Urso marrom

Lan House
Cabine Literária
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2 min readJun 30, 2017

Pequena, carregava o Asdrubal. Sabia que ele não era o tipo de urso que ficaria sozinho por aí sem reclamar. Ele veio numa caixa de papelão que era quente pra burro dentro. Sei disso porque enfiei minha cabeça na caixa algumas vezes quando ela chegou. Queria ter a sensação do urso ali dentro. Era quente. Quando percebi isso, lhe dei um abraço. Compaixão pega pra mim. Asdrubal se sentia sozinho, eu ficava próxima dele. Asdrubal queria dormir, trazia o travesseiro e a mantinha verde pra ele ficar bem aconchegado. Ele era meu melhor amigo. Me acompanhava nos lugares. Sempre pidão me fazia trabalhar um bocado entre mantinhas, abraços e respondendo que fruta que eu mais gostava. Essa resposta mudava com o tempo. Tô no abacaxi agora. Antes era jabuticaba. Depois melão. Morango. Pêra.

Com o tempo, ele começou a fazer pedidos mais difíceis de realizar. Mas eu tinha, ele era meu melhor amigo. Ao menor aperto da barriguinha, Asdrubal passou a pedir coisas do tipo sorvete de menta da Hagen Daz, visita ao Ibirapuera às duas e sete da tarde em domingo de sol, pastel de carne do mercadão, sem ovo. Ele era tão esperto. O urso da Carol, o Xuxu, nome estúpido, ainda tava nos abraços e frutas favoritas. “Que soninho, me põe pra dormir?”. Asdrubal pedia logo uma tigela de arroz com batata e uma pimentinha pra acompanhar, enquanto Xuxu já devia estar no sétimo sono. Eu fui crescendo, ele também. Eu entrei na faculdade, ele decidiu viajar o mundo. E eu que tinha que comprar as passagens. Asdrubal não trabalhava, então não ganhava dinheiro pra se divertir. A gente se divertia junto, então eu bancava. Nossa ida pro Perito Moreno, nosso mergulho em Angra, nossa comilança desenfreada em Nápoli, nossa adrenalina nos balões da Turquia. Ele adorava, e logo pedia abraço com a doce voz da minha infância. Acho que queria me agradecer.

Às vezes ele me culpava pelo voo atrasar ou pela cama dura do hotel. Mas em geral era bem gentil. Um dia a aeromoça reclamou que Asdrubal estava ocupando um assento, eu disse que tinha comprado aquele também. Ela me olhou com um ar idiota e Asdrubal soltou “um cuida da sua vida e melhora esse cabelo ensebado”. Tive que tirar a pilha dele, estava terrível naquele dia. Pedia garrafinhas de vinho como quem pede pro santo ajudar a ganhar na sena, e se irritou quando o macarrão dele veio sem molho vermelho. Em Nápoli era vermelho.

Mamãe pediu que o jogasse fora, já estava velho. Estava mais do que na hora de trocá-lo por um namorado peludinho. Eu não! Namorado só reclama. Uns ainda sugam todo o nosso dinheiro com comida e viagens. Eu não sou uma pessoa estúpida pra aceitar isso. Fico com meu Asdrubal.

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Lan House
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Elaine Perrotte. Old but not gold. Nascida nos caminhos obscuros do audiovisual, dizem que tem o fascinante poder de transformar crises de choro em de riso.