Marisa com o Coração na Boca

Cadê as três?
Cadê as três?
Published in
8 min readMar 16, 2018
Crédito da Imagem: Fernanda Brito Gaia

Nós batemos um papo muito divertido com a cantora Marisa Brito. Depois de um período afastada do cenário musical, Marisa voltou com tudo e ontem (15) fez o primeiro show de sua turnê “Coração na Boca”, autoral e com uma sonoridade diferente do que estávamos acostumados. Retrato de um processo de autoconhecimento e descobertas inspirador. O EP foi lançado ano passado, mas a carreira de Marisa começou aos 15 anos. Ela já foi vocalista da banda “Euterpia” que completa 20 anos de história este ano.

Mesmo morando em São Paulo, Marisa escolheu Belém para apresentação de seu novo trabalho, pois foi onde foi criada, teve toda sua formação musical e onde estão seus grandes parceiros musicais. Nós, claro, fomos escutar de pertinho seu som e aproveitamos para batemos um papinho com ela. Bora conversar também? Confere aí:

Cadê as três: Durante muito tempo nós estávamos acostumados a te ouvir de outra forma na banda A Euterpia, e agora conhecemos outro som da Marisa, uma música com uma vibe diferente. Essas letras e melodias sempre estiveram aí, de certa forma, guardadas, ou é uma coisa nova pra você também?

Marisa Brito: Acho que sempre estiveram guardadas, porém num lugar onde eu não as acionava. Sabe? Por uma serie de questões que me travavam. Eu mesma tinha medo de olhar para o que eu fazia, medo de julgamentos. Eu era uma pessoa extremamente perfeccionista. Mas com o amadurecimento busquei ser mais leve e isso me permitiu enxergar melhor o que existia dentro de mim. E de aceitar o que eu fazia. Foi aí que tudo mudou.

C3:Você já disse que demorou para iniciar na arte da composição, por quê? O que você acha que fez a composição entrar mais tarde na sua vida?

MB: Eram essas travas. Eu andava com pessoas que sempre achei muito talentosas. Eles compunham tão bem, e como eu era a mais nova, sempre tinha aquela ideia de que “já tem gente fazendo tão bem isso, porque que eu vou me meter a fazer?” O que é um erro, sabe? Não podemos colocar limites pra nós, nunca. Ainda bem que me libertei!

C3: Ser uma compositora mulher, também é dar mais espaço para os olhares femininos no mundo, nossas vivências. Você acredita que a sua música vai tocar mais especialmente as mulheres?

MB: Eu acho lindo ver cada vez mais mulheres compondo, tocando, produzindo, enfim… Antes era reservado a mulher o espaço apenas de cantora. E as cantoras cantavam e expressavam a visão de mundo de um homem. O fato de ser mulher, também foi algo que ajudou nas travas que falei lá em cima. De maneira inconsciente eu me achava incapaz de compor e tocar instrumentos. Mas sempre quis.

Eu acho que o fato de ser mulher traz outros olhares sobre o mundo, mas não necessariamente minha música é feita apenas para mulheres ouvirem. Crio música para o mundo. Vejo que o aumento de mulheres no meio musical só traz mais enriquecimento para essa arte. Abre novas possibilidades, novos caminhos. E ainda temos muito para descobrir e desbravar.

C3: O seu EP novo tá um arraso. Adoramos. Como foi encarar esse projeto solo, com uma sonoridade nova, autoral? Como foi lidar com a pressão e com toda essa responsabilidade? Você teve medo de desapontar seu público? E a si mesma?

MB: Sim, todos esses medos vieram. Por isso foi fundamental o apoio de pessoas muito importantes. Na construção do EP eu contei com o trabalho do produtor Vinicius Sauerbromm, e tive o suporte de uma terapeuta e coach maravilhosa, a Carolina Jucá. Além disso, tenho pessoas nas quais confio imensamente e que me apoiam e me dão força. Eu senti que estava na hora de romper essas barreiras e enfrentar meus medos. Muitos pensamentos e sentimentos estranhos surgiram no caminho. Eu percebi que é impossível dissociar quem eu sou como pessoa de quem eu sou como artista. Vi que quanto mais eu me libertava como pessoa, mais me libertava artisticamente e vice versa. Então vejo a arte como um meio de transformação para mim. A arte é a minha forma de descobrir o mundo.

Tive medo de desapontar o publico que já me conhecia pela Euterpia, sabe? Pois o trabalho da banda era muito diferente. Mas decidi que não tenho controle sobre isso, aliás, sobre nada. Então temos que nos jogar mesmo. E estou recebendo um retorno maravilhoso das pessoas.

C3: Você também já disse que essa nova fase, vem muito de um processo pessoal de autoconhecimento. Como se iniciou essa fase na sua vida? O que você descobriu em todo esse processo?

MB: Olha, acho que tudo aconteceu na fase de transição para os meus 30 anos. É um período forte na vida de qualquer pessoa, e pra mim ainda juntou com uma mudança radical de vida. Tive uma perda muito grande, perdi meu pai. E foi o primeiro contato direto e tão de perto com a morte. Isso me trouxe muitas reflexões, me obrigou a pensar sobre o real sentido e minha missão nessa vida. E vi que não queria mais perder tempo. Sabe? Acho que quando nos deparamos com situações fortes como essa, não tem como sair a mesma pessoa. Então, iniciei um trabalho de terapia pra realmente entender de uma vez por todas o que eu ainda tinha que fazer por aqui. E foi então que percebi que ainda tinha sim que cantar, compor e ter um trabalho artístico (já que estava longe dos palcos havia uns 5 anos).

