infestado por uma praga de fungos que se apodera dos corpos de suas vítimas e os transforma em monstros cujo único propósito é atacar outros seres-humanos e assim espalhar o parasita. Após o caos inicial, a humanidade se viu obrigada a instalar-se em fortalezas urbanas estritamente governadas por células militares, de forma a impedir o contágio e zelar pela sobrevivência da espécie.

Adaptado a este excesso de controle, Joel leva uma vida estável e marginal como contrabandista, mas se vê obrigado a acompanhar Ellie, uma pré-adolescente com mais personalidade do que idade, até o outro lado do país. Pelo caminho, tanto Joel como o jogador têm que se virar com mecânicas que misturam furtividade e ação para superar todo tipo de obstáculos, desde verdadeiros enxames de infectados até matilhas de sobreviventes que se dedicam a roubar de outros sobreviventes.

A viagem os leva por diferentes cenários, todos desolados de uma maneira particular. Os infectados não gostam do sol e os sobreviventes preferem se manter escondidos, então sempre que o jogador adentra um novo cenário, é recebido por um solitário e ensurdecedor silêncio. Um silêncio que apenas é quebrado pelas anotações, gravações e diários abandonados pelo caminho, os quais pincelam algumas histórias que ajudam a ilustrar este universo. Nenhuma delas é essencial para a história principal, mas ajudam a quebrar o incômodo silêncio que insiste em se instaurar entre Joel e Ellie, entre um combate e outro.

A violência em The Last of Us é bruta. Não pela quantidade de sangue, nem por um excesso de palavrões ou uma glorificação adolescente. A violência em The Last of Us é real, palpável e reforçada por uma tensão constante.

Diferente da maioria de jogos em que o protagonista é um ser quase imortal, capaz de sofrer feridas inumanas, Joel é um homem. Um homem experiente, porém frágil como um homem deve ser. O jogador evita o conflito direto com o inimigo, porque cada golpe, cada tiro, pode ser letal. A física do jogo é tão realista que o jogador sente cada garrafa quebrada, cada tijolada, cada soco com certa raiva e com certo medo. Raiva de sua própria vulnerabilidade neste mundo. Medo de que, na próxima vez, talvez não tenha tanta sorte.

Em meio à desolação e à violência, porém, floresce o relacionamento (às vezes paternal, às vezes fraternal) entre Joel e Ellie.

Por um lado, um sobrevivente que perdeu tudo o que tinha e constantemente se vê obrigado a se adaptar e a vestir suas cicatrizes, físicas e emocionais, como uma armadura. Por outro, uma órfã que nunca soube o que é a estabilidade e que tenta encontrar algo pelo que lutar em um mundo que já abandonou a guerra há muito tempo. Dois personagens cujo relacionamento parte da desconfiança, mas que logo se transforma em refúgio para ambos; um despertando no outro a motivação necessária para seguir em frente e sobreviver mais um dia. Apenas mais um dia.

The Last of Us é uma história sobre pessoas onde a figura do zumbi serve apenas como um cenário, distante e impessoal, como um obstáculo geográfico, como uma característica natural de seu universo.

O foco está nos protagonistas, nas pessoas com quem eles se encontram em sua viagem, no silêncio dos cenários, na solidão e no sentimento bucólico que a maravilhosa trilha sonora e direção de arte conseguem transmitir. É considerado por muitos o ápice dos games como forma de se contar uma história madura e um jogo obrigatório para qualquer um.

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