A fragilidade de uma autoestima impostora

Caroline Pestana
Cada lua que vejo
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5 min readApr 4, 2020

Alguns anos atrás li em algum lugar sobre a síndrome do impostor e nunca me identifiquei tanto com algo em toda a minha vida.

Eu havia acabado de me mudar para São Paulo, num esforço intenso para criar a carreira perfeita. Como criança de interior me perdi no meio dos prédios enormes, chorei no travesseiro em silêncio tarde da noite com saudade da família e fui à bares completamente sozinha, numa cidade onde não conhecia ninguém e tudo e todos pareciam assustadores.

Na época eu participava de uma competição internacional na minha área, e todo feedback despertava a tal crise do impostor. Se o feedback fosse negativo eu pensava em desistir, achava que nunca seria boa o suficiente e que não importava o que fizesse, nunca iria melhorar. E, curiosamente, quando o feedback era positivo, a reação era ainda pior. Achava que estavam com pena, ou que simplesmente gostavam muito de mim e não queriam me magoar. Ridículo, eu sei.

Depois de ler a respeito e me identificar com os sintomas, jurei para mim mesma que iria trabalhar a crise e impedi-la de afetar meu dia a dia, e assim o fiz. Criei coragem e passei a acreditar no meu potencial. Criei coragem e passei a me desafiar, a acreditar no que me diziam, a filtrar os feedbacks. O auge da minha luta por uma autoestima minimamente aceitável foi uma viagem à Europa, quase inteiramente paga pelo meu salário ínfimo de estagiária, onde passei quase um mês completamente sozinha, viajando de um país a outro, sem falar o idioma local, me desafiando a conhecer novas pessoas e me virar sozinha.

A viagem foi um sucesso e considerei a tarefa cumprida. Consegui um emprego ainda melhor, num escritório muito reconhecido, me mudei para um apartamento maior e melhor com meu novo salário muito acima da média, e ainda encontrei o grande amor da minha vida, com quem passei a dividir dias e experiências que vão para sempre aquecer meu coração. No entanto, por mais que à época eu não percebesse, a crise nunca foi embora, mas apenas mudou sua face.

A nova face da minha síndrome do impostor era baseada em inconstância. Num dia meu ego era inflado ao extremo, eu sentia orgulho de mim mesma e imaginava minhas antigas inimigas de colegial morrendo de inveja da minha nova vida, das minhas vitórias. Mas como num piscar de olhos, ao menor sinal de fragilidade, o medo voltava. Por minutos, por vezes até horas, eu sentia um medo invadir a minha vida, o medo de ser descoberta.

Como tudo estava frágil, e a síndrome ali, escondida por uma falsa confiança, era apenas questão de tempo até que tudo se revelasse, e assim o foi.

Primeiro veio o desemprego, a instabilidade financeira, dívidas, a falta de um lugar para morar. E ela imediatamente voltou. Eu passei a me ver como uma grande fraude que fora descoberta. Toda a dedicação não havia servido de nada, pois descobriram que eu era uma fraude. Que eu apenas fingia saber, mas na verdade era muito, muito burra. Que eu fingia que estava no controle da situação, mas na verdade era descontrolada. Que eu fingia que entendia do que estavam falando, quando na verdade não sabia absolutamente nada.

A crise despertou o pior de mim. Todas as características ruins de ser quem sou se destacaram. Se eu tinha ciúmes a níveis normais, me tornei imediatamente uma namorada paranóica. Se eu era alguém que gostava de receber atenção, de repente me tornei uma namorada egoísta e arrogante, que sugava e exigia demais daquele que amava. Imediatamente minha depressão voltou, com as inseguranças e desesperos clássicas do dia a dia de qualquer depressivo.

Como era de se esperar o amor não aguentou. Ou talvez não fosse amor o suficiente para aguentar. Há quem diga que o amor tudo supera, não sei dizer. Essa análise fica para outro texto. O que importa é que em questão de 20 dias eu perdi tudo aquilo que considerava essencial. Tudo aquilo que ocupava meu dia a dia e me fazia sentir especial.

Passei a viver de remédios pra dormir e remédios para acordar. Perdi a vontade de fazer qualquer coisa, certa de que não era capaz, de que tudo havia desmoronado pois eu era uma farsa, e nunca fora boa o bastante para estar ali, para ter tudo aquilo.

Afinal, é disso que se trata a síndrome do impostor. A pessoa que carrega a síndrome acha que tudo o que consegue foi por ser legal demais, ou por terem dó dela, mas nunca se sente efetivamente capaz de ter conseguido aquilo. Não vê as coisas como vitórias, mas sim erros, como se o tempo todo a pessoa estivesse diminuindo suas próprias conquistas.

Curiosamente foi uma pessoa completamente aleatória que me fez acordar. Numa quarta-feira qualquer fui a faculdade e, durante o intervalo, ouvi algumas garotas conversando. Não sabia e não sei o nome delas, mas uma delas me incluiu na conversa, pedindo conselhos sobre onde enviar currículo. Eu ri e disse que também estava desempregada, afinal naquele momento eu me sentia péssima, sem vontade de enviar currículos ou tentar qualquer vaga, pois não achava que seria boa o suficiente pra nenhuma delas.

Foi quando uma menina de cabelos cacheados respondeu com “mas você consegue um emprego onde quiser, óbvio que qualquer um vai querer te contratar, você é a Barbara Monteiro, né?”.

Nunca vou me esquecer do modo como aquela menina disse meu nome, a entonação. Parecia o nome de alguém importante e isso ficou na minha cabeça. Passei o resto do dia me questionando, como ela sabia meu nome? Porque ela me achava tão boa? Quem era ela? E eu sinceramente não sei as respostas, nem sei se um dia saberei.

O que eu sei é que ela me fez questionar quem eu era e porque eu me sentia tão fraca naquele momento, tão ruim, no sentido mais estrito da palavra. No mesmo dia me arrumei (pela primeira vez em um bom tempo) e fui a uma entrevista de emprego, a qual foi, no mínimo, inesperada. Não apenas me senti acolhida na entrevista, mas admirada. Não sei ainda se consegui a vaga, mas o que sei é que aquelas pessoas que me entrevistaram viram algo em mim, algo que aquela menina também via. Algo que provavelmente muitas outras pessoas viram, e eu não conseguia enxergar.

Eu não sei se algum dia conseguirei ter uma autoestima minimamente constante. O que eu sei é que a partir desse momento eu decidi aceitar minhas inseguranças, mas sempre me esforçar para ver além do medo. Porque o medo fala muito algo, grita absurdos na nossa cabeça, e muda o modo como vemos as coisas. Mas o impacto que nós deixamos na vida dos outros, ele fala mais alto que o medo. Cativar alguém, seja profissional ou pessoalmente, é o melhor meio de se provar melhor do que seus medos te fazem acreditar que é.

Desde então decidi pautar minha capacidade, meu talento e meu ser, com base nos meus feitos, e principalmente, nas pessoas que eu cativei, e não no medo ou na insegurança que minha mente criou.

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Caroline Pestana
Cada lua que vejo

Brazilian writer and lawyer. Trying to make sense of things.