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Bridgerton: na 3ª temporada, quem mais brilha são os coadjuvantes

A temporada protagonizada por Penelope e Colin Bridgerton chegou ao catálogo da Netflix no dia 13 de junho

Júlia Cristofoli Campos
Caderno 2
Published in
7 min readJun 21, 2024

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Este texto foi escrito por Cássia Gottschalk, Júlia Campos e Laura Bender

Querido e gentil leitor,

Quando se trata de amor no século XIX, a série “Bridgerton”, baseada nos livros de Julia Quinn, já mostrou que consegue fazer algo bem feito. Porém, nessa 3ª temporada, essa afirmação foi posta à prova.

Contextualizando os eventos anteriores para os não amantes da alta sociedade, a série conta a história de oito irmãos que, ao longo de diferentes temporadas, encontram seu par perfeito. A terceira temporada, lançada em duas partes pela Netflix (a primeira em 16/05 e a segunda em 13/06), é focada em Colin Bridgerton (Luke Newton), o terceiro dos irmãos, e em seu interesse amoroso, Penelope Featherington (Nicola Coughlan), ou melhor, Lady Whistledown.

Colin e Penelope se conhecem há muito tempo. Sendo melhor amiga de Eloise Bridgerton desde criança, Penelope também é uma frequentadora assídua da casa Bridgerton e querida conhecida da família, que a acolhe melhor do que a sua. Assim que seus olhos pousaram em Colin pela primeira vez, Penelope desenvolveu uma paixão profunda e secreta por ele, mesmo sabendo que seus sentimentos não eram correspondidos. Colin, por sua vez, sempre enxergou a caçula dos Featherington como uma boa amiga, e nada mais.

Luke Newton como Colin Bridgerton e Nicola Coughlan como Penelope Featherington na terceira temporada de Bridgerton | Reprodução: Liam Daniel/Netflix

Segundo sua mãe, Violet, Colin é o mais sensível de seus filhos. Contudo, isso não se reflete no Colin que é apresentado ao público na terceira temporada. Após retornar de uma longa viagem pela Europa, o terceiro filho dos Bridgerton vira o objeto de desejo de todas as damas da alta sociedade, que anseiam por um marido de boa família. Entre elas está Penelope, que busca a ajuda de seu amigo de infância para encontrar um bom pretendente.

Por outro lado, mesmo tendo contato constante com o lar amoroso dos Bridgertons, Penelope se sente sufocada em seu próprio lar. A casa Featherington está se tornando cada vez mais tumultuada e Penelope decide que deve se casar ainda nesta temporada, a fim de escapar do ambiente hostil em que vive. Após anos escrevendo sobre a sociedade, Penelope escolhe não escrever mais apenas histórias sobre os outros: agora a história dela também está em foco.

Na verdade, a palavra foco é um eufemismo, já que o que o casal principal mais esteve durante a temporada foi fora de foco. A miscelânea de histórias secundárias torna a narrativa confusa e o que mais brilha na temporada são os coadjuvantes, ao invés de Colin e Penelope. Os diretores e roteiristas parecem desorganizados ao tentar lidar com tantas tramas ao mesmo tempo e isso compromete a forma como o par é construído, inclusive atrapalha também na entrega dos atores, pois um diretor e um roteirista sem propósito criam personagens igualmente perdidos.

Luke Newton como Colin Bridgerton e Nicola Coughlan como Penelope Featherington na terceira temporada de Bridgerton | Reprodução: Liam Daniel/Netflix

Passei tanto tempo tentando reprimir minhas emoções, tentando ser o homem que a sociedade espera que eu seja. Por um momento, achei ter conseguido. Mas, nas últimas semanas, vivenciei uma confusão de sentimentos. Tais como a total incapacidade de parar de pensar em você, naquele beijo. Tais como sonhar com você quando durmo e preferir dormir, para poder encontrá-la. Um sentimento que parece uma tortura, mas do qual eu não posso, não vou e não quero abrir mão.

(Colin para Penelope — Episódio 4, Bridgerton)

O casal é vitimado por mudanças bruscas na personalidade de Colin, que parece ter voltado de Paris com outro temperamento. Muito mais impulsivo e intempestivo, Colin não parece ter a mesma consideração e delicadeza que demonstrou nas temporadas anteriores ao reagir sobre a mentira de Penelope em relação a sua identidade como Lady Whistledown. A sensibilidade alegada por sua mãe e clara nos livros não é tão visível nesta temporada.

Sem tempo de tela para o desenvolvimento do conflito entre os protagonistas, ambos são guiados para uma resolução que parece superficial e que não convence o telespectador. Em uma série que até então dedicava cada uma de suas temporadas a um casal, o enredo de Penelope e Colin se torna tão secundário quanto o dos Mondrich, Anthony e Kate Bridgerton (na terceira temporada) e Lady Danbury, Marcus e Violet. No fim, quem mais brilha na terceira temporada de Bridgerton são os coadjuvantes.

