Quando me curei da Covid, depois de levar um susto durante a pandemia

Raquel Rapini
Cadeira Para um Só? Sim, por favor
2 min readAug 15, 2024

retornei da experiência com uma vontade absurda de viver.

O fato de eu estar simplesmente respirando e fazendo coisas corriqueiras me causavam êxtase.

Sentia vontade de invadir os espaços, pegar as pessoas pelos ombros e chacoalhar: “diante de tantas mortes, você tá vivo!! Cê tem noção de como isso é maravilhoso!?”.

Mas o mundo, ainda juntando os cacos, não me respondia com o mesmo entusiasmo, e as pessoas estavam cansadas demais. E depois, quando tudo normalizou, já estavam há algum tempo vivendo no automático de novo.

Não houve, como eu esperava, um dia fatídico, um marco, ou uma celebração capaz de unificar todas as pessoas numa grande festa, reunidas nas ruas, fanfarras rolando, gente se abraçando e serpentinas pelos ares, “acabou, passamos por essa!”.

Tudo não passava de uma fantasia infantil.

A declaração oficial da OMS foi publicada nos jornais digitais e compartilhada na timeline do LinkedIn, vista por quem já estava no modelo híbrido ou o presencial insosso.

Decidi então fazer minha própria festa, em celebração ao amor.

Mais uma vez, criei expectativas. De que todo mundo fosse sambar em uma grande roda, honrando a própria ancestralidade.

Apenas os mais velhos tinham disposição para isso e vibravam na mesma frequência que eu.

Os jovens preferiram se isolar entre as árvores, fumando maconha e problematizando as inúmeras perturbações do capitalismo tardio.

Quando tudo acabou, me vi sozinha no terraço de uma casa enorme no meio do mato, com as cigarras cantando e uma sensação de: “e agora? o que eu faço com essa alegria que ainda não se esgotou?”.

Outra escolha não foi possível senão levá-la comigo para todo canto, mesmo que nem sempre sejamos bem-vindas, pois há quem se afronte.

E eu entendo que existe conforto neste espaço onde se deleita no próprio melodrama. Ai de quem invadir — blasfêmia.

A essa gente, eu peço sempre licença e minhas sinceras desculpas por ser assim, descompassada.

É que, num breve encontro com a morte, descobri que ela é generosa, pois deu de presente esse algo que me transborda.

Desde então, tenho seguido assim, feito cavaco tocando sozinho em velório.

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Raquel Rapini
Cadeira Para um Só? Sim, por favor

Journalist | Muita coisa na cabeça, pouco nexo e alguns vômitos mentais