Política de clubes no Brasil e sua influência

Rodrigo Romano
9 min readOct 23, 2018

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Nos últimos meses o Brasil esteve envolvido com as eleições para cinco cargos políticos, decidindo quem irá comandar o país pelos próximos anos. Esse envolvimento foi capaz de influenciar toda a sociedade. O processo eleitoral foi tema de conversas nos mais variados ambientes, desde festas de famílias e amigos até nas arquibancadas de estádios e ginásios, enquanto a partida ainda estava para começar. Nas redes sociais não se falava de outra coisa. As eleições também influenciaram o mercado financeiro. O dólar e a bolsa de valores variaram algumas vezes de acordo com a divulgação de cada nova pesquisa.

O objetivo aqui é falar de outro tipo de processo eleitoral. Como nossos clubes são formados juridicamente como associações, eles possuem eleições para decidir os cargos principais: presidente ou conselho de gestão/administração, e os membros dos conselhos deliberativos. Assim como na sociedade, essas eleições também possuem influências em alguns aspectos das instituições esportivas. Esclarecer isso é o principal objetivo desse texto, trazendo exemplos do que ocorre na política de clubes no Brasil.

Antes de entrar nos tópicos principais, é bom fazer um reconhecimento do cenário político do futebol do país. Até pouco tempo, este não era assunto muito divulgado pela mídia brasileira. Apenas se sabia quem eram os presidentes, o vice-presidente de futebol em alguns casos. Tal contexto foi mais um a sofrer alterações com a chegada dos meios digitais. A partir deles, a informação sobre qualquer assunto é compartilhada com mais facilidade. O desejo pelo conhecimento também aumentou, o consumidor agora demanda ainda mais notícias e fatos sobre seu clube, seja na área do futebol ou da gestão, envolvendo questões políticas. Com o conhecimento em mãos, cresceu também o senso crítico do torcedor. Dirigentes hoje em dia são cobrados por seus erros administrativos, ainda em menor escala em relação à contratações, trocas de treinador e demais decisões ligadas totalmente ao futebol. Com essa mudança na sociedade e nas torcidas, a política dos clubes se tornou mais aberta, com sócios participando em maior número, mais notícias saindo na imprensa e as eleições se tornando grandes eventos.

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O principal exemplo desse fenômeno foi o processo de recuperação do Esporte Clube Bahia. O tricolor baiano viveu forte crise política envolvendo o conselho deliberativo e Marcelo Guimarães Filho (conhecido como MGF), presidente da época. Sua reeleição para o segundo mandato em dezembro de 2011 foi um dos pontos que iniciaram a mudança do sistema do clube. As goleadas sofridas para o rival Vitória por 5 x 1 e 7 x 3 já em 2013, seguidas de protestos da torcida também contribuíram para o fato. Pouco mais de um ano após o polêmico triunfo de MGF em eleições apenas no conselho deliberativo, essa decisão foi judicialmente anulada e o Bahia permaneceu em intervenção jurídica, comandado pelo advogado Carlos Rátis. A grande mudança feita pelo interventor foi a diminuição no preço da joia para se associar ao tricolor: de R$ 300,00 para R$ 10,00. A torcida correspondeu com quase 15 mil novos sócios. Na sequência houve a assembleia para votação de um novo estatuto, que fez do clube uma instituição mais democrática, como direito a voto para o sócio, ficha-limpa para os candidatos, declaração de bens de candidatos à presidência e vice-presidência. No dia 7 de setembro de 2013, feriado da independência, o clube passou por sua primeira eleição direta. O colégio eleitoral era formado por 10.444 pessoas e participaram da eleição 4.932, elegendo Fernando Schmidt para um mandato curto, com finalidade de ajustar o clube às regras do novo estatuto.

Grande colégio eleitoral fez Internacional buscar o recorde de votantes numa eleição de clubes de futebol.

