A Primeira Morte de Joana (2021)

FESTIVAL DE CINEMA DE GRAMADO

Coragem de ser e de sentir: A Primeira Morte de Joana narra as descobertas da adolescência

Ana Julia Zanotto
Caderno 2
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3 min readAug 18, 2021

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“Final do verão de 2007. Sul do Brasil”. É com esta descrição que “A Primeira Morte de Joana”, quinto longa do 49º Festival de Cinema de Gramado, inicia. Produzido em Osório e Santo Antônio da Patrulha e inspirado em uma história real, o filme nos mostra a busca de Joana (Letícia Kacperski), uma adolescente de 13 anos, por respostas que expliquem o porquê de sua tia-avó, de quem ela era próxima, ter chegado ao fim da vida, aos 70 anos, sem nunca ter namorado alguém. O enredo aborda temas como descobertas pessoais, sexualidade e preconceito e é situado na sociedade conservadora do interior gaúcho da primeira década dos anos 2000.

Do primeiro ao último minuto, a história é conduzida pelo mistério que Joana procura desvendar: “por que a tia Rosa nunca teve namorado?”. Perguntando para seus familiares e para pessoas que conviviam com Rosa, Joana obtém diversas justificativas. Para a avó, a irmã nunca namorou porque decidiu escutar ao pai e estudar, a fim de não precisar trabalhar no campo. Para a mãe, a tia manteve a elegância até o fim. Já para o pai de Joana, Rosa era muito dona de si, não queria ter alguém mandando nela.

À medida que Joana vai se aproximando da história da tia-avó, ela faz descobertas importantes sobre ela mesma, sobre sua sexualidade e sobre os segredos guardados pelas mulheres da sua família. A história acontece em 2007, época marcada pela chegada do Complexo Eólico em Osório, período de muitas transformações na região, as quais conversam com as da própria Joana, que procura entender as mudanças que ocorrem em seu corpo e em seus desejos.

Segundo a roteirista Silvia Lourenço, um dos grandes desafios na construção do enredo foi conectar a morte com o afeto e com a descoberta da sexualidade. Ao mesmo tempo que a perda da tia-avó afeta Joana, também é o primeiro passo para que ela comece a notar os sentimentos e a atração que sente pela melhor amiga, Carolina (Isabela Bressane). Um aspecto notável nas cenas em que Joana e Carol se aproximam e trocam olhares é o som do vento soprando ao fundo, como um personagem que guia a protagonista para o encontro consigo mesma.

Foto: Divulgação

Ambientado na cultura de descendência alemã, o longa traz a vivência de uma comunidade pequena e conservadora. Quando a mãe de Joana descobre que Carolina havia beijado uma menina, ela proíbe a amizade entre as garotas, temendo que isso pudesse influenciar a filha. Além disso, o preconceito também é vivido na escola. A violência física e o assédio são frequentes, e acabam sendo desconsiderados pelas autoridades escolares, que viam o erro na própria orientação sexual de Carolina.

O desfecho da história, ao contrário do que se poderia imaginar, não responde de forma objetiva o enigma de Joana. Não sabemos, de fato, os motivos de tia Rosa ter permanecido solteira a vida toda. Mas do final da protagonista temos certeza: no processo de descobertas sobre a vida da tia-avó, Joana encontrou em si muitas das respostas que procurava. Teve coragem para se descobrir e correr atrás dos seus desejos, para ser quem ela era, enfrentando a família, os costumes conservadores e o próprio medo.

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Ana Julia Zanotto
Caderno 2

Estudante de Jornalismo na UFRGS e estagiária do Núcleo de Conservação e Memória do Patrimônio Cultural do Palácio Piratini