(Foto: AP)

‘Que mensagem estamos dando para nossas meninas?’ A poderosa resposta de Michelle Obama à violência sexual de Trump não é só conversa de campanha

Ligia Guimarães
Cada Uma
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8 min readOct 17, 2016

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Por Cada Uma

O ano de 2016 está se revelando pesado e cheio de intolerância. Por isso, seja por inspiração, empatia ou informação, recomendamos fortemente que você assista/leia esse emocionante e poderoso discurso proferido pela primeira-dama dos Estados Unidos, Michelle Obama, no dia 13 de outubro, em Manchester, New Hampshire.

Você já leu trechos por aí, mas vale ler inteiro. Embora seja um discurso de campanha eleitoral, fala de questões doloridas para mulheres do mundo inteiro. Brasil, inclusive. Traduzimos aqui.

“Muito obrigada. Vocês são muito gentis. Amo vocês também. Não creio que estamos a apenas algumas semanas do dia das eleições, e que estamos aqui reunidos aqui para apoiar os próximos presidentes e vice-presidentes dos Estados Unidos, Hillary Clinton e Tim Kaine! E New Hampshire será importante, como sempre.

Então eu vou falar um pouco mais sério agora, porque eu acho que todos nós concordamos que esta foi uma semana difícil, numa eleição que já vinha difícil. Esta semana foi particularmente difícil para mim pessoalmente, porque foi uma semana de contraste profundo.

Na terça-feira, na Casa Branca, nós celebramos o Dia Internacional das Meninas e o Let Girls Learn (Deixem que as meninas aprendam), e foi uma celebração maravilhosa. Foi o último evento do Let Girls Learn do qual eu participarei como primeira dama.

E eu tive o prazer de passar horas conversando com algumas das jovens mais maravilhosas que você conhecerá, meninas aqui nos Estados Unidos e de todo o mundo. E nós conversamos sobre suas esperanças e seus sonhos. Conversamos sobre suas aspirações.

Vejam, porque muitas dessas meninas enfrentaram obstáculos inimagináveis apenas para frequentar a escola, colocando em risco sua segurança pessoal, sua liberdade, sob risco de rejeição por suas famílias e comunidades.

Então eu pensei que seria importante lembrar a essas jovens mulheres o quão valiosas e preciosas elas são. Eu queria que elas entendessem que a medida de qualquer sociedade é a maneira com que ela trata suas mulheres e meninas. E eu as disse que elas merecem ser tratadas com respeito e dignidade. e eu as disse que elas deveriam desconsiderar qualquer pessoa que as humilhe ou desvalorize, e que elas deveriam fazer suas vozes serem ouvidas no mundo. E eu saí de lá me sentindo tão inspirada, assim como eu me sinto inspirada por todos os jovens que estão aqui — e eu fui tão elevada por aquelas meninas. E isso foi terça-feira.

E agora, cá estou, na campanha eleitoral em uma eleição em que temos consistentemente ouvido linguagem ofensiva, cheia de ódio a respeito das mulheres — uma linguagem que tem sido dolorosa para muitas de nós, não só como mulheres, mas como pais que tentam proteger suas crianças e criá-las para serem adultos solidários, respeitosos, e cidadães que acreditam que os líderes de nossa nação deveriam atender a padrões básicos de decência humana.

O fato de que nesta eleição, nós temos um candidato à Presidência dos Estados Unidos que, ao longo de sua vida e da campanha, disse coisas a respeito das mulheres que são tão chocantes, são humilhantes que eu simplesmente não as irei repetir aqui hoje. E semana passada, nós vimos este candidato se gabando de abusar sexualmente de mulheres.

E eu não acredito que eu estou dizendo que um candidato a Presidente dos Estados Unidos contou vantagem sobre ter abusado sexualmente de mulheres.

E eu preciso dizer a vocês que eu não consigo parar de pensar nisso. Isso me abalou profundamente, de uma maneira que eu não poderia ter previsto.

Então, embora eu adorasse nada além que fingir que isso não está acontecendo, e chegar aqui e fazer o meu discurso normal de campanha, isso seria desonesto e dissimulado da minha parte; que eu apenas seguisse em frente como se tudo isso fosse só um sonho ruim.

E isso não é algo que nós possamos ignorar. Não é algo que nós podemos varrer para debaixo do tapete como uma nota de rodapé perturbadora em uma triste temporada eleitoral. Porque isso não foi só uma “conversa obscena”.

Não foi apenas uma conversa de vestiário. Foi um indivíduo poderoso falando aberta e livremente sobre seu comportamento sexual predatório, e realmente contando vantagem sobre haver beijado e agarrado mulheres, usando uma linguagem tão obscena que muitos de nós ficamos preocupados que nossas crianças fossem ouvir quando ligássemos a TV.

E para piorar, agora parece muito claro que isso não foi um incidente isolado. É um dos incontáveis exemplos de como ele tem tratado as mulheres por toda sua vida.

E preciso contar a vocês que eu escuto tudo isso e eu sinto tudo de forma tão pessoal, e eu tenho certeza que o mesmo acontece com vocês, especialmente as mulheres. Os comentários vergonhosos a respeito dos nossos corpos. O desrespeito sobre nossas ambições e intelecto. A crença de que você pode fazer o que quiser a uma mulher.