Outro passo importante é a abertura para novos eleitores. Antigamente só poderiam votar as categorias mais exclusivas de sócios, com preço mais elevado de associação e mensalidade. Hoje em dia os clubes já se abrem para os sócios torcedores, com pagamento mensal a partir de R$ 20,00. O tamanho do colégio eleitoral de Grêmio e Internacional é o maior exemplo desse crescimento. Levando em conta dados do Tribunal Superior Eleitoral para as eleições de 2018 e os números das últimas eleições da dupla Gre-Nal, o colorado teria o 24º colégio eleitoral do Rio Grande do Sul(em torno de 67.000 sócios aptos a votar), enquanto o tricolor seria o 44º, com 39.201. Em outros estados ainda existem restrições. No Rio de Janeiro apenas Fluminense e Botafogo permitem o voto do sócio torcedor, enquanto em São Paulo somente o Santos. Em Minas os dois principais clubes estão fechados, com eleições apenas no conselho deliberativo, ao contrário da Bahia, onde o Vitória também possui um processo democrático, assim como o tricolor, já citado por aqui.

Com a estrutura política dos clubes de futebol brasileiro esclarecida, o próximo passo é expor as principais áreas influenciadas pela mesma nas instituições: imagem, planejamento e finanças.

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Influência na imagem:

O primeiro ponto levantado neste texto aborda a questão da imagem dos clubes com sua torcida, admiradores do esporte e principalmente marcas que possuem interesse de entrar no mercado esportivo. O imbróglio que viveu o Bahia no início da década é apenas um dos exemplos de confusões envolvendo a política de clubes. Em 2018 houveram algumas situações que podem causar um efeito negativo na imagem do clube. No Santos ocorreu um processo de impeachment contra o presidente José Carlos Peres. Os motivos foram a publicação de uma portaria que definiu que as contratações do alvinegro praiano seriam definidas pelo próprio presidente, sem levar em conta Comitê de Gestão do clube, e o possível fato de José Carlos ser sócio de uma empresa de agenciamento de atletas, o que não é permitido pelo estatuto do Santos. Apesar de ser aprovado no conselho deliberativo, os sócios foram contrários ao impeachmente, com o presidente permanecendo no cargo. No Vasco da Gama, a eleição que ocorreu no final de 2017 foi anulada pela justiça, em decisão divulgada no final de setembro. O pleito foi repleto de polêmicas, com denúncias de fraude sendo feitas. Uma nova eleição está marcada para o dia 8 de dezembro, caso não haja nenhuma novidade na justiça. Aqueles que foram responsabilizados pela fraude, como o ex-presidente Eurico Miranda, estão impedidos de participar deste novo pleito.

Todos estes fatos diminuem a credibilidade do mercado brasileiro com grandes empresas de fora, que poderiam ingressar no mercado local. A CBF também contribui para tal, com as prisões e denúncias que atingiram seus dirigentes nos anos recentes. O estudo feito por José Colagrossi, diretor da IBOPE Repucom, sobre os patrocínios das camisas de equipes da América Latina colabora com nossa tese. Segundo o texto, a crise de credibilidade do esporte brasileiro e dos gestores que atuam por aqui é um dos motivos para que grandes empresas estejam presentes em outros países e não no Brasil. Acesse aqui e saiba os outros motivos. Enquanto isso, o Flamengo realiza um trabalho justamente para recuperar sua credibilidade com patrocinadores e demais agentes do mercado. Desde 2013, através da gestão do presidente Eduardo Bandeira de Melo, a dívida do clube foi reduzida, os salários se mantém em dia e alavancou suas receitas, se tornando aquele que mais arrecada no futebol nacional.

Grandes marcas patrocinando clubes em toda América Latina.

Influência no planejamento

O tópico seguinte trata sobre o planejamento. Muito se fala sobre a importância dele aqui no Brasil, mas pouco se trabalha tal recurso. Se tratando de planejamento estratégico, nenhum clube possui em seu site algo que demonstre um pensamento de médio/longo prazo. Isso ocorre porque o trabalho interno é feito pensando muito no ciclo político de cada gestão, ou seja, dois ou três anos, tempo de mandato da maioria dos clubes.

