Histéricas, decotadas e fúteis: como a imprensa retrata as mulheres na crise política

Ligia Guimarães
Cada Uma
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5 min readApr 4, 2016

Bom seria se a capa da revista Isto É sobre Dilma fosse um caso isolado. Ou se fosse uma visão exclusiva da mídia. Mas não é.

Você já deve ter ouvido falar sobre a edição da revista Isto É desta semana. A matéria de capa, cujo título é “As Explosões Nervosas da Presidente”, tem sido alvo de muitas críticas e acusações de machismo por parte dos internautas. No Twitter, existe uma hashtag para o assunto: #IstoÉMachismo.

A reportagem retrata a presidente como uma autoridade “desequilibrada e sem condições emocionais de comandar o país no atual período de crise do governo”.

A revista cita uma série de argumentos: “a mandatária está irascível, fora de si e mais agressiva do que nunca”; “dispara palavrões aos borbotões a cada nova e frequente má notícia recebida”; “ a medicação nem sempre apresenta eficácia, como é possível notar.”

Entre leitores, o teor das críticas à Isto É é quase sempre o mesmo: a reportagem seria bem diferente se falasse sobre um homem. Há, por outro lado, quem discorde: “não se pode mais nem criticar a presidente que é machismo? Outro dia me chamaram de louco, então fui vítima de misoginia?”

Recomendo um exercício. Ponha a mão na consciência e tente recordar-se de uma vez em que um homem gritar palavrões para um subordinado foi notícia na capa de qualquer publicação.

Ou que um grito ou grosseria de um político, CEO ou autoridade masculina tenha sido atribuído a uma “medicação que claramente não funciona”.

Estereótipos como “louca, descontrolada, histérica, emocional demais” são frequentemente associados às mulheres — e não a eles.

Conceito, aliás, bem resumido neste tweet:

Bom seria se a capa sobre Dilma fosse um caso isolado. Mas não é. Tampouco trata-se de questão político-partidária, de esquerda ou direita. Três exemplos:

1. O site Diário do Centro do Mundo considerou que esta semana, de todas as opções de temas sobre os quais se poderia falar sobre a ex-deputada e ex-presidenciável Luciana Genro, a notícia mais relevante era a seguinte:

“Nova foto de Luciana Genro no Facebook atrai atenção pelo decote”.

A notícia não está mais no ar, mas dá para ler o título na URL: http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/nova-foto-de-luciana-genro-no-facebook-atrai-atencao-pelo-decote/

“Ao fazer 44 anos, Luciana Genro trocou sua foto no Facebook. Nos comentários, fora os parabéns e adjetivos como diva, rainha e lacradora, muitos internautas notaram e elogiaram o decote exuberante”.

2. O site de manchetes fictícias Sensacionalista, conhecido por tecer piadas críticas também à própria mídia (eles tiraram sarro da capa da Dilma da Isto É, por exemplo), fez a seguinte matéria sobre Marcela Temer, esposa do vice-presidente Michel Temer:

Eu li e reli o texto em busca do quê afinal seria tão engraçado/’sensacionalístico’sobre a vida de Marcela Temer , tirando o fato de que ela é casada com o Michel Temer, que é bem mais velho que ela e pode ser o seu (o meu, o nosso) próximo presidente da República. Trechos do texto:

“Marcela tem uma tatuagem com o nome de Michel Temer na nuca. Ela fez a tatuagem aos 19 anos, assim que começaram a namorar. Marcela que pediu para chegar perto de Temer, presidente da Câmara à época, para tirar foto. Temer casou com ela e não contou pra ninguém. A cerimônia foi para 20 pessoas e ninguém em Paulínia foi avisado. Medo de olho grande? A irmã de Marcela, Fernanda, foi convidada para posar nua em 2011 na revista Playboy. Aceitou, assinou o contrato tomando champanhe mas desistiu misteriosamente em cima da hora.”

Ah, e ainda tem uma “denúncia”:

“Ela foi miss da cidade de Paulínia aos 19 anos e depois vice miss São Paulo. O concurso, no entanto, era fajuto: não tinha qualquer filiação com concursos nacionais”

Resumão: Marcela é uma jovem de 32 anos, bonita, vaidosa, ex-modelo, que por algum motivo que não é da minha conta decidiu se casar com um homem bem mais velho que ela: 75. Ah, ela tem uma irmã bonita também. Você pode achar lindo, pode achar horrível, pode ter mil palpites: mas me parece que, até onde o texto nos informa, são todas decisões pessoais dela.

3. Menos pior seria se a prática de usar estereótipos para falar das mulheres fosse exclusividade da mídia. Não é.

Veja o exemplo do ex-presidente Lula que, nas gravações divulgadas de suas conversas grampeadas nas investigações da Operação Lava-Jato, esbanjou machismo pra dar e vender: primeiro, usou a expressão “mulheres de grelo duro” para referir-se às parlamentares de seu partido Fátima Bezerra e Maria do Rosário.

Em uma segunda conversa, desta vez com a presidente Dilma, Lula disse que, quando cinco policiais federais foram à casa de Clara Ant, atual diretora do Instituto Lula, ela estava dormindo sozinha e se assustou com a chegada dos agentes, acreditando ser um “presente de Deus”, o que arrancou gargalhadas da presidente, mas desagradou a internet mais uma vez. Não vi nenhuma capa de revista preocupada em analisar o machismo de Lula. Vi parte da sociedade reclamando na internet; mas pra falar a verdade, não era lá uma parte muito grande.

Isso não acontece só no Brasil. Leia mais nesse post bacana do coletivo feminista Think Olga

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Ligia Guimarães é mulher, brasileira e jornalista. Atualmente mora em Nova York e é fellow do Tow-Knight Center for Entrepreneurial Journalism. É repórter e aficionada em economia há 12 anos, mas anda muito interessada em dar mais voz às mulheres brasileiras na mídia.

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Ligia Guimarães
Cada Uma

Brazilian journaist. 2016 Fellow at the Tow-Knight Center. MBA em economia pela FIA. Into economic, gender and social issues.