Cap 4. — Carcará

ravi freitas
Cacto0083
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2 min readMay 23, 2020

No sertão, é quase impossível fugir do carcará. Do alto ele procura sua vítima, atacando com voracidade tudo o que vê pela frente. Até carcaças ou filhotes, a ave só precisa de um alvo.

83 não fazia ideia de onde estava e, depois de tudo que já havia passado, só continuava seguindo sem direção por precisar de um lugar para enterrar o corpo de Catorze. Sua morte pelas mãos da polícia, àqueles que ele mesmo fez parte pouco tempo atrás, trazia para ele mais pesar do que arrependimento.

Antes uma máquina sem consciência, criada apenas para obedecer ordens e pensar apenas o necessário, 83 achava difícil se arrepender do que fez antes do seu surto de claridade. Por ser uma flor, um cacto com defeito, destruiu sua programação inicial e se desenvolveu de formas inimagináveis. Sentia culpa, mas não arrependimento. Culpa por não ter percebido antes seus erros e escolhido sua posição.

No sertão, os olhos do carcará são como detectores de tesouro. Duas pérolas negras que cruzam o Sol de Tumalina.

A ideia de se sentir cansado, mesmo quando sabia que seu corpo poderia continuar andando por dias, assustava o Cacto. O que o fazia se sentir assim? O que motivava esses pensamentos de cansaço e de incompletude nas suas sinapses artificiais? E por que quando 14 não era apenas um corpo sem vida ele não se sentia assim?

O robô percebeu que não sabia ser sozinho. Ter sido parte de uma massa uniforme, sem consciência e que apenas seguia ordens, era algo que o confortava mas que nunca havia percebido antes. Ter estado ao lado de Catorze também. Mas agora, sozinho, busca um motivo para continuar pensando. Do que adiantava um robô ter consciência se não havia uma outra maneira de desenvolvê-la.

Não tinha um espelho por perto, mas se pudesse enxergar seu reflexo, veria apenas um punhado de peças metálicas unidas por pensamentos disformes. Ele, que no ontem foi parte de um todo que não pensava, percebeu que no hoje é um todo que alguma parte faltava.

No sertão, as garras e o bico do carcará dilaceram sem piedade. Sua força era capaz de perfurar a pele escamosa de pequenos répteis rápido e fácil.

O cansaço que 83 sentia se unia com o desejo de enterrar o cadáver que ele trazia consigo, e decidiu que a caverna natural que avistava ao longe seria o melhor lugar pra isso. Ele sabia que os ritos humanos eram assim, e sua recém descoberta compaixão o motivava a querer dar um enterro apropriado para Catorze.

De cima de um lajedo, dois olhos negros fitavam os passos do Cacto fugido em direção à caverna. Os implantes oculares daquela figura massiva no topo de um aglomerado de pedras facilitavam a busca por seja lá o que ele procurasse. Seus braços mecânicos tremiam de ansiedade durante a caçada. A mandíbula de aço o deixava com um sorriso eterno em seu rosto, completando o visual aterrador do chefe dos Jagunços.

No sertão, Capitão se sentia como o carcará. E sua presa já estava a vista.

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ravi freitas
Cacto0083

eu sou o inverno russo matando todos aqueles que se aproximam