C3: Você acha que essas buscas e processos de autoconhecimento, aceitação, etc. são de certa forma mais importantes para nós, mulheres? O que você diria para uma mana que está precisando se encontrar?

MB: Acho que todo ser humano passa ou passará por isso. Mas penso que para as mulheres as amarras são muito maiores. É imposto pra nós que não podemos arriscar, que temos que ser sempre certinhas, corretas, bondosas, amorosas… E ao homem é ensinado desde sempre não ter medo, ser corajoso, enfrentar desafios, ir pra briga… e no mundo real, enfrentamos desafios constantemente. E para mulheres que foram ensinadas nesse formato (para ser a boazinha), quando elas se deparam um com desafio grande, elas pensam: “é, melhor eu ficar aqui quietinha no meu canto para não atrapalhar ninguém, para não ser vista como chata, briguenta, etc.”.

Eu diria para as manas o seguinte: “olhe fundo para dentro de você e descubra, sinta o que você realmente ama e quer fazer da sua vida e saiba que qualquer caminho é feito de desafios, e que vamos ter sim que brigar e lutar por eles. Como os homens já crescem sabendo fazer. Não tenham medo de lutar. Nem sempre precisamos ser a fofa, a agradável. Às vezes vamos nos deparar com momentos em que vamos precisar ser mais duras e firmes sim e ir pra briga. E tudo bem! Isso faz parte da vida! E quanto mais fortes estivermos, mais facilmente ajudaremos umas as outras!”

C3: De forma bem corajosa, você disse em uma entrevista para o Dol, que no início houve um estranhamento da sua parte sobre o caminho que as suas novas canções estavam te levando, por um caminho mais pop, mais leve; e que inclusive chegou a esconder o que gostava e também suas composições. Por que essa via mais para o pop te assustou? O que poderia haver de errado em se aproximar deste gênero?

MB: Porque minha antiga banda tinha uma sonoridade mais experimental, fazia um som fora dos padrões para aquele momento. Quando comecei a compor, inconscientemente acho que eu comparava as minhas músicas com as da banda. E elas eram muito diferentes. Então como a banda era meu referencial, eu achava que minhas músicas eram mais bobas, muito simples. Mas depois entendi que na verdade eu amo a musica pop, amo esse formado com refrãos marcantes, amo ver as pessoas cantando junto comigo. Nada me deixa mais feliz do que isso!

C3: E agora, depois desse longo percurso, estamos nos dias da sua estreia, mostrando seu novo trabalho, que é a sua cara, como você se sente? Como é sentir essa conquista como mulher?

MB: Aaa eu me sinto uma pessoa feliz, vitoriosa e realizada! Ouvir o retorno das pessoas, saber que minhas músicas estão tocando os corações delas é a maior realização que eu poderia ter! Bom demais!!!!

C3: Nós estamos apaixonadas por Coração na Boca, não está dando para parar de ouvir! Dá para escolher a sua música preferida desse EP, uma que você tenha aquele carinho todo especial? E por quê?

MB: Olha, eu amo esse EP inteirinho hahahahahha porque ele foi feito com muito amor. Eu dizia na época da produção dele: quero fazer um disco que eu como público ouviria. Sabe? E tentava imaginar um segundo Eu, alguém que se descolava de mim para tentar olhar de forma distanciada e analisar o EP… e eu via que eu amava. Fiz um EP que eu sinto prazer de ouvir do inicio ao fim. E só finalizei ele até sentir que eu estava 100% satisfeita. Eu amo todas, são todas minhas filhas. Mas talvez “Por Trás do Desenho” tenha um sabor especial, pois foi a primeira composição da minha vida.

C3: E por fim, como estamos no mês das mulheres e queremos exaltá-las, nós gostaríamos de saber quais mulheres te inspiram? Pode ser mais de uma, pode ser de perto (amigas, familiares, etc.) ou de longe (que não conhecemos pessoalmente, mas são inspiradoras), e o porquê.

MB: Nossa, são tantas! Venho de uma família onde a mulheres dominam e comandam haahhahahaha. Só nasce mulher nessa família, os homens são minoria. Hahaha, então minha mãe é a primeira inspiração e minha irmã Fernanda Brito — Gaia. Na música, a Rita Lee sempre me encantou, ficava pensando como ela, numa época bem mais complicada, conseguia compor músicas que falam de temas como liberdade e sexo com tanta naturalidade. Acho incrível! Tem tantas mulheres foda! A Sammliz é uma amiga e parceira, que além de eu ser fã, eu e ela vivemos juntas um período muito forte. Durante um tempo, era eu e ela de mulheres num meio dominado por homens (como era o rock paraense). E sempre nos apoiamos e exaltamos uma a outra. Depois muitas outras foram surgindo e fomos ampliando esse núcleo de apoio. Hoje eu tenho conexão com muitas artistas paraenses, mulheres maravilhosas e com as quais amo dialogar, e/ou dividir o palco. Posso citar algumas aqui: Elaine Valente, Liège, Lívia Mendes, Versos Polaris, Ana Clara, Dayane Gasparetto, Juliana Sinimbu, Natália Matos… Aí posso citar muitas outras mulheres que me inspiram: PJ Harvey, Viola Davis, Yael Nain, Chimamanda Adichie, Beyoncé, Elza Soares, Feist, Gal Costa…Olha, a lista seria gigante, viu? Ahhahaha

Maravilhosa, né? Nós adoramos conhecer a Marisa pessoalmente. E você o que achou do novo EP Coração na Boca? Conta pra gente! Você consegue ouvir todas as músicas no Canal da Cantora no Youtube ou no Spotify.

Beijinhos, e até a próxima.

--

--