Isso é cruel. É assustador. E a verdade é que machuca. Machuca. É como aquele sentimento doente, horrível que você tem quando está andando pela rua, vivendo sua vida, e algum cara grita coisas vulgares a respeito do seu corpo. Ou quando você vê que um homem no trabalho fica um pouco perto demais, ou fica te olhando por tempo demais, e faz com que você se sinta desconfortável em sua própria pele.

É aquele sentimento de terror e violação que um número grande demais de mulheres sentiram quando alguém as agarrou, ou as forçou, e elas disseram não, mas ele não ouviu — algo que nós sabemos que acontece nos campi das universidades e em incontáveis outros lugares todos os dias.

Isso nos lembra de histórias que ouvimos de nossas mães e avós sobre como, na época delas, o chefe podia dizer e fazer o que bem quisesse às mulheres do escritório, e por mais duro que elas trabalhassem, e sobrepusessem todos os obstáculos para provarem que eram capazes, nunca era suficiente.

Nós pensávamos que tudo isso era história antiga, não é? E tantos já trabalharam por tantos anos para acabar com esse tipo de violência, e abuso e desrespeito, mas cá estamos em 2016 e estamos ouvindo estas exatas mesmas coisas todos os dias na campanha eleitoral. Estamos nos afundando nelas. E todos nós estamos fazendo o que as mulheres sempre fizeram: estamos tentando manter nossas cabeças acima da água, tentando passar por isso, tentando fingir que isso não nos incomoda, talvez porque achamos que admitir o quanto isso nos machuca faz com que nós mulheres pareçamos fracas.

Talvez tenhamos medo de ser tão vulneráveis. Talvez tenhamos nos acostumado a engolir essas emoções e ficarmos quietas, porque já vimos que as pessoas frequentemente não acreditam na nossa palavra contra a dele. Ou talvez não queiramos acreditar que ainda há pessoas que pensem tão pouco de nós como mulheres. Pessoas demais estão tratando isso como outra manchete de um dia qualquer, como se nossa fúria fosse exagerada ou injustificada, como se isso fosse normal, apenas a política de sempre.

Mas, New Hampshire, sejam claros: isso não é normal. Isso não é política como a conhecemos. É vergonhoso. É intolerável. E não importa a qual partido você pertença — Democrata, Republicano, independente —nenhuma mulher merece ser tratada dessa maneira. Nenhuma de nós merece esse tipo de abuso.

E eu sei que é uma campanha, mas isso não é sobre política. É sobre o básico da decência humana. É sobre certo e errado. E nós simplesmente não podemos persistir nisso, ou expor nossas crianças a isso por mais tempo — nem por um minuto a mais, que dirá por quatro anos. Agora é o tempo para que todos nós nos defendamos para dizer que já chega. Isso tem que parar agora mesmo.

Porque considere isso. Se tudo isso é doloroso demais para nós, mulheres adultas, o que vocês acham que isso está fazendo para nossas crianças? Que mensagem nossas menininhas estão recebendo sobre como elas deviam se parecer, como deveriam agir? Que lições estão aprendendo sobre sobre seu valor como profissionais, como seres humanos, seus sonhos e aspirações?

E como isso está afetando os meninos deste país? Porque eu posso dizer a vocês que os homens na minha vida não falam assim a respeito das mulheres. E eu sei que minha família não é a exceção. E reduzir isso como “conversa de vestiário” é um insulto aos homens decentes que estão em todo lugar.

Os homens que eu e você conhecemos não tratam as mulheres desta maneira. Eles são pais amorosos que estão enojados pela ideia de que suas filhas sejam expostas a esse tipo de linguagem cruel a respeito das mulheres. São maridos e irmãos e filhos que não toleram que mulheres sejam humilhadas e desrespeitadas. E, como nós, esses homens estão preocupados com o impacto que essa eleição está tendo sobre nossos meninos que estão procurando por exemplos do que significa ser um homem.

Na verdade, alguém me contou uma história recentemente sobre seu filho de seis anos de idade que estava vendo o noticiário na TV outro dia — eles estavam assistindo juntos. E o menininho, do nada, disse, “Eu acho que a Hillary Clinton vai ser presidente”. E sua mãe disse, “Por que você diz isso?” E o menino de seis anos disse: “Porque o outro cara chamou alguém de porquinho”, ele disse, “e você não pode ser presidente se você chama alguém de porquinho”.

Então até uma criança de seis a nos de idade sabe melhor. Uma criança de seis anos de idade sabe que não é assim que adultos se comportam. E certamente não é assim que alguém que quer ser presidente dos Estados Unidos se comporta.

Porque, sejamos muito claros: homens fortes — homens que são verdadeiros exemplos para as crianças — não precisam rebaixar mulheres para se sentirem poderosos. Pessoas que são verdadeiramente fortes elevam as outras. Pessoas que são verdadeiramente poderosas unem as outras.

E é isso que precisamos no nosso próximo presidente. Precisamos de alguém que seja uma força unificadora neste país. Precisamos de alguém que vai curar as feridas que nos dividem, alguém que realmente se importe conosco e com nossas crianças, alguém com força e compreensão para levar este país adiante.

E deixe-me dizer a vocês, estou aqui hoje porque eu acredito com todo o meu coração que Hillary Clinton será esta presidente”.

O Cada Uma é um espaço dedicado a criar empatia e conectar mulheres contando suas histórias de vida. Jornalismo e inspiração.

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Ligia Guimarães
Cada Uma

Brazilian journaist. 2016 Fellow at the Tow-Knight Center. MBA em economia pela FIA. Into economic, gender and social issues.