Crítica

A inquietude em A Paixão Segundo G.H.

Adaptação cinematográfica da obra de Clarice Lispector chega aos cinemas

Eduarda Souza
Caderno 2
Published in
2 min readApr 13, 2024

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Foto: Divulgação

Há 60 anos, Clarice Lispector publicava o livro que hoje se torna filme, apesar de ser tido como um desafio a ser adaptado para o cinema devido a densidade do fluxo de consciência que norteia a obra.

Sob a direção de Luiz Fernando Carvalho, Maria Fernanda Candido dá o rosto e a voz que faltavam à G.H., uma escultora rica que vive num Rio de Janeiro de 1964. Após demitir Janair (Samira Nancassa), a empregada, G.H. se vê sozinha e mergulhada em reflexões filosóficas e profundamente pessoais.

O roteiro incorpora o texto da autora, que se torna um longo monólogo. A primeira vista a ideia parece cansativa, mas a voz de Maria Fernanda Candido, que prende a atenção do espectador, e o contato visual com o público é encantador. Aos poucos é possível se pegar hipnotizado por uma atuação tão tocante, e se sentir quase em uma conversa com G.H., caracterizada com elementos que remetem muito à uma imagem que temos da própria Clarice.

Foto: Divulgação

Ontem de manhã, quando saí da sala para o quarto da empregada, nada me fazia supor que eu estava a um passo da descoberta de um império, a um passo de mim. Antes de entrar no quarto, o que era eu?

O filme mostra que, independente do formato, seja filme ou livro, Clarice nos atinge primeiro na emoção: para entender é necessário refletir e sentir. Com o ritmo mais acelerado do cinema, o momento da reflexão fica para a posteridade, mas a sensação de reconhecimento ainda está lá, basta dar ouvidos às palavras da personagem em uma busca por si mesma e num encontro com a realidade bruta.

A Paixão Segundo G.H. é a porta que se abre para um império complexo de ser explicado, que desperta o que existe de mais humano quando o espectador se deixa levar. A inquietude de G.H. é passada adiante a quem se dispõe a procurar por si próprio também.

A direção de Carvalho traz um contraste sensacional entre a beleza da vida e os horrores do mundo, como a barata, a personagem secundária do longa. O filme sabe ser tenso quando deve ser e é delicado na medida certa. Merece se assistido e reassistido, e com certeza terá um impacto diferente a cada vez que for visto.

O filme está disponível nos cinemas GNC Moinhos, na Sala Eduardo Hirtz da Cinemateca Paulo Amorim e no CineBancários em Porto Alegre.

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