Gilmore Girls: uma série para meninas?

Ligia Guimarães
Cada Uma
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6 min readNov 26, 2016

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Por Ligia Guimarães

Sim, sim. Você já deve estar cansado (a) de ler sobre Gilmore Girls nos últimos dias. Até eu já estou. A comoção em torno dos novos capítulos que chegaram hoje ao Netflix (já vi um, YAY ❤) é tamanha que parece que todos os sites e jornais do universo resolveram escrever algo sobre a série, mesmo que não conheçam direito, mesmo que não gostem do seriado, mesmo que não tenham nada novo pra dizer sobre o assunto. Tudo bem.

Mas é que eu finalmente estava há pouco vendo “Winter”, o primeiro episódio da temporada “Um ano para recordar”, produzido especialmente pelo Netflix para realizar o sonho dos fãs de ver um final à altura daqueles personagens aos quais somos tão apegados. E lembrei que já faz tempo que toda vez que eu revejo um episódio, mesmo os antigos, e antes de saber que ia ter revival, me dá vontade de escrever sobre a série.

Principalmente porque, sendo uma fã anos 2000 das garotas Gilmore, eu venho escutando uma pergunta há décadas: afinal, por que você gosta tanto desta série? Por que toda vez que você vê a Alexis Bledel (essa aí embaiaxo) fazendo ponta em alguma coisa você fica eufórica e grita “OLHA, A RORY!!!!”

Entendo que é mais difícil para meninos. Conversando hoje com amigos no trabalho, confirmei minha opinião antiga, embora estatisticamente questionável, de que apenas 1 em cada 857 homens gostam de Gilmore Girls.

Pra falar a verdade, é meio pior que isso: confesso que até hoje, todos os rapazes que já vi pessoalmente serem expostos à série tem reações similares à de cachorros ouvindo fogos de artifício: parece perturbar os tímpanos. “Meu Deus, como elas falam rápido”. “Nossa, que coisa chata”. “Não tem história, é só um monte de gente falando”. “Não entendi metade do que elas estavam falando”.

Realmente, é um enredo pouco pretensioso para quem pega a coisa andando na TV. Ainda mais no nosso mundo pós-Netflix e HBO, cheio de Game of Thrones, House of Cards, Black Mirrors da vida. Não tem planos mirabolantes, cenários de época ou futuristas, efeitos especiais, metáforas intrigantes ou finais clímax que fazem você arrancar os cabelos a cada episódio. Eu gosto desses também, embora ultimamente esteja em uma fase meio confort food das séries antigas. Gilmore Girls é um negócio meio assim: você olha lá, e tem umas meninas falando, umas filhas brigando com a mãe, um povo tomando café, um monte de gente esquisita em uma cidade do interior. EU ENTENDO A SUA DECEPÇÃO. Juro mesmo.

O que acontece na série, na real, são coisas no campo mais miúdo, digamos assim. Daquelas que requerem um certo interesse no cotidiano, um quê de empatia, um algo de identificação, pra que você dê atenção.

A Emily, por exemplo: dedicou todo o seu tempo, juventude e abdicou de quaisquer planos de carreira e afins para realizar seu sonho de construir uma família perfeita da alta sociedade. Investiu todos seus talentos, dinheiro e treinamento na educação de sua única filha, que mais parecia uma boneca, perfeita para transformar seu sonho em realidade. Mas tudo que ela conseguiu foi que sua bebê se transformasse em uma mãe solteira adolescente, rejeitasse tudo no que Emily amava e acreditava, e a repudiasse tanto que preferisse viver como pobre, cercada por estranhos, sem deixar que ela sequer visse sua netinha, outra boneca com os olhos azuis da mãe, crescer. Issaê, meu incrédulo leitor, se chama dor doída. E difícil de resolver.

