Crítica

Barbie é sobre ser mulher fora do mundo cor de rosa

Emocionante e engraçado, o filme legitimiza a experiência feminina

Cecilia Martini
Published in
4 min readJul 20, 2023

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Margot Robbie como Barbie | Foto: Divulgação/Warner Bros. Pictures

O longa dirigido por Greta Gerwig conta com um elenco marcado por rostos conhecidos para criar a atmosfera perfeita de Barbieland. No mundo das bonecas, são as Barbies (todas com o mesmo nome), interpretadas por um elenco muito diverso, que ocupam os cargos de liderança e que predominam em todos os ambientes de trabalho. Já os Kens são apenas Kens, sem nada de muito especial ou de propósito além de ser um complemento para as protagonistas.

A Barbie de Margot Robbie — como já se espera ao ser chamada de Barbie estereotipada no filme — vive uma vida aparentemente perfeita. Ela acorda com uma trilha própria como se estivesse em um musical, tem sempre a roupa perfeita a sua disposição e recebe os amigos em casa todas as noites com festas de danças coreografadas.

No entanto, isso tudo é balançado quando ela de repente passa a ter pensamentos humanos e deixa de ser a boneca perfeita. Para resolver seus problemas, Barbie é forçada a ir ao Mundo Real e procurar pela humana a quem pertence — muito bem interpretada por America Ferrera. Ela descobre, então, o que é ser mulher em um mundo não tão cor de rosa e passa a ter todas as inseguranças que vem com isso.

Na busca por descobrir qual o seu papel, Barbie é atravessada por experiências intrinsecamente femininas. As incertezas e as contradições do que significa, ou se espera que signifique, ser mulher levam ela a uma crise existencial navegada com a ajuda da personagem de America Ferrera — que interpreta brilhantemente um monólogo capaz de gerar identificação em qualquer uma. E é dessa forma que o filme valida a complexidade da experiência feminina, muitas vezes dolorosa e difícil, além de impossível de ser compreendida integralmente por homens. Greta Gerwig celebra experiências universais, enquanto também exalta as nuances e singularidades de cada mulher.

Quem algum dia brincou de barbie vai sentir a nostalgia exalada pela cenografia e pelo figurino. As roupas sempre impecáveis que combinam com a temática de cada tipo de boneca e os cenários que passam a sensação de serem feitos inteiramente de plástico são complementados por elementos do roteiro como o chuveiro de onde não sai água ou as Barbies flutuando para saírem de suas casas — afinal quando se brinca de barbie ninguém se preocupa em usar as escadas de brinquedo.

Os diálogos são engraçados e as piadas tem um bom ritmo, marcados por um humor muitas vezes às custas do próprio conceito da marca. Os comentários brincam com a ideia das Barbies que foram descontinuadas, com a percepção de que diversificar as bonecas resolveria os problemas do feminismo e até com os ideais da própria Mattel, ainda que de forma inofensiva.

Margot Robbie é perfeita para o papel da Barbie impecável por motivos que vão muito além de sua aparência. Inicialmente parecendo tão inalcançável quanto a própria boneca, a atriz emociona com uma interpretação que ao decorrer do filme se torna cada vez mais humana. A escolha de Ryan Gosling para o papel de Ken também foi um grande acerto da diretora. A função do acompanhante apaixonado por Barbie é assumida de forma engraçada e modesta, complementada por suas habilidades para música e dança que entram em ação nos números musicais — ponto alto do filme que contribui ainda mais para a atmosfera fantasiosa e um pouco absurda de Barbieland, e adiciona um toque a mais de humor.

Talvez seja um pouco decepcionante o fato de a experiência feminina ser tão universalizada no enredo que desconsidere recortes de classe ou étnico raciais, por exemplo. Mesmo que o elenco contemple mulheres com diferentes tipos de corpos, isso não é explorado — ainda mais pelo longa ser essencialmente protagonizado pelas versões mais padrão de Barbie e Ken.

Mas a verdade é que seria ingênuo esperar isso de um filme produzido pela própria Mattel. Para aproveitar inteiramente o filme é provavelmente necessário ignorar que ele é em si uma grande estratégia de marketing para reparar uma reputação da empresa — e da própria boneca, corretamente criticada por representar um padrão inalcançável de beleza — sem se posicionar politicamente o bastante para receber críticas de um público mais conservador.

Barbie é leve, engraçado, inteligente, reflexivo e comovente; e definitivamente deve ser assistido com a peça mais cor de rosa que você tiver em seu guarda roupa.

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