Resenha

A Mulher da Casa Abandonada: uma assustadora história da vida real.

O podcast da Folha vem chamando muita atenção nas últimas semanas ao contar uma história real que envolve até o FBI sobre uma mulher mantida em situação análoga à escravidão por uma família da elite paulistana durante anos.

nathally kayser
Published in
4 min readJul 26, 2022

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Na era das informações massivas e de fácil acesso, o formato de podcast vem cativando os consumidores que podem ouvir histórias e entrevistas em qualquer lugar. Nessa onda, o podcast da Folha: A Mulher da Casa Abandonada traz à tona uma narrativa, no mínimo, assustadora, que conta a história de Margarida Bonetti, uma mulher que vive em uma mansão caindo aos pedaços no coração de Higienópolis — um dos bairros nobres da cidade de São Paulo.

A Mulher da Casa Abandonada Reprodução: Folha UOL
Reprodução: Folha de São Paulo

Ao narrar a sua jornada de descoberta sobre a história da casa e de Mari (nome que Margarida usava para se apresentar no bairro), o jornalista Chico Felitti conduz o ouvinte a uma série de sentimentos. Quando Chico estava confuso, quem ouvia também estava, e esse padrão se repete algumas outras vezes.

Logo nos primeiros minutos, é difícil entender o teor do documentário. Seria uma história sobrenatural ou de terror? Uma história real ou fictícia? Tais questionamentos somem quando Chico deixa claro ao ouvinte que a peça é uma investigação jornalística sobre o caso de uma família que foi investigada até mesmo pelo FBI por manter uma senhora em situação análoga a escravidão por mais de 38 anos. O assunto é tão delicado quanto parece e, por isso, exige sensatez por parte do jornalista.

Mesclando a narrativa com inserções de gravações com os membros da história, Felitti conquista a credibilidade do público, sem nunca deixar de reiterar o quão repugnante cada ato relatado é. Chico preserva a identidade da vítima e faz questão de procurar todas as partes envolvidas para se pronunciarem a respeito do caso. Ao procurar Renê Bonetti, ex-marido de Margarida, e não conseguir retorno, o programa afirma que o homem já cumpriu sua pena e está reinserido na sociedade, como a justiça determina.

A problemática é mesmo o fato de Margarida estar há mais de duas décadas foragida da polícia, sem nunca ter pago pelo crime. Apesar de pertencer a uma das famílias mais ricas de São Paulo, prefere se esconder nos escombros de uma mansão localizada entre os altíssimos prédios da região. A personalidade excêntrica da mulher fez com que ela fosse vista pelo público como uma personagem. Isso é problemático de diversas maneiras, pois a coloca em uma posição menos humana, quase como uma figura do folclore.

Ao longo dos sete episódios lançados semanalmente, o podcast foi ganhando cada vez mais notoriedade, fazendo-se necessário inserir trechos avisando que a Folha “condena qualquer tipo de agressão ou perseguição contra as pessoas ali retratadas”, já que, em certo momento, Margarida fugiu da mansão por conta do assédio sofrido. A repercussão foi tanta que “A Mulher da Casa Abandonada” passou a ser patrocinado e fazer publicidade de um filme estrangeiro em cartaz.

A casa em higienópolis Reprodução: Redes Sociasi
Reprodução: UOL

É preciso parabenizar Chico Felitti pela responsabilidade e sensibilidade com as quais retratou o caso, deixando claro a problemática estrutural envolvida em toda a história e, principalmente, preservando os dados de quem mais sofreu com tudo isso. Durante os episódios, o ouvinte se vê descobrindo os fatos junto com o apresentador e sente uma sensação aterrorizante de impotência diante de um racismo ainda tão presente em nosso país.

Depois de alguns anos de grande alarde midiático, Chico reconta essa história sem deixar de falar sobre tantas outras que também ocorreram no Brasil. Um caso que envolve violência física, psicológica e patrimonial e que, apesar de tudo, foi o estopim para que uma lei de proteção a imigrantes ilegais em situação de abuso sejam protegidos fora de seu país.

A reação do público com todo o contexto também é de se comentar, mas talvez em outro momento. Por ora, afirmo: ouça esse podcast e saia da sua zona de conforto. É, sim, muito desconfortável ficar de cara com situações tão fora da curva, mas é justamente por isso que cada minuto da produção vale a pena.

Se souber de alguém que está tendo seus direitos violados, disque 100.

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