Já a Lorelai, outra das protagonistas, morre de orgulho porque, afinal, ela conseguiu fazer uma coisa tão difícil. Se sentiu tão rejeitada pelos seus pais quatrocentões quando engravidou ainda adolescente, que arriscou geral: abriu mão da riqueza, do privilégio, da mansão dos pais, das possibilidades que o dinheiro abre para o seu futuro quando você é jovem — e falou: ‘Tudo bem papai e mamãe, vocês estão com vergonha de mim porque sou uma grávida de 15 anos de idade e não me encaixo nos planos de vocês? Pois óquei, em vez de casar com meu namoradinho rico eu vou embora, não preciso de vocês, eu e minha bebê ficaremos bem do meu jeito, GOODBYE!’

E ela arrasou, veja bem: sua filha cresceu uma linda garota prodígio; as duas são amissíssimas e próximas como ela e a mãe nunca foram; são, além disso, adoradas e super acolhidas por todos os moradores da cidadezinha fofa em que vivem.

Ela construiu a vida do seu jeito, sem precisar encarar a piedade desapontada dos pais. Mas quando, a filha cresce e Lorelai acompanha, feliz e orgulhosa, a jovem mergulhando no mundo Ivy League, sendo aceita em todas as universidades, decidindo se estuda em Harvard ou Yale, contemplando o céu como limite, Lorelai se pega comparando o futuro que poderia ter tido ao seu emprego de gerente de pousada e o diploma de técnica em administração que ela obteve na faculdade local….

A terceira protagonista é Rory, filha de Lorelai e neta de Emily. Sonha ser jornalista que nem a Christiane Amanpour e trabalhar no New York Times, mas na primeira rejeição que sofre vinda de um bam-bam-bam do jornalismo (que diz que ela não tem talento o suficiente) decide trancar Yale e viver uma vida de socialite sob as asas da avó rica, organizando festas e namorando bons partidos.

As coadjuvantes também são cheias de causos maravilhosos. Tem a Lane, melhor amiga coreana da Rory que cresce escondendo sua vida rebelde e rock’n’roll dos olhos conservadores e ultrarreligiosos de sua mãe, a dona Kim. Até que, quando ela consegue escapar da rédea curta e sai de casa pra morar com sua banda e namorado, descobre que não pode transar com ele porque, no fundo, ela quer casar virgem.

E a dona Kim, que sempre proibiu a filha Lane de ouvir rock e não admite profanidades em casa, se revela uma compositora de mão cheia quando descobre que a filha vai ser baterista e ajuda o genro a compor um hit para garantir seu sustento.

E a Paris, uma espécie de maravilhosa gênia do mal sem habilidades sociais e que não se considera atraente para meninos, mas perde a virgindade antes da Rory e acredita que não foi aceita em Harvard porque fez sexo.

É um monte de gente incoerente, indecisa, neurótica, que muda de ideia, que faz merda, volta atrás. Em geral, meninas. As histórias mais importantes são as dos personagens femininos — os moços estão lá também, mas em geral eles orbitam em torno das mulheres. E a série mostra um monte de decisões e situações parecidas com as que toda mulher já precisou tomar alguma vez — sobre sexo, sobre família, sobre religião, sobre carreira -, e não necessariamente tinha alguém pra debater antes.

Gilmore Girls, no fundo, mostra histórias de um monte de caminhos diferentes — conservador, rebelde, puritano, sexual — e no fim a mensagem é: tá tudo bem, amigas. Não tem receita de bolo, faz a sua coisa e segue a sua vida, que tá tudo bem. E é por isso que dizem, com razão, que é uma série feminista. Porque eu acredito — demais — que não tem nada mais feminista do que ser livre.

Gilmore Girls, my friends, é a confort food queen das séries. Ainda bem que ainda tenho três episódios novos para ver.

Ligia Guimarães é jornalista e estava LOUCA para assistir os episódios novos de Gilmore Girls.

PS: Se você resolveu superar essa barreira e tentar dar aquela assistidinha mas não quer ver sete temporadas, tó aqui uns resumos feitos pelo Netflix. São narrados pelo Kirk, que eu não citei, mas é um dos melhores personagens.

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Ligia Guimarães
Cada Uma

Brazilian journaist. 2016 Fellow at the Tow-Knight Center. MBA em economia pela FIA. Into economic, gender and social issues.