Cap. 5 — Cova Rasa

ravi freitas
Cacto0083
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3 min readMay 29, 2020

Cova Rasa pt. 1

O que é ser estranho?

Para 83, era ser uma máquina. Ser uma criatura sem órgãos internos e correntes sanguíneas fazia com que ele odiasse sua existência.

O que fazer quando você sente sua identidade fugindo?

A cova de Catorze, feita com as mãos metálicas do Cacto, estava quase pronta. As articulações mecânicas dos seus dedos estavam cheias de terra e a pontas cheias de arranhões. Não existia mais em suas mãos o verde que coloria o restante do seu corpo. Apenas manchas cinzas, sua cor real, e marrons, do barro que impregnava sua superfície.

O que é ter um coração?

83 tentou falar em voz alta, mas sabia que sua única forma de comunicação era virtual. Sem cordas vocais, não falava nem gritava. Não ouvir uma voz o irritava profundamente. Socou a parede algumas vezes e tentou gritar ainda mais alto. Uma tentativa de grito após uma tentativa de descontar sua fúria sentindo dor, mas isso ele também não sentia.

Até onde chega uma voz que não existe?

Aquela cova mal feita era resultado de um grito desesperado de uma máquina isolada. Para 83, a história de Catorze deixava claro que a única pessoa que esteve ao seu lado merecia algo melhor que aquilo e que ele nunca poderia oferecer.

Cova Rasa pt. 2

O tilintar do choque das partes mecânicas ecoavam por dentro da caverna. Os punhos metálicos de Capitão acertavam 83 com uma precisão inumana. O Cacto respondia com socos que acertavam o queixo do jagunço com uma frequência incrivelmente pequena. A diferença de experiência em combate era visível.

“Uma cova rasa é o que é esse lixo merece!”, bradou o braço direito dos generais com uma voz mecânica. Líder dos policiais, ele mandava no bando de Jagunços que protegiam Cordel de Aço. Seu implante no queixo alterava sua voz, que parecia ainda mais assustadora com sua fala robótica.

83 se levantou e usando os espinhos em suas pernas, criou uma abertura para um soco certeiro. Enquanto o sangue escorria pelo rosto do Jagunço, ele foi capaz de acertar um golpe no queixo da máquina, que caiu dentro da cova com Catorze.

O que Capitão não esperava é que aquilo irritaria 83, deixando o robô furioso, Nunca havia sentido isso antes. A energia que armazenou do seu longo período no sol fazia seus parafusos queimarem. Não entendia aquela sensação, mas sabia que precisava matar aquele homem.

Sem nenhum pudor, 83 atacou o Jagunço, que tentou revidar mas acabou sendo sobrecarregado pela avalanche de golpes. Um espinho certeiro acertou um ponto fraco no pescoço do policial, que caiu gritando de agonia com sua voz artificial.

A máquina pensava no que tinha acabado de fazer. E também no que sentia em saber que fez novamente, por vontade própria, o que antes fazia inconscientemente, sob ordens daquele que acabou de matar.

Lentamente tirou o corpo de Catorze e pensou pra si mesmo que uma cova rasa é o que mereciam peões de tiranos, como o homem que acabou de matar. Pendurou o corpo inerte de sua única amizade em suas costas e decidiu que seguiria viagem. Antes de sair da caverna olhou para o Jagunço morto mais uma vez e teve uma ideia.

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ravi freitas
Cacto0083

eu sou o inverno russo matando todos aqueles que se aproximam