E é em relação aos coadjuvantes, sobretudo, que reside o debate central sobre as temporadas seguintes: a possível mudança de enredo de Francesca Bridgerton, que parece se afastar — e muito — do livro que protagoniza. A súbita e não confirmada mudança de gênero para seu futuro par romântico gerou discussões entre os fãs, tanto os leitores, quanto os telespectadores.

Hannah Dodd como Francesca Bridgerton na terceira temporada Bridgerton | Reprodução: Liam Daniel/Netflix

Ao passo que alguns demonstram estar desconfiados com o impacto que isso trará para o conflito e a história da personagem, outros estão otimistas quanto à representatividade que Michaela (não mais Michael) Stirling carrega. Mas esse, caro leitor, é um assunto para um debate futuro, pois ele ainda é incerto. A única certeza é que a discussão sobre a temporada de Francesca Bridgerton também acabou se sobrepondo ao casal principal nesta temporada. Isso é, no mínimo, um indicador da falha da nova showrunner (Jess Brownell) que não tornou Colin e Penelope carismáticos e marcantes o suficiente para o público, muito menos protagonistas de uma história que deveria ser sua.

Embora se aproprie dos mesmos conflitos dos livros, a série oferece pouco contexto para os eventos, como por exemplo o arco indeciso de redenção e vilania de Cressida Cowper (Jessica Madsen). A antagonista parece desempenhar o papel de presa e predadora ao mesmo tempo, e sua história é subvertida sempre que os roteiristas se encontram em um beco sem saída. Além disso, mergulhada em vestidos ainda mais espalhafatosos do que nas temporadas anteriores, ela não é a única a ser prejudicada por uma caracterização que não condiz com a época. É evidente que a intenção de Bridgerton não é retratar a era regencial na Inglaterra com total fidelidade, contudo o exagero pesa na narrativa ao percebermos unhas de gel, maquiagens carregadas e estilos extravagantes — até demais, nos personagens.

Joanna Bobin como Lady Cowper, Dominic Coleman como Lord Cowper, Jessica Madsen como Cressida Cowper na terceira temporada de Bridgerton | Reprodução: Liam Daniel/Netflix

“Não é ótimo descobrirmos que não somos exatamente quem pensávamos ser?” — Lady Danbury para Penelope

(Os Segredos de Colin Bridgerton — Julia Quinn)

Já a atriz Nicola Coughlan, apesar das falhas na construção da trama, se destaca no terceiro arco de Bridgerton em sua atuação verossímil com a transformação vivida por sua personagem. Foi um respiro para todas as mulheres grandes verem seus corpos representados na mídia sem nenhuma menção a eles. Em momento algum vemos qualquer declaração como “Penelope é amada mesmo sendo gorda”. A narrativa é somente “Penelope é amada”, e isso também é uma mudança positiva do livro para a série: na obra original, a protagonista desenvolve sua autoconfiança após perder peso.

Em contrapartida, a confiança de Penelope no decorrer desta temporada se constrói inteiramente de dentro para fora. Contando com a ajuda de Genevieve Delacroix — a modista de Mayfair — ao se esquivar das escolhas de moda questionáveis da mãe, e com a ajuda de Colin ao perder o medo de ser autêntica e expressiva na sua busca por um marido. Penelope encontra potencial de noivado em Lorde Debling, um naturalista que desiste de seu cortejo ao perceber os sentimentos não ditos entre Colin e Penelope. Debling, inclusive, desaparece na segunda parte da temporada, sem qualquer explicação, evidenciando mais um lapso no roteiro.

Nicola Coughlan como Penelope Featherington, Polly Walker como Lady Portia Featherington in Bridgerton | Reprodução: Liam Daniel/Netflix

Mulheres não têm sonhos. Elas têm maridos. E se tiver sorte e cumprir seu papel, às vezes aquilo que deseja pode acontecer por meio dele.

(Portia Featherington para Penelope — Episódio 6, Bridgerton)

Além de sua filha, Portia Featherington (Polly Walker) também é uma figura que se revela para o público com camadas inesperadas, porém bem-vindas. Seu arco de redenção é um dos mais lindos apresentados na série até hoje. A demonstração de uma faceta mais terna e surpreendente da matriarca, antes apresentada como frígida e distante, suscitou a discussão acerca dos papéis de gênero e o patriarcado na sociedade da época. Sua severidade cai ao passo em que seu maior desejo — o de ver suas filhas viveram a vida que ela tanto sonhou — é realizado.

Portanto, querido leitor, essas autoras concordam que a terceira temporada da série aparenta coesão a uma certa distância, mas à medida em que nos debruçamos sobre a trama, é possível notar suas inconsistências, excessos e faltas. Bridgerton continua sendo encantadora e envolvente, embora não tanto quanto já foi um dia. Esperamos que, em meio a muitas interrogações, ainda encontremos respostas em suas edições seguintes.

Atenciosamente, Ladies Whistledown.

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