Cap. 11 - Morte e Vida

ravi freitas
Cacto0083
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4 min readSep 1, 2021

Nenhuma morte é parecida. Ninguém morre igual. Pessoas podem morrer por motivos parecidos, com métodos parecidos e até morrer uma morte parecida, mas cada uma tem um impacto diferente.

Para Volante, a morte era seu instrumento de trabalho. É através dessa ferramenta tão utilizada por ele, e por outros que ocupam o mesmo posto e realizam o mesmo tipo de trabalho, que eles mantém o poder e a posição que já tem. A morte de Catorze seria só mais uma pra ele.

Mas não para 83. Perder Maria seria mais que uma tragédia, seria o ponto em que ele sabia que sua vida começaria. Quando algo bonito morre, algo bonito nasce em seu lugar. Enquanto Catorze nunca mais andaria sobre o chão rachado de Tumalina, 83 andaria em seu lugar.

14 e 83 partilharam tudo que sabiam de suas próprias existências naqueles poucos dias que passaram juntos. A existência dos dois, o encontro dos dois… ele fazia com que fosse possível superar o limite de ser 100% feliz. Juntos, 14 e 83, eram 101. E é atrás desse sentimento que o Cacto continuaria após aquela noite.

O plano era simples: dormir no esconderijo e depois procurar a cidade de Maracajá, onde poderiam continuar a viver uma vida de rebeldia e luta. Juntos, eles iriam buscar a felicidade através da libertação daqueles que sofriam. O plano sempre foi fugir para que pudessem voltar, e assim, livrar Cordel de Aço das mãos sujas dos coronéis.

As minas e as plantações subterrâneas iriam para o povo. Os moradores viveriam do fruto do próprio trabalho, sem que alguém continuasse os explorando. O controle sobre o Rio Negro, que recebia esse nome pela coloração que vinha do metal que cobria o solo submerso, e, com o poder sobre a água, viria também o poder sobre a vida e sobre o futuro. O povo, unido, saberia como viver melhor do que os Coronéis que controlavam tudo com punhos de ferro.

Mas planos nem sempre dão certo. Antes de conhecer a sorte, 83 conheceu o azar. E o seu azar foi ter um inimigo como Volante.

Maria dormia em sua cama, debaixo do teto cheio de furos que deixava a Lua de Tumalina iluminar todo o aposento. O robô não precisava dormir, mas ficava parado, conservando a energia adquirida durante o dia e atento para tudo.

As pernas mecânicas de Volante eram silenciosas e rápidas como uma cobra. O teto do esconderijo veio abaixo com a força do seu perseguidor, e, antes que a máquina pudesse reagir, o encontro entre a sola do pé do Jagunço e o peitoral do Cacto ressoou em um imenso estrondo metálico, que fez com que 83 fosse arremessado pela parede. Era uma força desproporcional ao que qualquer ser humano normal seria capaz de portar.

Maria acordou assustada e tentou correr atrás da sua arma, mas ninguém era capaz de correr mais rápido que o monstro que estava ali dentro. Dos pés do policial surgiram lâminas retráteis, e tudo o que ele precisou foram 5 chutes certeiros.

O primeiro chute fez com que o metal no calcanhar de Volante atravessasse o coração dela. O segundo, dessa vez com a parte da frente, fez com que ela girasse no ar e caísse, desorientada. O terceiro, dessa vez no formato de um pisão, quebrou o braço de Catorze. O quarto, no pescoço, espirrou sangue pelo quarto após cortar a carótida. O quinto chute, selou seu destino, esmagando costelas e quebrando sua coluna.

O Jagunço pegou Maria pelo braço e a arrastava pra fora, deixando uma poça de sangue no local da sua morte e denunciando o seu caminho pelo rastro do líquido vermelho. 83 correu em direção ao assassino, que rapidamente revidou. A força do seu chute seria o que o impediria de concluir sua missão de maneira perfeita. O choque entre os dois movimentos foi tão grande que, enquanto os circuitos do Cacto se desligaram por alguns segundos, a perna direita de Volante fraquejou, deixando escapar a fragilidade do material que usava. Para não por sua própria vida em risco, fugiu.

83 pensou em correr atrás, mas preferiu tentar salvar a vida de Catorze. Sabia que não sangrava como ela, e, inutilmente, tentou fechar as feridas da sua amiga. Sem saber o que fazer, decidiu que o plano continuaria. Colocou ela em suas costas e saiu em direção a Maracajá, para que assim pudesse salvar a vida dela.

Nenhuma morte é parecida. Ninguém morre igual. E naquela noite, a morte de Maria era mais especial que qualquer outra. Cada gota de sangue seu corpo derramava, jorrava vida dentro de 83. Ele nunca mais seria o mesmo.

A única coisa que permaneceria seria o sonho de liberdade. Depois daquela noite, o Sertão nunca mais seria o mesmo.

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ravi freitas
Cacto0083

eu sou o inverno russo matando todos aqueles que se aproximam