Um caso recente que comprova isso aconteceu no Internacional em 2014. O candidato da situação Marcelo Medeiros garantia Abel Braga como técnico para o ano seguinte. O mesmo não acontecia com o opositor Vitório Píffero, que acabou saindo da eleição como vencedor. Este não possuía um nome para técnico e tentou algumas alternativas até acertar com Diego Aguirre, atrasando o planejamento do futebol para 2015. O Fluminense em 2016 também passou por problemas envolvendo o treinador. Durante toda a campanha, o candidato da situação Pedro Abad defendeu Roger Machado como futuro comandante do time caso vencesse a disputa, com a negociação iniciando somente após sua vitória. Pedro foi realmente eleito, mas enquanto ocorriam as eleições no tricolor, Roger era anunciado como técnico do Atlético-MG para 2017. Um planejamento que unificasse os candidatos, tanto de Internacional, quanto de Fluminense, em torno de um nome teria evitado qualquer falha no começo da temporada seguinte. O último caso é de setembro de 2018. O Flamengo contratou Dorival Júnior para o cargo de treinador, substituindo Maurício Barbieri. O novo comandante ficará apenas 12 jogos no posto, e a eleição deste final de ano no clube é uma das razões para a curta duração do contrato.

Influência nas finanças

O último tópico é relativo a influência que a política possui nas finanças das instituições. Em anos eleitorais é comum observar mais obras acontecendo na cidade, aumento do policiamento nas ruas. Isso tem como objetivo deixar uma boa impressão para a população em um período próximo ao das eleições. A lembrança recente de uma cidade segura e que se desenvolve pode ser decisiva no momento de definir o voto. No futebol se observa o mesmo. No entanto, a forma que os dirigentes têm para deixar uma boa impressão recente é tentar de todas as maneiras realizar campanhas marcantes nos campeonatos disputados. Isso quer dizer que contratações milionárias serão feitas, mesmo que o clube passe por um momento difícil em suas finanças. O problema é que nem sempre o objetivo é atingido, deixando o futuro da instituição prejudicado por causa de uma influência política.

Esse tema já foi assunto de um trabalho acadêmico. Em “Ciclos político econômicos: um teste para os clubes de futebol”, produzido por Inácio Recena, um teste é feito para comprovar que um dos fatores que afetam as despesas dos clubes formados como associações são os ciclos políticos econômicos, principalmente quando o período entre uma eleição e outra é de três anos. O autor ainda compara os clubes brasileiros com europeus, formados em sua maioria como empresas, evidenciando a força dos ciclos políticos. A solução apontada é a alteração na forma como os clubes são organizados, passando a ter um modelo semelhante ao aplicado na Europa, com donos ou empresas como gestores. Já houveram tentativas para que essa alteração ocorresse com a Lei Pelé no final da década de 1990, mas a política prevaleceu e os clubes se mantiveram como associações. Em 2016 o deputado Otávio Leite (PSDB-RJ) elaborou o projeto de lei que buscava criar uma nova via societária, a Sociedade Anônima do Futebol (SAF), e estabelecer normas de governança e do regime tributário da mesma. O deputado não foi reeleito, deixando a continuidade do processo em dúvida. Outra ferramenta que poderia auxiliar neste trabalho é o Profut, lei que garantiria a responsabilidade financeira dos clubes, inclusive com alguns mecanismos de controle. No entanto, conforme já havia sido avaliado por alguns, as instituições não respeitam totalmente o acordo. Resta agora o controle por parte da Apfut, Autoridade Pública de Governança do Futebol, criada justamente com este propósito.

A partir destes aspectos, é possível entender mais uma chave para a situação atual do futebol brasileiro. Além de confusões grandes, como as ocorridas em Santos e Vasco, existem fatores menores que acabam influenciados negativamente pela política. Esta atrapalha na busca por patrocinadores e empresas que queiram investir no esporte. Atrapalha no planejamento de curto, médio e longo prazo. E atrapalha ainda na vida financeira dos clubes, prejudicados principalmente em anos eleitorais. Que as associações e seus conselheiros saibam dessa sua força e iniciem um processo para que a política tenha apenas influência positiva, seja através de debates, participação do sócio e no auxílio para gestores profissionais que trabalham no clube.

Texto de Rodrigo Romano.

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Rodrigo Romano

Head de Operações FootHub — Gestão e inovação no esporte